domingo, 21 de outubro de 2012

O CASTELO INTERIOR OU AS MORADAS DE SANTA TERESA


foto tirada por Frei Salinho em Ávila 

Ordem para  escrever
         O livro das Moradas ou Castelo Interior de Santa Teresa é considerado normalmente como o melhor dela. Este livro mais que história, tem biografia, mais ainda, autobiografia. Em seu diálogo com Gracian, falando do livro da Vida, este falou à santa: “Faça memória daquilo que lembrar e de outras coisas e escreva outro livro, e diga doutrina em comum, sem nomear a pessoa que tenha experimentado”.
Esse outro livro foi o Castelo Interior. A própria autora contenta com sua obra, gosta mais desta que da outra: a Moradas sobre a Vida e em termos de joalheria, mesmo sendo para ela Vida uma joia, é mais precioso e com mais delicadas pedras preciosas o segundo (Castelo Interior), ou, como ela mesma nos diz: “A meu parecer é melhor o que escrevi depois, apesar de dizer Frei Domingos Bañez   que não é tão bom; pelo menos tinha mais experiência que quando o escrevi”.
         A ordem de escrever As Moradas veio de três lugares, do Pe. Gracian, do Doutor Velazque, e do “Vidreiro” maior: Jesus, que por outro lado era seu livro Vivo”.
As condições de saúde que estava passando a Madre eram muito penosas “com ruído e fraqueza tão grande (de cabeça) que ainda os negócios escrevo com pena”. A situação da Ordem era de perigo e Teresa estava confinada em Toledo, como uma prisão. Mas a fortaleza desta mulher faz que tenha equilíbrio para poder escrever coisas grandes. E aquela que levou  tantas fundações sem saúde e no meio de tantas contradições, vai agora construir este seu castelo com a mesma força de vontade.

Tempo de escritura, autógrafo e destinatárias

         A hora da primeira pedra e da última é ela mesma quem nos fala: “E assim começo a cumprir ( a obediência que encomendaram) hoje, dia da Santíssima Trindade ano de 1577 neste mosteiro de São José do Carmo em Toledo onde me encontro”. Isto no prólogo. Na conclusão do livro: “Acabou-se de escrever no mosteiro de São José de Ávila, ano de 1577, véspera de Santo Andre (29 de novembro), para a glória de Deus que vive e reina por sempre jamais, amém” (7M,conclusão 5)  
         Total de seis meses menos dois dias, desde que começou a escrever até o final. Um par de vezes, ao menos, fala de interrupção na escritura, “porque os negócios e a saúde me obrigam a parar” (4M 2,1) e em outro lugar dirá: “passaram quase cinco meses desde que comecei até agora, e, como a cabeça não está boa para torná-lo a ler, todo deve ir desbaratado, e por ventura falei algumas coisas duas vezes” (5M 4,1). Volta sobre o manuscrito e termina a obra em 29 de novembro.
         E uma vez concluído o livro, dá “por bem empregado o trabalho, apesar de que confesso que não foi muito”. O autógrafo das Moradas se encontra no mosteiro das carmelitas descalças de Sevilla desde outubro de 1618. Em 1622 foi levado em procissão pelas ruas de Sevilla por ocasião das festas pela canonização da autora. E a última e mais prolongada saída do manuscrito foi até Roma em 1961, onde foi restaurado pelo “Instituto Ristauro Scientifico do livro” do Vaticano e o “Instituto di Patologia do livro” de Itália. Voltou a Sevilla em 1962 e ali se conserva no convento das descalças, em um relicário bonito: as muralhas de Ávila, que se converteram em castelo para encerrar e custodiar o autógrafo do Castelo Interior. Idéia do Geral da Ordem naquela época Padre Anastásio Ballestrero.
         As destinatárias primeiras são suas monjas, como disse na “dedicatória”: “JHS. Este tratado, chamado Castelo Interior, escreveu Teresa de Jesus, monja de nossa Senhora do Carmo, a suas irmãs e filhas as monjas carmelitas descalças”.
         Destinatário da obra é também todo fiel cristão, candidato à santidade desde seu batismo.

Visita ao Castelo

         É a autora que nos vai guiando desde uma de suas confissões primeiras. Está com a pena na mão vendo como poderá começar a escrever e “se me ofereceu o que agora vou dizer para começar com algum fundamento, que é; considerar nossa alma como um castelo de um diamante ou claro cristal onde existem muitos aposentos, assim como no céu há muitas moradas (Jô 14,2; que),se bem consideramos irmãs, não é outra coisa a alma do justo senão um paraíso onde disse que tem seus deleites.” ( Prov. 8,31) (1M 1,1)
         Desde esta perspectiva, sem nenhuma complicação, entendemos qual, aliás, quem é para ela o castelo interior: a pessoa humana, e vemos como está deixando-se iluminar por esses dois textos bíblicos, de João e de Provérbios.
         Para organizar a leitura, o estudo de obra tão importante como esta, para assaltar este Castelo (se me permitem usar a frase) tem se publicado já faz tempo “um grande trabalho no qual se analisam com lupa os núcleos básicos da simbologia Teresiana, os eixo temáticos de cada uma das moradas, o itinerário léxico da interiorização, o caminho à construção simbólica da interiorização mesma” (Montserrat Esquerdo Sorte).
         Este tipo de estudo e de leitura não é fácil para a maioria dos leitores do livras das Moradas. Porém temos ao alcance das mãos uns esquemas simples, mas fácil de compreender. Nesta elaboração entram elementos doutrinais básicos, nos quais se inter-relacionam os dois protagonistas: Deus e o homem. Deus que vive e atua, e se comunica dentro. O homem (a alma) como cenário e protagonista da aventura espiritual. E a oração, que é a ponte de comunicação entre Deus e a alma. Aqui surge a ideia, o conceito de “moradas”.
         Teresa divide a obra O Castelo em sete moradas, mas ela mesma avisa: “não considerem poucas peças senão um milhão” (2M 2,12), e mais claramente: “Mesmo se tratando só de sete moradas, em cada uma delas tem mais: em baixo e alto e a os lados” (7M conclusão três).
         Prescindindo da compreensão do castelo no qual se encontram e se veem e se pode visitar e recorrer os diversos aposentos, estâncias, quartos, moradas, temos que lembrar que a alma é a que tem em si mesma as diversas ou diferentes moradas, as leva consigo, é considerada como dividida em sete moradas, sem prejuízo de que essas sete se convertam em setenta vezes sete, isto é, em inumeráveis.
         Isto fica iluminado pelo que disse nas Fundações 14, 5: “Quanto menos tenhamos aqui, mais gozaremos naquela eternidade, onde são as moradas conforme o amor com que tenhamos imitado na vida de nosso bom Jesus”. Esse além já está presente no momento em que começa a escrever: “Onde há muitos aposentos, assim como no céu existem muitas moradas” (1m 1,1). Aqui sentimos o sussurro do passo evangélico, mesmo sem mencionar: “Na casa de meu Pai tem muitas moradas” (Jó 14,2).
         O percurso pelo Castelo se torna fácil e prazeroso da mão da autora. Lendo devagar o prólogo, se deixe levar o leitor pelos títulos dos 27 capítulos que tem o livro. A Santa tem uma habilidade singular para sintetizar nesses epígrafes o que quer dizer. Mais ainda, como parece seguro, que os títulos estão escritos depois de relatado o texto, é dupla a habilidade sintetiza Dora e clarificadora da autora.     
         Terminada a leitura dos 27 títulos, ponha atenção o leitor na Conclusão, especialmente nos nº 2 e 3, onde a Madre deposita uma vez mais critérios de vida e de leitura que foi semeando ao longo do livro.
         Outro método simples para ir fixando na mente a doutrina do Castelo Interior consiste em atender à sustância bíblica que a Santa move em cada uma das moradas. Falamos sustância bíblica integrada de textos, de tipos, de personagens, de motivos bíblicos.
          Podemos ver como exemplo nas Segundas Moradas, onde encontraremos:
1. -Textos: “Quem anda no perigo nele perece” (Si 3,26); “não sabemos o que pedimos” (MT 20,22); “sem sua ajudo não podemos fazer nada” (Jô 15,5); “a paz esteja convosco” (Jô 2, 19. 21)
2.-Tipos bíblicos: o filho pródigo, perdido e comendo manjar de porcos (Luc 15,16); e os soldados de Gedeon quando iam à batalha (Ju 7, 5-7)
3.-Textos e motivos ao mesmo tempo: “Nenhum irá ao Pai senão por mim” (Jo 14,6); “quem me vê a mim vê a meu Pai” (Jo 14,19).
         Este fio condutor é fácil de seguir e mui útil ao longo de todas as moradas. Não podemos esquecer tampouco algo que ela usa muito: o mundo de seus símiles, exemplos ou comparações, que em sua pedagogia faz com que se pareça a Mestre. Um dos exemplos completos é a comparação do Castelo: 1M 1,3. Este símile não é exclusivo ( não em seu espírito e na sua pena )das Moradas já tem usado no Caminho: CV, 28, 9-12; CE 48, 1-4; em Caminho não usa a palavra “castelo”, senão “palácio”, mas a sustância é a mesma. Outro exemplo de comparação, e talvez o melhor, o do verme de seda: (5M 2, 1-10).
          O tema por assim dizer, a realidade da oração, está presente em todo o Castelo como fio condutor. A presença da oração está bem claramente exposta já em 1M 1,7: “A quanto eu posso entender, a porta para entrar neste castelo é a oração e consideração, não digo mais mental ou vocal, que sendo oração há de ser com consideração; porque aquela que não adverte com quem fala ou pede e quem é quem pede e a quem isso não é oração, mesmo que mexa muito os lábios”.
         Esta afirmação não podemos perder de vista, tendo em conta a evolução que vamos seguindo: oração rudimentar, como primeiro ensaios; meditação, simples olhar, estar na presença de Deus; recolhimento infuso, quietude, gostos; oração de união, Deus no fundo da alma; formas extáticas, visões. Alocuções, êxtases, ferida de amor; ânsias de eternidade; contemplação perfeita. Da conjunção de todos esses elementos que vamos assinalando, bem usados, irá surgindo no leitor, além do gosto mental, a compreensão da doutrina Teresiana.
         Alguém da França escreveu faz tempo, porém não era por causa da doutrina Teresiana: “A oração é o primeiro de tudo. Não é o essencial: o essencial é a caridade, que resume em si mesma a perfeição, Deus mesmo. Mas a oração é o primeiro”.
         Por isso escreveu com toda a razão José Vicente Rodriguez: “Partindo da realidade da graça e do amor, que fazem que a alma seja agradável a Deus, que seja o paraíso onde ele se deleita (1M 1,1), as moradas vão se fazendo a partir do amor, viram a ser os diversos graus de amor da alma, já que “o aproveitamento da alma não está em pensar muito, senão em amar muito” (F 5,2), e também para “subir às moradas que desejamos, não está a coisa em pensar muito, senão em amar muito” (4M 1,7). Esse amor não exclui de outras atividades, outros exercícios, e assim teremos que a alma estabelecida em amor, se empregará, v. Gr., no próprio conhecimento e no exercício da humildade, e termos as primeiras moradas (1M 2,8-9). Dar se também diversificação segundo as diferentes Mercedes recebidas de Deus (1M 1,3). Isto vemos bem claro na leitura seguida desta obra Teresiana, sendo com algo típico e fundante, v. Gr., das quartas moradas, a oração de quietude; das quintas, a oração de união; das sextas, os esponsais espiritual e das sétimas, o matrimonio espiritual”.
         Para entender plenamente como a santa leva todo seu carregamento doutrinal, se aconselha ler com toda atenção o último capitulo de todo o livro: (7M c. 4). Aqui temos a impressão que a Madre quer chegar sobre os fundamentos mais sólidos da vida cristã: o amor fraterno e a configuração com Cristo. O Castelo Interior é, sem dúvida, um manual muito bom de santidade.
         Como ajudas e pontos de referencia no recorrido do Castelo é importante e útil gravar na memória alguns pontos nos quais a Madre condensa a doutrina que vai estendendo seus tentáculos ao longo de todo o livro. Vejamos uns exemplos: Grandeza, dignidade,, capacidade, formosura da alma humana: 1M 1. Presença total, natural, sobrenatural de Deus na alma: 5M 1,10. Consciência Teresiana da diversidade de almas: 1M 1,3;5M 3,4. Fabricar cada um sua morada em Deus: 5M 2, titulo e corpo do capitulo. Ser espirituais de verdade: 7M 4,8. Não ficar anões: 7M 4,9. Ser plenamente realistas: 7M 4,14. Não colocar taxa às obras de Deus: 6M 4,12.
         E como capitulo imprescindível sobre Cristo temos que ler 6M 7, onde o titulo diz o seguinte: “disse quão grande erro é não se exercitar, por muito espirituais que sejam, em trazer presente a Humanidade de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e sua sacratíssima Paixão e vida, e em sua gloriosa Mãe e santos. È de muito proveito”. É um capitulo paralelo com Vida 22.


Conclusão

         Em 6M 10,3 nos surpreende a Santa com a identidade e ao mesmo tempo com a diversidade que assinala neste passo: “Façamos agora conta de que é Deus como uma morada ou palácio grande e formoso, e que este palácio, como digo, é o mesmo Deus”. Tirando dessas palavras chegamos a aquilo de “sede castelos formosos como vosso Pai celestial O é”.
         O famoso catecismo holandês apresenta assim aos crentes de hoje esta obra Teresiana: “Santa Teresa escreveu um livro em que a alma está representada por um Castelo com sete moradas. Morada trás morada se chega à sétima na que habita Deus, isto é, Cristo. Sua presença se percebe em todo o Castelo, mas ao chegar a alma ao centro, imersa na própria realidade, se sente invadida ou pelo sereno sentimento de que Deus está nela. A alma vive dentro da realidade terrena, que se apresenta  magnífica diante de seus olhos, pois compreende que Deus é o coração inefável de toda realidade”.
         Na postulação para o doutorado da Santa se encontra como peça principal o Informe do advogado da causa. Para defender a altura da iminente doutrina da doutoranda se oferece um pequeno resumo das Moradas desta maneira:
         Esta “é a principal obra Teresiana, e mais, segundo alguns, de toda a mística cristã [...].O livro se divide em sete partes, ou por moradas, das quais cada uma tem vários capítulos, exceto as segundas que só tem um capitulo.
         As primeiras moradas (02 capítulos) são as almas que tem desejos de perfeição, mas estão ainda dentro das preocupações do mundo, das quais devem fugir e buscar a solidão.
         As segundas moradas (01 capítulo) são para as almas com grande determinação de viver em graça e que se dedicam à oração e alguma mortificação, ainda com muitas tentações por não deixar totalmente o mundo.
         As terceiras moradas (02 capítulos) são para as almas que exercitam a virtude e a oração, mas colocando um disfarçado amor de si mesmos. Precisam de humildade e obediência.
         As quartas moradas (03 capítulos) são já o começo das coisas “sobrenaturais”: a oração de quietude e um inicio da união. Os frutos não são ainda estáveis; as almas devem por isso tem que fugir do mundo e das ocasiões.
         As quintas moradas (04 capítulos) são já de plena vida mística, com a oração de união que é sobrenatural e a de Deus quando quer e como quer, apesar de que a alma pode se preparar. Os sinais verdadeiros de esta união é que seja total, que não falte a certeza da presença de Deus e que sucedam tribulações e dores em que provar o amor a Deus. Necessita se de muita fidelidade.
         As sextas moradas (11 capítulos). Logra se uma grande purificação interior da alma, e entre as graças que nela se dão, totalmente sobrenaturais, estão as alocuções, êxtases, etc., Grande zelo pela salvação das almas, que leva a desejar sua solidão. É necessária a contemplação da Humanidade de Cristo para chegar aos últimos graus da vida mística.
         As sétimas moradas (04 capítulos) são o cume da vida espiritual, na que se recebe a graça do matrimonio espiritual e uma intima comunicação com a Trindade, da qual brota espontaneamente uma grande paz na que vive a alma, sendo ativa e contemplativa ao mesmo tempo. “Uma contemplação que não é subjetiva, senão que transcende ao homem fazendo que se esqueça de si mesmo e assim entregar-se a Cristo e à Igreja”.
         Esta espécie de resumo autorizado é como a apresentação do castelo em seu conjunto; e é ao mesmo tempo um convite para ir verificando toda essa estrutura, não de uma maneira mental ou intelectual senão vivencialmente, isto é, desde a práxis e experiência cristã e tudo  isso levados da mão de Teresa de Jesus doutora da igreja.
Tradução : Frei Francisco Xavier Yudego Marin, ocd

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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Teresa a escritora


Surpreende muito que Teresa tenha começado a escrever desde muito nova, sem nenhuma preparação literária, e sem contar com os meios básicos para isso. Contudo, tem um estilo muito original, escreve nos mais variados géneros literários: narrativo, introspectivo, poético, epistolar, etc. Escreve com viva imaginação, ao ponto de introduzir novos vocábulos e símbolos literários.
Algo mais que surpreende nela é a sua capacidade de escrever de “seguido”; ou seja, em directo, sem elaboração prévia de esquemas. Quando tem que redigir pela segunda vez algum escrito, fá-lo só “por obediência”. Uma nota que mais caracteriza esta escritora singular é a espontaneidade na linguagem “doméstica” que utiliza, ao ponto, de entrar em diálogo directo com o leitor: “irei falando com elas (as suas irmãs) no que escreverei”, afirma no prólogo das Moradas.


2010-03-03


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Fundações: Capítulo 32 -Pistas de leitura



Pistas de leitura


Embora a santa escreva isto quase nas vésperas da sua morte, os acontecimentos que relata já tinham sucedido havia mais de cinco anos, no verão de 1577, tendo em conta a tempestade que pairava sobre os seus descalços (cf. 28,3). Embora anteriores às fundações narradas nos últimos quatro capítulos, o seu lugar é este, como epílogo, tanto por razões metodológicas – porque não se narra evidentemente nenhuma fundação – como sobretudo teológicas, visto que supõe a união não só espiritual, que já existia, mas também jurídica, da primeira fundação com todas as restantes.
Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar…
1. Começa por aludir às razões humanas e divinas que teve para fazer a primeira fundação sob a obediência do bispo (cf. Vida 32,15; 33,16; 36,1-2) e não da Ordem, como as outras (cf. F 2,1-3). A coisa resultou bem, porque lhes deu independência e tranquilidade em certas diferenças com a Ordem. Além disso, o bispo nunca permitiu que um clérigo fizesse visita e funções de superior. Pelo contrário, não se «fazia naquele mosteiro mais do que aquilo que eu lhe suplicava», destaca Teresa (32,2). Não pode tratar-se evidentemente de desejo de protagonismo da santa, mas de garantir o que indicou em 18,6-13. - Estás de acordo com esta relação de textos? - Compartilhas e cultivas a fidelidade ao núcleo normativo do carisma, do estilo, por cima de outras particularidades, por muito geniais, devotas ou autorizadas que sejam? …- Vive-se isto no teu ambiente ou depende-se demasiado da última originalidade do responsável ou do mais influente do grupo?

2. Apesar do dito anteriormente (grandes razões humanas e divinas, cuja necessidade e bondade foram confirmadas durante 15 anos!), as circunstâncias mudam (32,3a; 28,3) e o próprio Deus a incita a libertar-se desta obediência peculiar e a dá-la à Ordem (32,3). – Não achas estranho que, segundo o que ela própria escreve, duvidasse porque lhe parecia que o Senhor se contradizia? Em contraste com isto, muito lúcido o conselho e o argumento do confessor, não é verdade? No entanto, poderá servir de regra de discernimento geral?

3. Embora o relate brevemente (32,4-5), fica claro que não foi fácil convencer o bispo e as próprias monjas da necessidade da mudança de obediência. Reparar na importância, para isso, do diálogo, as razões, o amor sincero pelo outro… Reflectir sobre si e orar. Ter também presente, uma vez mais (cf. 31.44), a humildade do bispo D. Álvaro de Mendoza, a sua disponibilidade para escutar e ser ensinado por “inferiores”.

4. Uma vez mais, teve de fazer não poucos esforços, mas «Bendito seja o Senhor que, com tanto cuidado, olha pelo que toca às Suas servas! Seja para sempre bendito! Amen». Não há melhor conclusão que esta: bênção, consciência de gratidão, experiência de como a graça trabalha connosco (1 Co 15,10) … Reflectir e evocar certezas como esta, agradecê-las, interceder pelos que mais precisam e não podem crê-lo por agora…
Propostas conclusivas:
Tal como no curso passado, convidamos a usar a nossa página na internet (www.paravosnasci.com) para partilharmos ideias ou actividades que tenhais feito. De novo, em espanhol, contamos, desde há meses com um exemplo estupendo: uma selecção de textos das Fundações pelas CARMELITAS DESCALÇAS DE PUÇOL e publicadas por EDE. Já demos notícia no momento da sua publicação, mas, à continuação, detalhamos o esquema interessante que deram à obra, caso sirva de inspiração às vossas sínteses ou trabalhos, após a leitura teresiana realizada.

CARMELITAS DESCALZAS DE PUÇOL, Comenzando siempre. Páginas escogidas del libro de las Fundaciones, Editorial de Espiritualidad, Madrid 2011, 219 pp., 21 x 13 cm.
Todas as virtudes das suas selecções anteriores de textos teresianos (Vida e Caminho) se mantêm e, além disso, aumentam. Por um lado, na Parte I e Introdução à obra, que é um tanto mais extensa e, sobretudo, rica em referências bibliográficas e conteúdos, ao mesmo tempo que conserva a linguagem leve e acessível. Por outro lado, na Parte II, a antologia de textos que, à diferença das anteriores, não segue a estrutura do escrito teresiano, mas o ordena da seguinte maneira: 


1) O arquitecto: Deus
1. Um Deus que Se envolve
2. Um Deus que Se comunica
2) Os alicerces: a autêntica liberdade
1. A obediência
2. A pobreza
3. A verdadeira honra
3) Como cobertura, o horizonte: o carisma teresiano
1. Os grandes ideais
2. Construir o carisma
4) Os desníveis do terreno: as dificuldades
1. Sem recursos
2. Uma sociedade interessada
3. No alvo
4. Daqui para ali
5. Doença e trabalhos interiores
5) Os planos: a estratégia
1. Localização e regime económico
2. O procedimento
3. Dinheiro, negociações e pleitos
6) Parede-mestra: o amor
1. Amor a Deus
2. Amor ao irmão
7) O lar: a oração
1. A oração é amor
2. A oração é luz
8) A horta: o estilo teresiano
1. Abnegação evangélica
2. A ascese das virtudes
3. Educando com amor
9) Parede com parede: os Carmelitas Descalços
1. As fundações de frades
2. Dois sustentáculos humanos [João da Cruz e Jerónimo Graciano]
3. Uma mulher fundadora de frades
10) A galeria: rostos de mulher
1. Catarina Godínez
2. Teresa Laiz.
3. Cassilda de Padilla
4. Beatriz da Encarnação
5. Catarina de Cardona
6. Beatriz da Madre de Deus
7. Ana da Madre de Deus

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Fundações: Capítulo 31 Fundação de Burgos


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Pistas de leitura 

Como se tem verificado já há três capítulos – e mais ainda neste caso -, a redacção do texto é quase imediata aos acontecimentos que narra. Além disso, este capítulo [sobre a fundação de Burgos] destaca-se por ser o mais longo de todos.

Desde o início, a Santa dá-nos as duas chaves do mesmo: por um lado, as muitas complicações que vão ter lugar; por outro, e precisamente por isso, o Senhor dará graças especiais para alentá-la (cf.4), além das ajudas habituais e fundamentais: pessoas boas e grandes colaboradoras. Teremos, portanto, de reparar em ambas as chaves e ir descobrindo os seus pormenores (as pessoas e /ou circunstâncias a que se refere, quais os sentimentos e graças que encerram…); nos diferentes momentos que o capítulo apresenta claramente: os preparativos (1-15), a viagem (16-18), um mês de espera na casa da fundadora (19-26), outro no Hospital da Conceição (27-31), a compra de casa própria (32-38), transferência da comunidade e fundação (39-45), elogio da clausura (46-47), e, finalmente, a situação económica original em que fica a comunidade (48-50). 


Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar… 

1. Depressa aparece o problema que resulta de não contar com a licença escrita da autoridade para fundar (3. 15. 22). - O que é que achas do facto da Santa se atrever a meter-se a caminho sem ela, depois da experiência de Segóvia (21,5)? Por outro lado, dás valor e tens consciência da importância dessas e de outras licenças parecidas, na tua vida ou na daqueles a quem aconselhas (cf. Ficha XV, pergunta9)? 

2. Já aludimos ao texto que se segue: “Já tenho advertido algumas vezes, que Sua Majestade não me dá aviso algum quando [as fundações] se fazem sem dificuldade. Assim tem sido nisto, pois, como já se sabia o que ia passar, desde logo começou a dar-me alento” (4). – Concordas? Em teoria ou por experiência?… 

3. Apesar da segurança que o Senhor tinha dado à Santa, como se explicou no capítulo 29 (cf. 31,4, final),chama a atenção que, ao longo de todo este capítulo, se mantenha convencida da realização da fundação em circunstâncias muito, muito difíceis e quando todos os companheiros desesperavam (cf. 22.26.31). No entanto, também ela acabará por duvidar na noite anterior à chegada da licença (44,final). – Que pensas desta prodigalidade de graças? E destas duvidas finais? 

4. Por mais que Teresa não queira carregar as tintas, é evidente que o Arcebispo foi a maior complicação e, além disso, foi-o por razões, ou melhor sem razões, das mais desconcertantes, caprichosas, injustas… Em tudo se destacam os seus esforços em desculpá-lo (13.31.40): ou estaria a ironizar?), o seu pesar pelas críticas públicas que lhe faziam (45) e, sobretudo, as suas tentativas para que o seu amigo e promotor desta fundação, o Bispo de Palência, não se inimistasse com aquele pelas suas veleidades (7.44-45.50). Tudo isto é, evidentemente, um convite a rever, a orar… 

5. A propósito de ambos os Bispos, há um curioso contraste: por um lado, a cegueira do de Burgos que não só não aceita as correcções fraternas e ponderadas do seu amigo e irmão no episcopado, e até deita a culpa a Teresa (43); e, por outro, a humildade do de Palência (44). – Reler bem, compararmo-nos com um e com o outro… 

6. Se não quis carregar as tintas com o Arcebispo, fê-lo sim nos agradecimentos e louvores a Dª. Catarina de Tolosa (8-10.20.24.29-30.42), pelo que, de novo, podemos compararmo-nos com o que nela destaca, reflectirmos sobre a sua validade actual… 

7. “E assim Lhe digo [ao Senhor] que não faça caso destes sentimentos, da minha fraqueza, para mandar-me o que for servido porque, com o Seu favor, não deixarei de o fazer” (12). Uma boa e importante oração, sem dúvida! Cf., no entanto, Ficha XV, pergunta 9. 

8. A partir da viagem e ao longo de vários parágrafos, aparece com bastante protagonismo a figura do seu querida P. Graciano, embora com uma evolução valorativa decrescente, que vai da alegria e agradecimento grandes pela sua companhia nessa viagem (17), ao reconhecimento da sua intolerância para com a falta de licença escrita (22), assim como do seu nervosismo pelo passar das semanas sem poderem fundar (24), até acabar reconhecendo que “pesava-me muito que tivesse vindo connosco” (26). – Qual a tua opinião? – Inspira-te alguma coisa para a tua situação presente?… 

9. Embora tenhamos destacado os textos que se referem a Dª. Catarina, merece a pena reler e deter-se no nº 30, tanto pelo discernimento que ambas têm de fazer sobre o alcance das ajudas da fundadora (se vão ou não prejudicar com isso os seus filhos). Como pela exclamação final. 

10. Outra exclamação em que merece a pena deter-se: Mas, ó Senhor, como se vê que sois poderoso! Daquilo com que ele procurava estorvá-la tirastes Vós maneira de se fazer melhor. Sede para sempre bendito.” (31; cf. 40) 

11. Também resultam muito interessantes as razões e escrúpulos económicos à volta da compra da casa… Por isso, repare-se nos pormenores, na solução… (35-36). E nas concessões e esforços económicos finais para comprazer quem tanto as tinha favorecido numa compra tão beneficiosa: “em algumas coisas nos exigiu mais do que o combinado, mas, em atenção a ele, passámos por tudo” (37). 

12. “Nosso Senhor pagou-nos bem o que tínhamos passado trazendo-nos a um tal lugar de delícias: porque, pelo seu horto, vista e água, não parece outra coisa. Seja para sempre bendito, amen (39). Cf. “Como é certo pagardes logo com grande tribulação a quem Vos presta algum serviço! E que prémio tão precioso para os que deveras Vos amam…! (22) 

13. – Que te parece este género de elogio da clausura (46)? Não estará condicionado pela experiência desagradável desses meses de espera, sem celebração da Missa na sua residência…? Será compatível com o que tinha escrito quinze anos antes no Caminho 41, 7-8? 

14. A propósito de relações entre textos teresianos, a afirmação radical antimachista com que finaliza Fundações 31,46, há um precedente claro em Caminho 26,4.Faz pensar e orar ou achas que é antiquado e exagerado? 

15. E outro contraste mais entre a frase”…que nos tem preparado um reino sem fim, a troco de uns pequeninos trabalhos que amanhã acabarão “ (F31,47) e a que aludia à contemplação como “trabalho disfarçado com gosto” (C 18,4). É claro que todos estes exemplos nos obrigam a ter sempre em conta os contextos, sem isolar nem absolutizar as frases por belas ou impactantes que sejam… 

16. “Alguns dias depois da fundação da casa, pareceu-nos, ao Padre Provincial e a mim, que na renda dada por Catarina de Tolosa ao mosteiro, havia certos inconvenientes dos quais podia resultar algum pleito e causar-lhe a ela algum desassossego. E quisemos antes confiar em Deus do que ficar em condições de lhe dar dissabores. Por esta e por outras razões […], restituímos-lhe as escrituras” (48). Curioso epílogo que deixa a comunidade numa situação inédita entre as suas fundações: não ter renda, mas parecendo que tem, com o qual o sustento poderia complicar-se… A Santa chega a ficar preocupada com o assunto, até que de novo o Senhor a favorece com outra locução… - Reparemos, portanto, nas razões humanas de uma decisão como aquela, os sentimentos que se agitam em Teresa…


sábado, 25 de agosto de 2012

Papa escreve Mensagem lembrando os 450 anos da reforma carmelita




Cidade do Vaticano (Sexta-feira, 24-08-2012, Gaudium Press)

 Nas vésperas da Solenidade de Nossa Senhora do Carmo, o Papa Bento XVI lembrou que no dia seguinte seria celebrada a memória Litúrgica da Bem Aventurada Maria do Monte Carmelo - Mãe de Deus e Senhora do Escapulário. 


Neste mesmo dia enviou uma mensagem ao Bispo de Ávila e a todo o Carmelo Teresiano pela ocasião da celebração dos 450 anos em que Santa Teeza de Jesus fundou o Carmelo de S. José, em Ávila, Espanha, no dia 24 de agosto de 1562.



Resplendens stella. «Uma estrela de imenso esplendor» (Livro da Vida 32, 11). Com estas palavras, o Senhor animou Santa Teresa de Jesus a fundar em Ávila o mosteiro de São José, início da reforma do Carmelo, lembra o Papa, no início de sua Mensagem enviada ao Bispo de Ávila, Dom Jesús García Burillo.



O Senhor animou Santa Teresa de Jesus a fundar o Mosteiro de São José, início da reforma do Carmelo, diz Bento XVI. "Esta mulher preclara desejava unicamente agradar-lhe em tudo. Com efeito, um santo não é aquele que realiza grandes proezas baseando-se na excelência das suas qualidades humanas, mas aquele que permite com humildade que Cristo penetre na sua alma, que aja através da sua pessoa, que Ele seja o verdadeiro protagonista de todas as suas obras e desejos, que inspire cada iniciativa e sustente cada silêncio". 



O Pontífice continua: "Só quem leva uma intensa vida de oração pode deixar-se conduzir deste modo por Cristo. Ela consiste, segundo as palavras da Santa de Ávila, em «falar de amizade, permanecendo muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama» (Livro da Vida 8, 5). A reforma do Carmelo, cujo aniversário nos enche de júbilo interior, nasce da oração e tende para a oração" .


"Santa Teresa propôs um novo estilo de ser carmelita, num mundo também novo. Aqueles eram «tempos árduos» (Livro da Vida 33, 5)", lembra o Santo Padre.

"O fim último da Reforma teresiana e da criação de novos mosteiros, no meio de um mundo com escassos valores espirituais, consistia em tutelar com a oração a obra apostólica; em propor um estilo de vida evangélica que fosse modelo para quantos procuravam um caminho de perfeição, a partir da convicção de que toda a autêntica reforma pessoal e eclesial passa pelo reproduzir cada vez melhor em nós mesmos a «forma» de Cristo (cf. Gl 4, 19), escreve o Papa para, logo em seguida, fazer comparações e tirar lições: "Também hoje, como no século XVI, e entre rápidas transformações, é preciso que a oração confiante seja a alma do apostolado, para que ressoe com clareza evidente e dinamismo pujante a mensagem redentora de Jesus Cristo. É urgente que a Palavra de vida vibre nas almas de forma harmoniosa, com notas sonoras e atraentes. Nesta tarefa apaixonante, o exemplo de Teresa de Ávila constitui uma grande ajuda para nós. Podemos afirmar que, no seu tempo, a Santa evangelizou sem tibieza, com ardor jamais apagado, com métodos distantes da inércia e com expressões cheias de luz. Isto conserva todo seu vigor na encruzilhada atual."

Depois de lembrar a radicalidade e fidelidade a que Santa Tereza nos convida hoje, o Papa exorta todos os membros desta Igreja particular, mas de maneira profunda os jovens, "a levar a sério a comum vocação à santidade. "Seguindo os passos de Teresa de Jesus, aspirai também vós a ser totalmente de Jesus, só de Jesus e sempre de Jesus. Não tenhais medo de o dizer a nosso Senhor, como ela fez: «Sou vossa, para Vós nasci; o que quereis fazer de mim?» (Poesia 2).
Bento XVI conclui sua Mensagem relembrando ainda a "grande devoção a Virgem Santíssima, que ela invocava com o doce nome do Carmelo" e suplicando a "Maria, Estrela da Evangelização, e o seu casto esposo São José intercedam para que aquela «estrela» que o Senhor acendeu no universo, a Igreja, com a reforma teresiana continue a irradiar o grande brilho do amor e da verdade de Cristo a todos os homens." (JSG)

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Fundações: Capítulo 30 Fundação de Sória



Pistas de leitura
A fundação de Sória é, sem dúvida, a mais fácil de todas; por isso, encontram-se na narração mais elogios aos bons e grandes colaboradores, que o Senhor lhe pôs pelo meio, do que pormenores da mesma.


Devem-se aos dois principais benfeitores a rápida decisão em ir realizá-la (1-4). Também ao primeiro deles deve a Santa uma viagem tão cómoda que quase não tem que contar, e aproveita para elogiar agora um dos seus acompanhantes desde Palência (5-7). Igualmente fácil é a chegada à cidade e a realização da fundação, e de novo se detém “em dizer bem deste santo” que era o seu principal colaborador (8-11). Só a viagem de regresso a Ávila se processou de modo complicado, “mas esta fundação foi tão sem trabalhos, que deste não se há-de fazer caso” (12-14). 


Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar… 

1. Desde o começo da leitura aparece claro o protagonismo e a qualidade do Bispo de Sória, seu amigo e antigo confessor, o Dr. Velázquez. A Santa destaca com que interesse e dedicação a atendeu em Toledo, pospondo as suas muitas ocupações (1). Disponibilidade e generosidade preciosas (pois ela não podia remunerar-lhe o tempo que lhe dedicava): - são habituais no teu ambiente eclesial? E em ti? Agradece, suplica e intercede… 

2. Recorda as razões que levavam a Santa a confiar no conselho do Dr. Velázquez (1, final). – São as mesmas que costumas procurar? Encontra-las? Cultiva-las?… 

3. – Que te faz pensar e rezar a seguinte confidência da Santa que, além de ser boa fundação, vai a Sória porque “ tinha desejo de comunicar-lhe algumas coisas da minha alma e de o ver, pois afeiçoara-me muito a ele pelo bem que me fizera” (2; cf. Vida 40,19; 37,5). 

4. Este santo Bispo será quem convença a boa da fundadora, D. Beatriz, para que faça um mosteiro de carmelitas descalças. Como sempre, o elogio que Teresa faz das virtudes de alguma pessoa, serve-nos para nos compararmos, reflectirmos… Destaca, sem dúvida, a sua generosidade. Mas não devemos passar por alto o primeiro elogio que lhe faz: sendo de tão alta linhagem (3), é alguém de temperamento muito doce (isto é, nada arrogante, nem soberba, nem intrometida, como era próprio da sua categoria social) e penitente (4). 

5. Embora este texto teresiano não o revele, porque se escreveu antes, D. Beatriz ingressará, em 1588, no Carmelo de Pamplona (que também tinha ajudado a fundar), aos 65 anos de idade; seria ainda carmelita durante 12 anos. – Qual a tua opinião sobre a admissão de uma pessoa já de certa idade? – Quais os motivos que poderiam justificá-la? 

6. O companheiro de caminho, de quem já falámos, a quem dedica também bons elogios, é o P. Nicolau Dória. Uma vez mais, reparando no que louva nele, serve-nos para conhecermos aquilo a que a Santa dá valor e confrontá-lo com as nossas vidas… Mas, como já lhe aconteceu com outras pessoas, neste mesmo livro (cf. 10,7-11; 17,5-12; 20,2-14; 25-4-5), os louvores que aqui lhe dedica, aparecem desmentidos com o tempo: às vezes, de maneira não muito escandalosa, mas outras, todo o contrário, como parece ser o caso de Dória, que acabou enfrentando e perseguindo os grandes amigos e herdeiros da Santa (Graciano, Maria de São José, Ana de Jesus). – É fácil para ti assumires isto, ou ficas confundido/a? – Choca com alguma ideia tua sobre a santidade de Teresa e o seu discernimento de espíritos e conhecimento das pessoas? – Se não o achas incoerente com a sua santidade e vida mística, saberias explicá-lo a alguém que o considerasse incoerente? 

7. Quando chegaram a Sória, diz que “o santo Bispo estava a uma janela da sua casa e, quando passámos, lançou-nos a sua bênção. Não foi pequena a minha alegria, porque a bênção de um prelado, e dum prelado santo, é digna de todo o apreço” (7). – Achas que isto poderia supor uma distinção entre bênçãos de maior e menor qualidade? 

8. Quando alude à fundação do novo convento, novamente se desfaz em exaltar as virtudes do Senhor Bispo: prestemos atenção a elas, porque são muito interessantes e úteis para o que estamos a trabalhar e a trabalhar-nos com estes textos (9-10). 

9. Se bem que, ao longo do livro, não se detenha em descrever a precaridade e o perigo das viagens naquele tempo, fá-lo um pouco no final deste capítulo (13): reparemos, confrontemos com as nossas situações e disponibilidades; agradeçamos e oremos por tantos missionários que vivem fatos parecidos por amor do Senhor e dos irmãos. 

10. E, não obstante o anterior, “nunca Deus me dá trabalhos que não mos pague logo” (14), por exemplo, com presentes como os que lhe fizeram as monjas de Segóvia depois deste duro caminho. – Compartes esta ideia e experiência? – Costumas inculcá-la noutros? Mais com palavras do que com obras, ou com um justo equilíbrio entre ambas?…



quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Capítulos 28 e 29


Fundações: Capítulo 29
Pistas de leitura

Esta narração da fundação de Palência tem uma estrutura bastante clara. Em primeiro lugar, a Santa, já nos seus últimos anos de vida e muito debilitada pela epidemia de bronquite (que quase acaba com ela), fala da sua excessiva fraqueza e de como o Senhor actuou para lhe infundir força e pô-la a caminho (1-6).
Trata em seguida da duríssima viagem em pleno inverno, e da fundação em segredo, conforme o seu costume, apesar de contar com o apoio do bispo e da generosíssima gente de Palência (7-11).

Dedica, depois, a parte mais extensa do capítulo ao episódio mais complicado desta fundação: a compra da casa onde se alojaria definitivamente a comunidade. Nesta parte destacam os muitos e bons colaboradores; no entanto, também não falta as estratégias necessárias para que a compra se faça bem e os vendedores não especulem com as suas necessidades e interesses. Contudo, será uma nova locução do Senhor a que vem esclarecer a questão: resulta muito interessante reparar nas dúvidas que surgem na Santa sobre o assunto e como as esclarece… (12-29).
Finalmente, a narração fecha com a famosa alusão ao Capítulo de Alcalá e a conseguida independência jurídica dos descalços; breve, mas intensa (30-33).


Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar…

1. A Santa descreve o seu estado de ânimo inicial, como “um dos grandes trabalhos e misérias da vida (…) terrível coisa… em especial se é alma que já se viu com grandes desejos de não descansar interior e exteriormente, empregando-se totalmente no serviço do seu grande Deus” (3). Depois de toda uma vida arrastando grandes enfermidades e quase 20 anos a viajar e a fundar em condições muito difíceis – quer dizer, treinada em “grandes trabalhos” – e, ao mesmo tempo, cumulada de graças místicas, que te sugere este seu estado anímico?

2. “Aqui não há outro remédio senão ter paciência, reconhecer a própria miséria e abandonar-se à vontade de Deus…” (3). Portanto, não tem nada a ver com culpabilizar-se, nem questionar-se voluntariamente… -Tem-lo em conta para ti próprio e para aqueles a quem possas aconselhar? – Revê, agradece, intercede…

3. Apesar da atitude teologal anterior, sente a falta de “alguém que me animasse” (3). Mas quando os há, também não lhe bastam (cf. 4-5a). Parece, pois, que em discernimento onde houver dados tão evidentes – como o era aqui a sua fraqueza por razões sérias e objectivas de saúde – devem prevalecer estas; salvo se o Senhor falar alto e claro (cf. 6): estás de acordo? Pratica-lo? Como?… Evidentemente, será rara uma locução assim; mas reconhecer “a voz” do Senhor exigirá, sempre, alguns frutos dos que aqui se apontam: “fiquei tão determinada e animada…” (6). - Achas isto coerente? Fácil de levar à prática?

4. A propósito de remédios e de discernimento, não deixes de te deter no seguinte texto: “Estando um dia, depois de comungar, nestas dúvidas e sem me determinar a fazer qualquer das fundações, supliquei a Nosso Senhor que me iluminasse para fazer em tudo a Sua vontade, pois não era tanta a tibieza que chegasse a ponto de diminuir, por pouco que fosse, este desejo” (6).

5. Essa grande debilidade anímica inicial acaba mesmo por obnubilar convicções e experiências tão firmes, no seu caso, como a de que “para fazer mosteiros de pobreza, sem renda, nunca me falta coragem nem confiança” (20,13; cf. 29, 1-2). – Que achas da maneira como a insegurança pessoal afecta as nossas, não só convicções, mas também experiências vitais e religiosas? Obviamente, se isto é assim, é uma boa e necessária matéria para velar e orar… (cf. Lc 22, 40).

6. Evidentemente, a graça com que o Senhor a anima, implica que, embora “me dissessem não ser possível viver de esmolas em Palência, era como se não mo dissessem (…) pois Deus me mandava fazer a fundação, Sua Majestade havia de providenciar (7). E fê-lo tão admiravelmente como era habitual, através de “quem O ajude” (8), que Teresa não se cansa “de louvar a caridade, tanto geral como particular, que encontrei em Palência” (27). Seria bom reparar nas pessoas que destaca e agradece em particular, e confrontar-nos com isso: -Levo contas do bem? Agradeço-o ao Senhor e à pessoa?…
No entanto, queremos agora ressaltar sobretudo como aquela caridade lhe pareceu “coisa da primitiva Igreja” (cf. Actos 2, 44-45): - Que achas de que, numa sociedade tão cristã, seja tão estranho encontrar quem esteja disposto a partilhar de verdade, mesmo do que lhes faz falta para viver (Lc 21, 1-4)? – Como te vês tu e o teu contexto (comunidade, família…) a esse respeito? (Cf. Caminho de Perfeição, cap.2 e a Ficha correspondente). Tal como nesta se destaca, recordar que a Santa não era uma “pauperista radical”: até compraria, mesmo que notoriamente encarecida, “uma casa que parecia convir para mosteiro” (22).

7. Que achas de que, apesar de tanta ajuda do Senhor e das pessoas, a Santa continue com as suas estratégias habituais? Tanto para a sua chegada à cidade – em segredo, porque se não o demónio inquieta, mesmo que “nada consiga” (9) - como para a compra posterior de casa definitiva, para o qual, por exemplo, visita várias “não com intenção de adquiri-las, mas para que o proprietário da outra não pensasse que não tínhamos outro recurso senão a dele” (15).

8. Aparece uma nova fala do Senhor na Comunhão (18, cf.6). Em relação ao Santíssimo Sacramento, já lemos nela coisas importantes (cf. Vida, 22 e 38,21; Caminho 33.35; e as Fichas correspondentes), embora, na realidade, sempre se possa aprofundar mais. Convidamos, no entanto, a reparar agora no discernimento posterior que implica esta nova fala (19-24): questões que relembra, como e com quem a Santa as debate, como é que ela e o seu confessor concordam na mudança de casa que o Senhor propôs… São, sem dúvida, boa matéria para reflexão e oração

9. Se este capítulo começava com “um dos grandes trabalhos e misérias” (3) que Teresa experimentou, termina, no entanto, com “um dos maiores gozos e consolações que poderia receber nesta via” (31). – Aprecias e agradeces o que significa ter um lugar na Igreja e um reconhecimento jurídico que permite encarnar e desenvolver o teu carisma e a tua própria vocação, os teus direitos e obrigações? – Vês, desde este ponto de vista, o Direito Canónico?

10. “Agora começamos, e procurem ir começando sempre, de bem em melhor…” (32). Esta frase tem sido na Ordem todo um lema da necessidade de sermos criativos para sermos fiéis. Mas parece que o seu contexto imediato aponta precisamente para o contrário: “guardem-se, por amor de Deus, de deixar cair algum ponto de perfeição. Não vá dizer-se, por sua causa, o mesmo que de muitas Ordens, das quais só se louvam os princípios (…). Olhem que, por muito pequenas coisas vai o demónio abrindo brechas por onde entram as muito grandes. Que jamais lhes aconteça dizer: isto não tem importância, são exageros.” – Que opinas? Achas que terá a ver alguma coisa com Mt 5, 17-19 e a sua necessária interpretação eclesial nada literal?…

11. O facto do Concílio Vaticano II pedir que renovássemos as nossas Constituições e, com isso, não alguma mas muitas coisas de perfeição, demonstra que a interpretação literal e rigorista destes parágrafos não é fiel ao sentir da Igreja. Portanto, este aparente paradoxo – uma “santa presunção” (33) – que Teresa pede às suas filhas como conclusão, poderia interpretar-se muito bem como fidelidade ao chamamento universal à intimidade com o Senhor 1, a santidade entendida como pertença a Ele, antes do que em sentido moral ou qualquer outro (cf., por exemplo, Novo Millennio Ineunte 30). – É esta “santa presunção” prioritária para mim? – Como potenciá-la?




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1 “Deus nos livre, irmãs, quando fizermos alguma coisa imperfeita, de dizer: não somos anjos, não somos santas. Olhai que, embora não o sejamos, é grande bem pensar que, se nos esforçarmos, o poderemos ser (…). Esta presunção quereria eu nesta casa, porque faz sempre crescer a humildade: ter uma santa ousadia, pois Deus ajuda aos fortes e não faz acepção de pessoas” (Caminho, 16, 8 ou 12, segundo as edições).


quarta-feira, 18 de julho de 2012

Capítulo 27


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Fundações: Capítulo 27
Ficha XIII.- LIVRO DAS FUNDAÇÕES – I

Capítulo 27
Teresa deixa Sevilha e recolhe-se em Toledo para cumprir o mandado do Definitório: “trouxeram-me uma ordem do Definitório, dada depois de um Capítulo Geral […] para que, não só não fundasse mais, mas até para que, sob nenhum pretexto, saísse da casa que eu escolhesse para estar. Era como encarcerar-me…” (27,20). Já em Toledo, escreve a crónica da fundação de Caravaca, última da primeira etapa fundacional. Passarão quatro anos antes de voltar a sair para fundar.
Pistas de leitura
1. Teresa começa por recordar os começos da nova fundação; os inconvenientes da primeira licença; o adiamento do projecto por causa da fundação de Sevilha e, finalmente, a fundação de Caravaca, tendo a Madre delegado em Ana de Santo Alberto para levá-la a cabo (nn.1-10).
2. Segue-se, à continuação, um extenso diálogo de Teresa com as suas filhas; dá-lhes as suas razões para fazer memória dos acontecimentos (nn.11-16) 1
3. Continua um juízo avaliativo do empreendimento fundacional a modo de epílogo. A Santa volta a recordar os grandes trabalhos suportados; a autorização e licenças que recebeu do Geral Rubeo para levar a cabo as fundações; o desprestígio e condenação de que foi objecto injustamente (nn.17-21) 2
4. Com a ordem de deixar de fundar e de se recolher a um convento, cessam também as crónicas. Tinha começado a escrevê-las em 1573 por mandato do seu confessor, o P. Ripalda, e depois por ordem do comissário apostólico, Frei Jerónimo Graciano. Deixa-nos o testemunho da sua obediência ao jeito de epílogo (nn.22-24), datando o fim da obra a 14 de Novembro de 1576. Seguem-se quatro avisos para os Descalços. Teresa escreveu-os numa folha independente que incluiu no fim do caderno, embora não tenham relação directa com o livro das Fundações3


Para reflectir, rever la vida, interceder, agradecer, contemplar…

1. Concluído o relato da fundação de Caravaca, Teresa trava um diálogo directo com as suas leitoras. Num instante, recolhendo todo o passado, faz uma leitura retrospectiva das fundações para testemunhar vigorosamente a obra de Deus e os grandes trabalhos que nelas passaram: “vereis que estas casas não foram, de certo modo, fundadas por homens, mas pela poderosa mão de Deus” (11). “Vede, minhas filhas, vede a mão de Deus […] Seja como for que o querais ver, tendes de reconhecer que a obra é Sua” (12). “Recordai-vos com quanta pobreza e trabalho se fez o que agora gozais com descanso” (11). Trabalhos nos caminhos, cansaço e pouca saúde (17); “o ter de suportar as maneiras de ser de muitas pessoas”, e o desgarrão afectivo de “deixar as irmãs e filhas quando partia de um lugar para outro” (18).

Finalmente, o duro golpe da incompreensão e condenação, os falsos testemunhos e a reclusão.
Memória: Voltar às fontes, re-cordar (=passar pelo coração) a origem, é apropriarmo-nos da sua força fecunda, permitir que a graça de Deus concedida aos nossos maiores continue viva e eficaz entre nós. Pode servir de reflexão ou debate em grupo ter presente a ambiguidade da lembrança. Podemos vivê-la em toda a sua força recreadora se a memória nos ajudar a nos re-conhecermos, a re-viver a graça fundante de um carisma. Mas também se pode converter num escape nostálgico ou crítico de um passado perdido. – Como fazemos memória da nossa história? – Quais os perigos que ‘o esquecimento’ leva consigo?

2. A Madre deixou claro o motivo essencial pelo qual relata os acontecimentos: que se veja a obra de Deus, que as suas filhas conheçam, em primeira mão, os sacrifícios que a reforma exigiu e que se comprometam a conservar e a transmitir fielmente às gerações futuras o dom recebido. Hoje, em cada uma delas “torna a começar esta primeira Regra da Ordem da Virgem Nossa Senhora” (11). “Digo-o, filhas, para que entendais estar mais obrigadas […]. Praza a Sua Majestade amparar-nos sempre e dar-nos a graça de não sermos ingratas a tantas mercês. Ámen” (16).
Testemunho de profecia: Contemplar a obra de Deus exige a responsabilidade do testemunho. Memória e profecia vão de mãos dadas. A obra de Deus deve converter-se em vida, convicção pessoal e compromisso actual. E o passado deve continuar vivo como dinamismo espiritual que abrace todos os horizontes. Trata-se de tomar o passado em nossas mãos, de cuidar dele com um presente fiel e criativo, e de orientá-lo para o futuro. – Como poderemos educar um ‘olhar teologal’ que abranja e integre horizontes? - Somos sensíveis aos testemunhos de entrega e santidade do passado? Tem-se falado muito sobre ‘voltar ao essencial’ (do Evangelho, do cristianismo primitivo, do carisma fundacional…). – Como compreendemos e concretizamos este ‘voltar ao essencial’ do carisma a fim de o traduzirmos hoje com todo o seu vigor?

3. “Sua Majestade é muito amigo de levar por diante as obras que faz, se por nós não for detido” (11). “Não seria justo que a diminuíssemos, ainda que tivéssemos de sacrificar a vida, a honra e o descanso” (12). – Mas como corresponder a Deus? Teresa dá conselhos muito precisos. Com cada um deles poder-se-á animar um tempo de meditação comunitária ou pessoal:
Oração: “Praza a Sua Majestade dar-nos abundantemente a Sua graça; com ela nada haverá que nos tolha os passos para ir adiantando no Seu serviço. Que a todas nos ampare e favoreça, para que não se perca, por nossa fraqueza, um tão grande princípio […]. Em Seu nome vos suplico, irmãs e filhas minhas, que sempre o supliqueis a Nosso Senhor” (11).
Fidelidade é comprometer-se com as gerações futuras. Honrar o passado é ser hoje alicerce das que estão para vir (F 4,6; 21,11).
Esperança: Descobre e medita a essência e dinamismo próprio da esperança cristã nas notas que Teresa condensa neste parágrafo:
“Vida é viver de maneira que não se tema a morte, nem todos os sucessos da vida, e possuir esta habitual alegria que todas agora tendes e esta prosperidade, que não pode ser maior, que não teme a pobreza, antes a deseja. Pois a que poderá comparar-se a paz interior e exterior em que sempre andais? Em vossa mão está viver e morrer com ela […]. Porque, se sempre pedirdes a Deus que leve por diante a Sua obra e não fiardes nada de vós, não vos negará a sua misericórdia; e se tiverdes confiança n’Ele e ânimos animosos – que disto é Sua Majestade muito amigo –, não receeis que vos falte alguma coisa” (12).

4. Ao rever a nossa vida, prestamos atenção aos nossos desejos, intenções e actos concretos. Mas examinamos os nossos medos? Eles revelam a nossa atitude teologal muito mais do que imaginamos! “Não temais”, diz Jesus reiteradas vezes no Evangelho4. Repete-o muitas vezes a Teresa em revelações privadas5. E Teresa no-lo transmite a nós, hoje: “Não tenhais medo”6. Deus não desampara, não abandona. É amigo de levar adiante as suas obras…

Segundo os capítulos das Fundações que já trabalhaste até agora, poderias recolher as afirmações teresianas sobre ‘o ser’ de Deus? – Como é Deus segundo Teresa? Contempla na tua vida o Deus fiel, fonte de paz e de fortaleza. Reconhece os teus medos, dá-lhes um nome e reza com o salmista: “O Senhor é minha luz e salvação, a quem hei-de temer? O Senhor é o protector da minha vida, de quem hei-de ter medo?” “Confia no Senhor, sê forte. Tem coragem e confia no Senhor” (Salmo 26 [27],1-14).

5. Teresa oferece-se como testemunho vivo do Deus que não desampara a quem deseja servi-l’O. No meio da condenação e incompreensão, o Senhor encheu-a de paz, gozo, liberdade interior (20). Só Deus basta, as criaturas são inconstantes (10). Deus não Se muda: “Creio que o meu gozo principal estava em parecer-me que devia ter contentado o Criador, já que assim me pagavam as criaturas, pois entendo que, quem se paga com coisas da terra ou louvores dos homens, anda bem enganado; e, aliás, pouco lucra, pois hoje lhes parece uma coisa e amanhã outra e, se uma vez dizem bem, logo tornam a dizer mal. Bendito sejais Vós, Deus e Senhor meu, que sois para todo o sempre imutável, ámen. Quem Vos servir até ao fim, viverá sem fim na Vossa eternidade” (21)

- Como assumimos e vivemos a nossa solidão, esse fundo da alma que nada nem ninguém pode preencher? - Em que medida as opiniões e ditos dos outros têm influência na nossa vida, fundamentam a nossa confiança ou constroem a nossa identidade e imagem? - Como responde a nossa fé, a nossa esperança e a nossa caridade? Para um momento de oração, pode-se rezar ou cantar o poema teresiano “Nada te perturbe”.


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1Cf. Guião pastoral de Fundações, tema V.
2Cf. Efrém da Madre de Deus e O.Steggink, em Tiempo y Vida de Santa Teresa, P. II, nº417-441.
3Cf. Tomás Álvarez, “Sobre los Cuatro Avisos dela Santa”, en Monte Carmelo 114 (2006) 257-299; Comentarios al libro de las “Fundaciones” de Santa Teresa de Jesús, 131-134.
4 Cf. Mt 8,26; 28,10;Mc 4,40; 6,50; 16,6;Lc 12,32; 24,38; Jo 14,1.27
5 Cf. F 29,6; V 25,18; 30,14; Contas de Consciência 52; 53,16; 12,1; 25 y 38; Relações 4,16; 26,1; 35; 53 y 55.
6 Cf. CV 2,2.8; 10,3;16,10.12; 17,4; 20,2; 21,5.10; 23,3.5; 38,4; V 7,20; 8,7; 11,10.13; 34,12; 35,14.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Fundações: Capítulos 25-26


 


Ficha XII.- LIVRO DAS FUNDAÇÕES –I 
Nos capítulos seguintes, assistimos ao relato da inauguração do Carmelo de Sevilha, com a ajuda inestimável dos novos amigos e benfeitores de Teresa: o seu irmão Lourenço, o sacerdote sevilhano Gaciálvarez, e o Prior da Cartuxa, Hernando de Pantoja (F 25). Instala-se o Santíssimo Sacramento após uma solene procissão e a bênção do Arcebispo Cristóvão de Rojas (27.05.1576), e no dia seguinte a Madre põe-se novamente a caminho de Castela (F 26,1-2). Como epílogo, a narração encerra com a memória edificante da primeira vocação andaluza; Beatriz da Madre de Deus (F 26,3-16).


Pistas de leitura 
Há três aspectos a destacar no momento de abordar a leitura destes capítulos: a pobreza e as dificuldades que Teresa encontra em Sevilha, contra o que era de supor; o novo grupo de amigos que ajudam a Madre em tudo o que respeita à compra da nova casa; e os conflitos institucionais e graves acusações que afectam nessa altura os Descalços e Teresa dentro da Ordem. 

1. Pobreza e dificuldades: “Ninguém podia prever que numa cidade tão importante e de gente tão rica como Sevilha, haveria menos ajudas para fundar do que em qualquer das outras partes onde estivera” (F 25, 1). “Exceptuando a primeira fundação de Ávila […] nenhuma outra me custou tanto como esta, por serem os trabalhos, na sua maioria, interiores” (26,2). No mês de Dezembro de 1575, uma noviça acusa as descalças de Sevilha perante a Inquisição. Nos princípios do ano seguinte, uma comissão, em nome da Inquisição, examina o espírito da Madre. Duas Contas de Consciência, em que Teresa expõe o seu caminho espiritual, os confessores que a acompanham e a sua oração1, são fruto do processo inquisitorial a que foi submetida, a sua resposta às informações pedidas pelo tribunal. 

2. Novos colaboradores: Garciálvarez, “pessoa muito de bem e conhecida na cidade pelas suas boas obras” (25,2). Oferece-se para celebrar a missa diária à nova comunidade e impede a compra de um edifício nada conveniente para mosteiro. Além disso, encarregar-se-á de ornamentar a clausura e a igreja para a inauguração (25,12). Lourenço de Cepeda, recentemente chegado da América: “ajudou-nos muito, sobretudo em conseguir que ficássemos na [casa] em que agora estamos” (25,3). E Hernando Pantoja, “um santo velho, prior da Cartuxa de las Cuevas, grandíssimo servo de Deus” (25,9), que ajudou com as suas esmolas, fazendo-lhes bem “por todos os meios”. Ele e Garciálvarez combinarão com o arcebispo toda a solenidade da procissão, com a presença de clérigos e confrarias da cidade. Por uma carta de Teresa, conhecemos um pormenor que humildemente cala no relato desta fundação: o arcebispo D. Cristóvão de Rojas e Sandoval ajoelha-se diante da Madre, pedindo-lhe a sua bênção. Assim o contará a Ana de Jesus: “Imagine o que sentiria ao ver um tão grande prelado ajoelhado na frente desta pobre mulherzinha, sem se querer levantar até que lhe desse a bênção, na presença de todas as religiões e confrarias de Sevilha”2. 

3. Conflitos institucionais: Imediatamente após a inauguração, Teresa parte para Castela. Incompreendida e desprestigiada, chegou-lhe uma ordem do Definitório geral, reunido em Piacenza, de acabar com as fundações e recolher-se num dos seus conventos. A ordem foi adiada temporariamente por Graciano, mas agora chegara o momento e escolhe Toledo. Escreve ali o 26 capítulo, o último dedicado à Fundação de Sevilha. É o pano de fundo vivido e velado no relato que virá à luz no capítulo seguinte. Alguns dos ‘trabalhos interiores’ que Teresa padece nessas datas3. 


Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar… 

1. Todas as gestões por conseguir uma casa em condições resultam inúteis. Passam-se noves meses de longa espera (F 25,1-2) numa incómoda casa alugada. Tudo resulta inconveniente e apertado numa cidade onde paradoxalmente abundam os recursos. 

Tendo como horizonte que a verdadeira esperança teologal sabe confiar-se totalmente a Deus na adversidade e na prosperidade, receber tudo como Seu, mas sem renunciar ao esforço, ao caminho e à meta… - Como reagimos perante as nossas fragilidades e temores, ou perante o êxito de um projecto alcançado? 

2. Teresa sofre com a ideia de ter de regressar a Castela deixando as suas filhas sem casa definitiva. Para encontrá-la, serve-se de todas as mediações: a oração, a ajuda do seu irmão Lourenço e Garciálvarez, e as suas próprias diligências embora infrutíferas: “Estando um dia em oração, pedindo a Deus que lhes desse casa, pois eram esposas Suas, tão unicamente desejosas de agradar-Lhe, recebi como resposta: Já vos ouvi. Deixa isso a meu cuidado” (25,4). 

Às vezes, nas dificuldades, é fácil perder o equilíbrio e cair nos extremos: esperar tudo de Deus, descarregar a responsabilidade nos outros, ou esperar tudo de nós mesmos. – Sabemos unir a oração e a confiança na ajuda de Deus e dos irmãos com uma atitude responsável e diligente da nossa parte? 

3. Encontram finalmente uma casa conveniente para a comunidade e mudam-se para lá. Levarão um mês a adaptar-se ao lugar e a fazer a igreja. Teresa conta-nos: “ Era meu desejo colocar o Santíssimo Sacramento sem aparato, depois de estar tudo concluído, porque sou inimiga de me tornar pesada quando o posso evitar. E assim, dirigi-me ao Padre Garciálvarez que, por sua vez, tratou com o prior de Las Cuevas” (25,11) 

Conhecemos o desenlace: estes bons homens, juntamente com o arcebispo, decidiram inaugurar o mosteiro com a maior solenidade possível. Levada a empresa a feliz termo, Teresa pode descansar. No dia seguinte, regressa a Castela. Mas não se queixa; alegra-se de ter compartilhado com as suas irmãs as penúrias e conflitos daqueles meses: “sobretudo, dava-me alegria ter gozado dos trabalhos e ir-me quando podia ter algum descanso” (26,1). 

A atitude da Madre revela uma grande delicadeza: simplicidade e sentido prático, e sobretudo caridade para não sobrecarregar ninguém com trabalhos que se podem evitar. Esta maneira de ser teresiana pode ajudar-nos a examinar pessoal e comunitariamente as nossas atitudes, particularmente a nossa caridade: não “se tornar pesada quando se pode evitar” 

Teresa descobre, a cada passo, a intimidade da sua alma, os seus estados de ânimo ou as suas lutas interiores, e ao mesmo tempo ensina-nos a viver a fraternidade, a vida em comunidade. - Como vivemos e manifestamos a alegria de compartilhar com os nossos irmãos penas e trabalhos? – Sem queixas, sem censuras, sem lhes sermos pesados, ajudando-nos mutuamente a levar os nossos fardos? 

4. A Santa termina a crónica de Sevilha com um relato vocacional. A história de Beatriz da Madre de Deus é uma das narrativas e biografias exemplares que amenizam o livro das Fundações4. Pela insistência, pela própria selecção de dados (trata-se do que se considera digno de ser contado), descobre-se o ideal destacado por Teresa como modelo para as futuras gerações. Uma coisa merece particular destaque: a firmeza de Beatriz nas contradições e a fidelidade ao ideal do Carmelo. No Caminho de Perfeição já a madre nos tinha aconselhado que, para a grande empresa da oração, é necessária “uma grande e determinada determinação” (C 21,2) de não abandonar o ideal, mesmo que se morra no caminho: “ a morrer sim, mas não a ficar vencidos” (C 3,1). 
Procurar outros paralelos com textos teresiano já trabalhados em fichas e capítulos anteriores, e reler o relato procurando descobrir substancialmente o ideal vocacional pintado por Teresa. Compará-lo com o nosso tempo, experiência e circunstâncias pessoais ou comunitárias. 


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1 Cf. Contas de Consciência, 53 e 54 (EDE e BAC); Relações 4 e 5 (Ed. Monte Carmelo). 
2 Carta dirigida à Madre Ana de Jesus, a 15 de Julho de 1576. Perdido o autógrafo e sem contar com manuscritos, conhecemos a sua existência e parte do seu conteúdo graças aos testemunhos da própria Madre Ana de Jesus no processo de Salamanca para a canonização de Teresa. 
3Cf. A carta que la Madre dirige nos fins de Janeiro de 1576 ao P. João Baptista Rubeo, Geral da Ordem. 
4 Veja-se, por exemplo, o relato de F 12.