segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Lançada página na internet de preparação ao V Centenário de Nascimento de Santa Teresa de Jesus


O site da web www.paravosnaci.com estará disponível em sete línguas
-
O site oficial de preparação para a celebração do V Centenário do nascimento de Santa Teresa de Jesus está disponível on-line em http://www.paravosnaci.com/. O portal oferecerá uma série de materiais e documentação para ajudar na animação do Centenário às comunidades de frades, monjas e demais membros da família carmelitana.

O novo site vai facilitar o acesso a diferentes “fichas de trabalho "que a comissão preparatória do centenário oferecerá em relação à leitura e ao estudo das grandes obras escritas pela santa de Ávila, e que este ano vai focar o "Livro da Vida". Além disso, uma “Carta Semanal” sobre um tema Teresiano, notícias sobre os preparativos para o centenário, links, recursos e recomendações de vários materiais e iniciativas são alguns dos conteúdos que o visitante vai encontrar no site.

Como disse o Vigário Geral dos Carmelitas Descalços e encarregado para a preparação do Centenário, Fr Emilio Jose Martinez, "este site será uma das ferramentas mais úteis para levar a todos os cantos dos passos que estão sendo dados em relação ao centenário, e para motivar uma abordagem renovada da Santa Teresa de Jesus."

O site, que começou com a versão em língua castelhana, estará disponível em outras seis línguas (italiano, Inglês, Francês, Alemão, Português e Polonês), a fim de facilitar o uso mais amplo possível e disseminação de conteúdos em diferentes países.
-
Fonte: Comunicationes n. 137
http://www.carmelitaniscalzi.com/vernoticia.php?Id=2184

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

LIVRO DA VIDA - Capítulo 3


Trata de como a boa companhia serviu para reavivar seus desejos e de como o Senhor começou a dar-lhe algum conhecimento sobre o engano pelo qual se deixara atrair

1. Comecei a gostar da boa e santa conversa dessa monja, agradando-me ouvi-la falar tão bem de Deus. Ela era muito discreta e virtuosa. Em nenhum momento, penso eu, perdi o prazer de ouvir essas coisas. Ela me contou que decidira ser monja apenas por ter lido as palavras do Evangelho: Muitos são os chamados e poucos os escolhidos.1Ela me falava da recompensa dada pelo Senhor a quem deixa tudo por Ele. Essa boa companhia foi dissipando os hábitos que a má tinha criado, elevando o meu pensamento no desejo das coisas eternas e reduzindo um pouco a imensa aversão que sentia por ser monja. Eu tinha muita inveja quando via alguma monja chorar ao rezar ou praticar outras virtudes. Nesse período, meu coração era tão duro que a leitura de toda a Paixão não arrancaria de mim uma lágrima, o que me deixava muito pesarosa.

2. Fiquei nesse mosteiro um ano e meio, tendo melhorado muito. Comecei a fazer muitas orações vocais e a pedir a todos que me encomendassem a Deus, para que Ele me indicasse o caminho em que melhor o servisse. Eu queria, no entanto, que não fosse como monja, que Deus não me desse esse desejo, muito embora temesse o casamento.

Ao final do tempo que ali passei, já aceitava mais a condição de monja, mas não naquele lugar, porque havia ali algumas práticas virtuosas que me pareciam exageradas. Algumas das colegas mais novas eram também dessa opinião. Teria sido muito bom se todas pensassem igual. Além disso, eu tinha uma grande amiga2 em outro mosteiro e decidira ser monja, se isso tivesse de acontecer, apenas onde ela estivesse. Eu me entregava mais ao que agrada va à minha sensualidade3 e vaidade do que àquilo que era para o bem da minha alma. Tinha algumas vezes bons pensamentos de dedicar-me a Deus, mas estes logo passavam, e eu não me convencia a fazê-lo.

3. Nessa época, embora não me dedicasse à minha salvação, o Senhor cuidava mais de mim, encaminhando-me para o estado que mais me servia. Ele me deu uma grave doença, que me fez voltar para a companhia de meu pai. Curada, fui levada à casa de minha irmã, que morava numa aldeia,4 para fazer-lhe uma visita. Era muito grande o seu amor por mim e, por sua vontade, eu nunca deixaria a sua companhia. Seu marido compartilhava disso; pelo menos demonstrava-me grande afeição. Uma das grandes graças que devo ao Senhor é ter sido querida em todo lugar em que estive, e eu em troca o servia sendo o que sou.

4. Um irmão de meu pai morava no caminho. Pessoa muito experiente, muito virtuosa, viúvo, ele estava sendo preparado pelo Senhor para o Seu serviço. Tendo deixado tudo o que tinha em idade avançada, abraçou a vida religiosa e morreu em tamanha santidade que deve estar na companhia de Deus.5 A pedido seu, detive-me com ele alguns dias. Ele costumava dedicar--se à leitura de bons livros em castelhano e de modo geral falava sobre Deus e a vaidade do mundo. Meu tio fazia-me lê-los e, embora não me agradassem esses livros, eu mostrava que sim; porque, no tocante a dar prazer aos outros, mesmo que me custasse sacrifícios, eu me esforçava muito. E a tal ponto que em outras pessoas teria sido uma virtude, enquanto em mim era, reconheço, enorme defeito, visto agir muitas vezes sem discrição.

Valha-me Deus! De que maneira Sua Majestade dispunha de mim para a condição em que quis se servir de mim! Sem que eu o quisesse, obrigou--me a me fortalecer! Bendito seja para sempre. Amém.

5. Fiquei poucos dias na casa desse meu tio. A força das palavras de Deus, tanto lidas como ouvidas, e a boa companhia me fizeram compreender as verdades que entendera quando menina: a inutilidade6 de tudo o que há no mundo, a vaidade existente neste, a rapidez com que tudo acaba. Passei a pensar e a temer que talvez fosse para o inferno caso morresse naquele momento. Apesar de a minha vontade de ser monja não ser absoluta, percebi ser essa a condição melhor e mais segura; e, assim, aos poucos, decidi forçar--me a abraçá-la.

6. Passei três meses nessa batalha, lutando comigo mesma com o seguinte raciocínio: os trabalhos e o sacrifício de ser monja não podiam ser maiores do que os do purgatório, e eu bem que merecia os do inferno; por isso, não seria demais viver como no purgatório se depois fosse diretamente para o céu. E assim me decidi.

Nesse esforço para decidir sobre a escolha de estado, acredito que me impelia mais um temor servil do que o amor. O demônio insinuava que eu não ia suportar as exigências da vida religiosa, por gostar tanto de comodidades. Eu replicava com a lembrança dos sofrimentos de Cristo, acreditando que não seria demais passar por alguns por Ele; achava também que Ele me ajudaria — mas não tenho certeza disso. Foram muitas as tentações por que passei.

7. Afligiam-me nessa época constantes desmaios, bem como febres. Minha saúde nunca foi muito boa. O que me ajudou foi já ter me tornado amiga dos bons livros. Lia as Epístolas de São Jerônimo,7 que me animaram a tal ponto que decidi dizê-lo a meu pai. Isso quase equivalia a tomar o hábito, porque, sendo tão briosa, de maneira alguma voltaria atrás, tendo-o declarado. Era tanto o amor que meu pai me dedicava que de forma alguma pude convencê--lo, nem o conseguiram as pessoas a quem pedi que lhe falassem. O máximo que ele disse foi que, depois de sua morte, eu faria o que quisesse. Eu sabia que não podia confiar em mim mesma e temia que a minha fraqueza me fizesse recuar, e por isso achei que devia insistir e fiz esforços que me conduzissem a isso por outro caminho, como vou contar agora.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

LIVRO DA VIDA - Capítulo 2



Trata de como foi perdendo essas virtudes e

de quanto importa, na infância,

tratar com pessoas virtuosas.

1. Parece-me que começou a me prejudicar muito o que agora vou dizer. Considero algumas vezes o mal que fazem os pais em não procurar que seus filhos vejam sempre, e de todas as maneiras, coisas virtuosas. Porque, sendo minha mãe, como eu disse,1 tão virtuosa, ao chegar ao uso da razão não aproveitei tanto do bem, enquanto o mal muitos prejuízos me trouxe. Ela gostava de livros de cavalaria,2 e esse passatempo não lhe fazia tão mal quanto a mim, porque ela não deixava seu labor, somente nos dando liberdade para lê-los. E é possível que o fizesse para não pensar nos grandes sofrimentos que tinha, e para ocupar seus filhos, evitando que se perdessem em outras coisas. Isso pesava tanto a meu pai, que era preciso ter cuidado para que ele não o visse. Acostumei-me a lê-los; e aquela pequena falta que nela eu via fez esfriar em mim os desejos, levando-me a me descuidar das outras coisas; e não me parecia ruim passar muitas horas do dia e da noite em exercício tão vão, escondida de meu pai. Era tamanha a minha absorção que, se não tivesse um livro novo, em mais nada encontrava contentamento.

2. Comecei a enfeitar-me e a querer agradar com a boa aparência, a cuidar muito das mãos e dos cabelos, usando perfumes e entregando-me a todas as vaidades. E eram muitas as vaidades, porque eu era muito exigente.3 Não tinha má intenção, não desejava que alguém ofendesse a Deus por minha causa. Durou muitos anos esse requinte demasiado, ao lado de outras coisas que não me pareciam pecado. E agora vejo que mal deviam trazer.

Alguns primos irmãos meus4 eram os únicos a freqüentar a nossa casa, porque o meu pai era muito recatado; e quisera Deus que também o tivesse sido com esses, pois agora percebo o perigo que vem do contato, na idade em que se deve começar a ter virtudes, com pessoas que, não reconhecendo a vaidade do mundo, nos atraem para ela. Meus primos eram quase da minha idade, sendo pouco mais velhos que eu. Andávamos sempre juntos. Eles gos­tavam muito de mim, e conversávamos sobre todas as coisas que lhes davam prazer. Eu os ouvia falar de suas aspirações e leviandades, que nada tinham de boas. Pior ainda foi que a minha alma começou a não resistir ao que lhe causava todo o mal.

3. Se eu tivesse de aconselhar, diria aos pais para se acautelarem com as pessoas que têm contato com seus filhos nessa idade. É grande o perigo, já que a nossa natureza tende mais para o mal do que para o bem.

Foi o que aconteceu comigo. Eu tinha uma irmã mais velha do que eu,5 e não aprendi nada com a sua grande honestidade e bondade, mas assimilei todo o mal de uma parenta que freqüentava muito a nossa casa. Sua grande levian dade levara minha mãe a se esforçar muito para afastá-la de casa; ela parecia adivinhar o prejuízo que, me sobreviria, e eram tantas as oportunidades de vi sitas que minha mãe nada pôde fazer. Passei a gostar dessa parenta. Com ela tinha conversas e entretenimentos, porque ela me ajudava em todas as di versões do meu agrado e até me atraía para elas, tornando-me ainda confi dente de suas conversas e vaidades. Até o momento em que com ela convivi, por volta dos meus catorze anos, ou um pouco mais (quando ela era minha amiga e eu ouvia as suas co n fi dên cias), não creio ter me afastado de Deus por algum pecado mortal nem perdi do o temor d’Ele, embora fosse mais forte o sentimento da honra. Este foi forte o bastante para que eu não a perdesse de todo; e tenho a impressão de que nada neste mundo poderia me fazer mudar nesse aspecto, nem o amor de ne nhuma pessoa era capaz de me fazer fraquejar quanto a isso. Teria sido muito melhor se eu tivesse usado essa força para não ofender a honra de Deus, em vez de empregar tanto esforço em não fracassar no que considerava a honra do mundo! E, no entanto, eu a perdia de tantas outras maneiras!

4. Eu exagerava nesse inútil apego à honra. Não empregava os meios necessários para conservá-la, preocupando-me apenas em não me perder por inteiro.

Meu pai e minha irmã tinham muito desgosto com essa amizade, repreen dendo-me freqüentemente por mantê-la. Como não podiam evitar que a parenta fosse à nossa casa, foram inúteis os seus esforços, pois era grande minha esperteza para o mal. Às vezes, o prejuízo que vem das más companhias me causa espanto e, se não tivesse passado por isso, não poderia acreditar; especialmente na época da mocidade, deve ser maior o mal que isso traz. Eu gostaria que os pais, com o meu exemplo, se acautelassem e observas sem bem isso. A verdade é que essa amizade me transformou a tal ponto que quase nada restou da minha inclinação natural para a virtude; e me parece que ela e outra moça, que gostava do mesmo tipo de passatempo, imprimiam em mim seus hábitos.

5. Isso me faz entender o enorme proveito que vem da boa companhia, e estou certa de que, se naquela idade tivesse tido contato com pessoas vir tuosas, a minha virtude teria se mantido intacta; porque, se tivesse tido, nes sa idade, pessoas que me ensinassem a temer a Deus, a minha alma teria se fortalecido contra a queda. Tendo perdido esse temor de Deus, ficou-me ape nas o de perder a honra, o que, em tudo o que eu fazia, me trazia aflição. Pensando que não se teria como descobrir, atrevi-me a fazer coisas contra a honra e contra Deus.

6. Foram essas coisas que, em princípio, me fizeram mal, e creio que a culpa não devia ser dessa parenta, mas minha, visto que já bastava minha própria inclinação pa ra o mal; havia na casa criadas, que em tudo me ajudavam em minhas vai dades; se alguma me tivesse dado bons conselhos, talvez eu tivesse aprovei tado. Mas dominava-as o interesse; e a mim, a afeição. Eu não me entregava a pecados graves, porque não gostava, por natureza, de coisas desonestas, mas me dedicava a conversas agradáveis — o que não impedia que eu estivesse em perigo, exposta a situações arriscadas, expondo a elas também meu pai e meus irmãos. De tudo isso Deus me livrou, e de um modo que mostrou com clareza estar Ele procurando, até contra a minha vontade, evitar que eu me perdesse por inteiro. Mas o meu proceder não permaneceu tão oculto a ponto de não lançar dúvidas contra a minha honra e criar suspeitas em meu pai. Eu estava envolvida nessas vaidades há uns três meses, quando me levaram a um mosteiro existente no lugar;6 nele, criavam--se pessoas em condições semelhantes, embora não de costumes tão ruins quanto os meus; e isso de maneira tão discreta, que só eu e um parente o soubemos. Dessa maneira, esperaram uma ocasião adequada, que não parecesse estranha: foi o casamento da minha irmã, que me deixou só, sem mãe, o que não parecia próprio.7

7. Era tão grande o amor de meu pai por mim, e tanta a minha dissimulação, que ele não acreditava que eu fosse tão má, razão por que não perdeu a confiança em mim. Como o período dessas minhas leviandades foi curto, embora alguma coisa tivesse sido percebida, nada se podia dizer com certeza; com o grande cuidado que eu tinha para que nada se soubesse, visto que temia tanto pela minha honra, eu não via que não podia ocultar algo de quem tudo vê. Ó Deus! Que mal faz ao mundo não se levar isso em conta e pensar que alguma coisa contra Vós possa ser secreta! Estou certa de que muitos males seriam evitados se soubéssemos que o importante não é nos ocultar dos homens, mas evitar descontentar a Vós.

8. Os primeiros oito dias foram dolorosos, e mais por eu temer que minha vaidade tivesse sido divulgada do que por estar ali. Na época, eu já estava cansada e passara a temer muito a Deus quando o ofendia, procurando confessar-me tão logo pudesse. Isso me causava tanto desassossego que, depois de oito dias no mosteiro, talvez antes, eu estava muito mais feliz que na casa de meu pai. Todas estavam satisfeitas comigo, pois o Senhor me concedeu a graça de agradar a todos onde quer que eu estivesse, sendo assim muito querida. Naquele tempo, desgostava-me a idéia de tornar-me monja; apesar disso, eu apreciava ver as boas religiosas daquela casa, muito honestas, fervorosas e recatadas. E, no entanto, isso não impedia o demônio de me tentar nem as pessoas de fora de me desassossegar com recados. Como, porém, eu os desencorajasse, breve tudo teve fim. Minha alma reencontrou o bem de minha meninice, e vi o grande favor que Deus concede a quem põe em companhia dos bons. Creio que Ele buscava incessantemente a melhor maneira de me trazer a Si. Bendito sejais, Senhor, que tanto sofrestes por mim! Amém.

9. Havia algo que, não fossem tantas as minhas culpas, talvez pudesse me desculpar: minhas amizades podiam acabar bem, resultando em casamento. Meu confessor e outras pessoas que me aconselhavam diziam que muitas coisas que eu fazia não eram contrárias a Deus.

10. Em nosso dormitório de educandas dormia uma monja8 por meio da qual o Senhor quis, ao que parece, começar a iluminar-me; falarei disso agora.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

LIVRO DA VIDA - Capítulo 1


Livro da Vida

JHS

1. Quisera eu que, assim como me mandaram e deram ampla licença para escrever o modo de oração e as mercês que o Senhor me tem concedido, também ma dessem para que, com muita freqüência e clareza, dissesse os meus grandes pecados e vida ruim; isso seria para mim grande consolo. Mas não quiseram e, antes, preferiram que a isso me restringisse. E por isso peço, por amor de Deus, que quem ler este relato da minha vida tenha diante dos olhos que fui tão ruim que não encontro santo dentre os que voltaram para Deus com quem me consolar. Porque considero que depois de o Senhor os ter chamado, não O tornavam a ofender. Eu não só voltava a ser pior, como parecia estudar a maneira de resistir às mercês que Sua Majestade me concedia, como quem se visse obrigado a servir mais e percebesse não ser capaz de pagar parte mínima do que devia.

2. Bendito seja Ele para sempre, que tanto me esperou; e, com todo o meu coração, suplico me dê graça para, com toda clareza e verdade, fazer este relato que meus confessores me mandam. Que o Senhor o quer, eu o sei há muitos dias, mas não me atrevi; e que seja para glória e louvor Seu e para que, doravante, conhecendo-me eles melhor, ajudem-me na minha fraqueza para que eu possa compensar algo do que devo ao Senhor, a Quem sempre devem louvar todas as coisas. Amém.

Capítulo 1

Trata de como o Senhor começou a despertar a sua alma na infância para as coisas virtuosas e de quanto contribui para isso serem os pais virtuosos.

1. Não fosse eu tão ruim, bastaria ter pais virtuosos e tementes a Deus como favor do Senhor para que fosse boa.1 Meu pai gostava de ler bons livros e os tinha em vernáculo para que seus filhos os lessem. E isso,2 ao lado do cuidado de minha mãe em fazer-nos rezar e ter devoção por Nossa Senhora e por alguns santos, começou a despertar-me com a idade de, ao que me parece, seis ou sete anos. Ajudava-me não ver em meus pais inclinação senão para a virtude. Tinham muitas.

Meu pai era homem muito caridoso com os pobres e piedoso com os enfermos e até com os criados; tanto que jamais se pôde conseguir que tivesse escravos,3 porque tinha deles grande dó. Estando certa vez uma escrava de um seu irmão em sua casa, ele a tratava como a seus filhos. Dizia que o fato de não ser ela livre em nada prejudicava a sua piedade. Era muito sincero. Ninguém jamais o viu praguejar ou murmurar. Era de extrema honestidade.

2. Minha mãe também tinha muitas virtudes e passou a vida com grandes enfermidades. Grandíssima honestidade. Embora muito bela, nunca deu ensejo a que se pensasse ser ela vaidosa, porque, apesar de morrer aos trinta e três anos, seu traje já era o de uma pessoa de muita idade. Muito pacífica e de grande entendimento. Foram enormes os trabalhos por que passou enquanto viveu. Morreu muito cristãmente.

3. Éramos três irmãs e nove irmãos. Pela bondade de Deus, todos se pareciam com os pais na virtude, menos eu, embora fosse a mais querida de meu pai. E, antes de começar a ofender a Deus, parece que eu tinha alguma razão para isso; porque me lastimo quando me recordo das boas inclinações que o Senhor me dava e de quão mal delas tirei proveito.

4. Pois os meus irmãos em nada me prejudicavam no servir a Deus.4 Um deles, quase da minha idade, juntava-se a mim na leitura da vida dos santos (ele era aquele a quem eu mais queria, embora tivesse grande amor por todos, e eles por mim). Como via os martírios que as santas passavam por Deus, parecia-me que pagavam muito pouco o gozo de Deus, e eu desejava muito morrer assim, não pelo amor que achava ter por Ele, mas para gozar, tão cedo, dos grandes bens que lia haver no céu; e, com esse meu irmão, discutia o meio que haveria para isso. Combinávamos ir para a terra dos mouros, pedindo pelo amor de Deus que nos decapitassem. E parece-me que o Senhor nos daria ânimo em tão tenra idade se víssemos algum meio, mas o fato de ter pais nos parecia o maior problema.5

Espantava-nos muito a afirmação, no que líamos, de que a pena e a glória eram para sempre. Ocorria de passarmos muito tempo tratando disso e nos agradava dizer muitas vezes: para sempre, sempre, sempre! Por dizer isso muito devagar, ficava impresso em mim, em tão tenra idade, o caminho da verdade — com que o Senhor era servido.

5. Quando vi ser impossível ir aonde me matassem por Deus, resolvemos ser eremitas; e, numa horta que havia na casa, tentávamos, como podíamos, fazer ermidas, amontoando pedregulhos, que logo vinham abaixo. E assim em nada achávamos remédio para nosso desejo; como se reforça agora a minha devoção ver que Deus me dava tão cedo o que perdi por minha culpa.

6. Eu dava esmola como podia, e pouco podia. Procurava a solidão para rezar as minhas devoções, que eram muitas, em especial o rosário, de que a minha mãe era muito devota, e, assim, nos fazia sê-lo. Gostava muito, quando brincava com outras meninas, de fazer mosteiros, como se fôssemos monjas; e parece-me que eu desejava sê-lo, embora não tanto quanto as outras coisas de que falei.

7. Recordo-me de que, quando minha mãe morreu, eu tinha doze anos, ou um pouco menos.6 Quando comecei a perceber o que havia perdido, ia aflita a uma imagem de Nossa Senhora e suplicava-lhe, com muitas lágrimas, que fosse ela a minha mãe. Parece-me que, embora o fizesse com simplicidade, isso me tem valido; porque reconhecidamente tenho encontrado essa Virgem soberana sempre que me encomendo a ela e, enfim, voltou a atrair-me a si.7 Incomoda-me agora ver e pensar no motivo por que não me mantive íntegra nos bons desejos com que comecei.

8. Ó Senhor meu! Como pareceis ter determinado que eu me salve, praza a Vossa Majestade que assim seja; e, concedendo-me tantas mercês como me tendes concedido, não teríeis podido fazer que, não para meu proveito mas por respeito a Vós, não se sujasse tanto a pousada onde com tanta freqüência haveríeis de morar? Aflige-me, Senhor, até dizer isso, pois sei que foi minha toda a culpa; porque não me parece que vos faltasse desvelo para levar-me, desde essa idade, a ser toda Vossa. Quanto a queixar-me de meus pais, tampouco posso, porque não via neles senão todo bem e cuidado pelo meu bem.

Porque, depois dessa idade, em que comecei a entender as graças de natureza que o Senhor me dera — que, segundo diziam, eram muitas — e, devendo começar a dar graças por elas, passei a me utilizar de todas para ofendê-Lo, como agora direi.