Fundações: Capítulo
29
Pistas de
leitura
Esta narração da fundação de Palência tem uma estrutura bastante clara. Em
primeiro lugar, a Santa, já nos seus últimos anos de vida e muito debilitada
pela epidemia de bronquite (que quase acaba com ela), fala da sua excessiva
fraqueza e de como o Senhor actuou para lhe infundir força e pô-la a caminho
(1-6).
Trata em seguida da
duríssima viagem em pleno inverno, e da fundação em segredo, conforme o seu
costume, apesar de contar com o apoio do bispo e da generosíssima gente de
Palência (7-11).
Dedica, depois, a parte mais extensa do capítulo ao episódio mais complicado
desta fundação: a compra da casa onde se alojaria definitivamente a comunidade.
Nesta parte destacam os muitos e bons colaboradores; no entanto, também não
falta as estratégias necessárias para que a compra se faça bem e os vendedores
não especulem com as suas necessidades e interesses. Contudo, será uma nova
locução do Senhor a que vem esclarecer a questão: resulta muito interessante
reparar nas dúvidas que surgem na Santa sobre o assunto e como as esclarece…
(12-29).
Finalmente, a narração fecha com a famosa alusão ao Capítulo de Alcalá e a
conseguida independência jurídica dos descalços; breve, mas intensa (30-33).
Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar…
1. A Santa descreve o seu estado de ânimo inicial, como “um dos grandes
trabalhos e misérias da vida (…) terrível coisa… em especial se é alma que já
se viu com grandes desejos de não descansar interior e exteriormente,
empregando-se totalmente no serviço do seu grande Deus” (3). Depois de toda uma
vida arrastando grandes enfermidades e quase 20 anos a viajar e a fundar em
condições muito difíceis – quer dizer, treinada em “grandes trabalhos” – e, ao
mesmo tempo, cumulada de graças místicas, que te sugere este seu estado
anímico?
2. “Aqui não há outro remédio senão ter paciência, reconhecer a própria miséria
e abandonar-se à vontade de Deus…” (3). Portanto, não tem nada a ver com
culpabilizar-se, nem questionar-se voluntariamente… -Tem-lo em conta para ti
próprio e para aqueles a quem possas aconselhar? – Revê, agradece, intercede…
3. Apesar da atitude teologal anterior, sente a falta de “alguém que me
animasse” (3). Mas quando os há, também não lhe bastam (cf. 4-5a). Parece,
pois, que em discernimento onde houver dados tão evidentes – como o era aqui a
sua fraqueza por razões sérias e objectivas de saúde – devem prevalecer estas;
salvo se o Senhor falar alto e claro (cf. 6): estás de acordo? Pratica-lo?
Como?… Evidentemente, será rara uma locução assim; mas reconhecer “a voz” do Senhor
exigirá, sempre, alguns frutos dos que aqui se apontam: “fiquei tão determinada
e animada…” (6). - Achas isto coerente? Fácil de levar à prática?
4. A propósito de remédios e de discernimento, não deixes de te deter no
seguinte texto: “Estando um dia, depois de comungar, nestas dúvidas e sem me
determinar a fazer qualquer das fundações, supliquei a Nosso Senhor que me
iluminasse para fazer em tudo a Sua vontade, pois não era tanta a tibieza que
chegasse a ponto de diminuir, por pouco que fosse, este desejo” (6).
5. Essa grande debilidade anímica inicial acaba mesmo por obnubilar convicções
e experiências tão firmes, no seu caso, como a de que “para fazer mosteiros de
pobreza, sem renda, nunca me falta coragem nem confiança” (20,13; cf. 29, 1-2).
– Que achas da maneira como a insegurança pessoal afecta as nossas, não só
convicções, mas também experiências vitais e religiosas? Obviamente, se isto é
assim, é uma boa e necessária matéria para velar e orar… (cf. Lc 22, 40).
6. Evidentemente, a graça com que o Senhor a anima, implica que, embora “me
dissessem não ser possível viver de esmolas em Palência, era como se não mo
dissessem (…) pois Deus me mandava fazer a fundação, Sua Majestade havia de
providenciar (7). E fê-lo tão admiravelmente como era habitual, através de
“quem O ajude” (8), que Teresa não se cansa “de louvar a caridade, tanto geral
como particular, que encontrei em Palência” (27). Seria bom reparar nas pessoas
que destaca e agradece em particular, e confrontar-nos com isso: -Levo contas do
bem? Agradeço-o ao Senhor e à pessoa?…
No entanto, queremos agora ressaltar sobretudo como aquela caridade lhe pareceu
“coisa da primitiva Igreja” (cf. Actos 2, 44-45): - Que achas de que, numa
sociedade tão cristã, seja tão estranho encontrar quem esteja disposto a
partilhar de verdade, mesmo do que lhes faz falta para viver (Lc 21, 1-4)? –
Como te vês tu e o teu contexto (comunidade, família…) a esse respeito? (Cf.
Caminho de Perfeição, cap.2 e a Ficha correspondente). Tal como nesta se
destaca, recordar que a Santa não era uma “pauperista radical”: até compraria,
mesmo que notoriamente encarecida, “uma casa que parecia convir para mosteiro”
(22).
7. Que achas de que, apesar de tanta ajuda do Senhor e das pessoas, a Santa
continue com as suas estratégias habituais? Tanto para a sua chegada à cidade –
em segredo, porque se não o demónio inquieta, mesmo que “nada consiga” (9) -
como para a compra posterior de casa definitiva, para o qual, por exemplo,
visita várias “não com intenção de adquiri-las, mas para que o proprietário da
outra não pensasse que não tínhamos outro recurso senão a dele” (15).
8. Aparece uma nova fala do Senhor na Comunhão (18, cf.6). Em relação ao
Santíssimo Sacramento, já lemos nela coisas importantes (cf. Vida, 22 e 38,21;
Caminho 33.35; e as Fichas correspondentes), embora, na realidade, sempre se
possa aprofundar mais. Convidamos, no entanto, a reparar agora no discernimento
posterior que implica esta nova fala (19-24): questões que relembra, como e com
quem a Santa as debate, como é que ela e o seu confessor concordam na mudança
de casa que o Senhor propôs… São, sem dúvida, boa matéria para reflexão e
oração
9. Se este capítulo começava com “um dos grandes trabalhos e misérias” (3) que
Teresa experimentou, termina, no entanto, com “um dos maiores gozos e
consolações que poderia receber nesta via” (31). – Aprecias e agradeces o que
significa ter um lugar na Igreja e um reconhecimento jurídico que permite
encarnar e desenvolver o teu carisma e a tua própria vocação, os teus direitos
e obrigações? – Vês, desde este ponto de vista, o Direito Canónico?
10. “Agora começamos, e procurem ir começando sempre, de bem em melhor…” (32).
Esta frase tem sido na Ordem todo um lema da necessidade de sermos criativos
para sermos fiéis. Mas parece que o seu contexto imediato aponta precisamente
para o contrário: “guardem-se, por amor de Deus, de deixar cair algum ponto de
perfeição. Não vá dizer-se, por sua causa, o mesmo que de muitas Ordens, das
quais só se louvam os princípios (…). Olhem que, por muito pequenas coisas vai
o demónio abrindo brechas por onde entram as muito grandes. Que jamais lhes
aconteça dizer: isto não tem importância, são exageros.” – Que opinas? Achas
que terá a ver alguma coisa com Mt 5, 17-19 e a sua necessária interpretação
eclesial nada literal?…
11. O facto do Concílio Vaticano II pedir que renovássemos as nossas
Constituições e, com isso, não alguma mas muitas coisas de perfeição, demonstra
que a interpretação literal e rigorista destes parágrafos não é fiel ao sentir
da Igreja. Portanto, este aparente paradoxo – uma “santa presunção” (33) – que
Teresa pede às suas filhas como conclusão, poderia interpretar-se muito bem
como fidelidade ao chamamento universal à intimidade com o Senhor 1, a
santidade entendida como pertença a Ele, antes do que em sentido moral ou
qualquer outro (cf., por exemplo, Novo Millennio Ineunte 30). – É esta “santa
presunção” prioritária para mim? – Como potenciá-la?
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1 “Deus nos livre, irmãs, quando fizermos alguma coisa imperfeita, de
dizer: não somos anjos, não somos santas. Olhai que, embora não o sejamos, é
grande bem pensar que, se nos esforçarmos, o poderemos ser (…). Esta presunção
quereria eu nesta casa, porque faz sempre crescer a humildade: ter uma santa
ousadia, pois Deus ajuda aos fortes e não faz acepção de pessoas” (Caminho, 16,
8 ou 12, segundo as edições).