sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Fundações: Capítulo 3


ImageSobre a fundação de São José em Medina del Campo possuímos dois relatos directos e complementares: o de Teresa, nas Fundações, c.3, e o do seu colaborador Julião de Ávila

Pistas de leitura

Estamos no verão de 1567, data da primeira saída de Teresa como fundadora. Esta viagem de Ávila a Medina marca um novo rumo e um novo estilo de vida.
É aqui, em Medina, onde nasce a ideia de completar a sua obra de fundadora com o ramo dos Descalços, e onde ganha para a obra o primeiro grande seguidor, são João da Cruz: «Pouco depois, aconteceu vir por aqui um padre…» (3, 17)

Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar…

1. Vemos que Teresa começa no meio de muitas dificuldades, mas com grande ajuda: «resolvi valer-me do auxílio dos Padres da Companhia…» (3, 1); «O capelão do mosteiro onde eu estava… homem de Deus e de oração… meu grande auxiliar…» (3, 2); «Ao sair de Ávila escrevi a um padre da nossa Ordem…» (3, 3); «Ao chegarmos à pousada, soube que estava no lugar um frade…» (3, 5); «Oito dias depois, vendo um mercador a nossa necessidade…», «e uma senhora que morava ao lado da casa…», «outras pessoas nos davam muito…» (3, 14).
- Recordamos todas as pessoas que tornaram e tornam possíveis os nossos projectos pessoais e comuniários?
A fundação de Medina começa com bem pouca coisa: «Uma vez alcançada a licença, não tinha casa…» (3,2) e «Chegando a casa, entrámos…» (3, 8-9). Teresa não se acobarda perante a pobreza de meios: «Oh! Valha-me Deus! Quando Vós, Senhor, quereis dar ânimo…» (3, 4) consciente de que é o Senhor quem dispõe de tudo. Mas notamos uma mudança de atitude quando as dificuldades e murmurações começam a crescer: «Até aqui, estava eu contentíssima…» (3, 10-11).
Fixemo-nos que diz: «Só tinha presente a minha baixeza e limitado poder»
- Parece-nos normal este contraste de sentimentos?
- Se temos experiência disso, como o encaramos?

2. Já desde o princípio das suas fundações vemos a entranhável solicitude pelas suas irmãs: «E ainda se estivesse só!» (3, 11); «com toda esta fadiga» (3, 12). Teresa sofre quando vê como as suas decisões afectam as irmãs, demonstrando assim um grande amor, que tem sempre em conta os outros.
- Como procuramos aliviar as dificuldades dos que nos rodeiam?

3. Muito importante é o episódio eucarístico, que lhe causa grande sofrimento : «Quando vi Sua Majestade posto assim na rua, em tempo tão perigoso…» (3, 10). Ela tinha a convicção de que a nova casa religiosa só ficava fundada quando se celebrava nela a primeira missa e o Santíssimo Sacramento ficava instalado na capela .
– Quais são as nossas convicções a este respeito?
- Podemos orar perante a comovedora reflexão de Teresa no meio deste contexto: «até lhes fazia devoção ver Nosso Senhor outra vez num portal. E Sua Majestade, como quem não se cansa de Se humilhar por nós, parecia não querer sair de lá» (3, 13)

4. Vai terminando o relato tratando da fundação para os frades e o encontro com frei João da Cruz (3, 16-17). Surpreende a rapidez com que se desenrola um sucesso que será de vital importância para a vocação de João e tão providencial para o Carmelo Teresiano e a Igreja toda. Teresa descobre em João a encarnação das suas ideias, e João descobre-se a si mesmo, descobre a sua vocação e uma mulher que vai proporcionar as possibilidades reais aos seus sonhos e desejos .
- Como avaliamos o encontro de Teresa e João?
- Temos experiência de encontros tão decisivos na nossa vida?

5. Termina o relato agradecida pelo crédito que as monjas iam ganhando entre o povo (3, 18) e é vital a razão que dá desse facto: «cada uma só cuidava de como servir sempre mais a Nosso Senhor», e a experiência que Deus nos comunica de «que mais não espera senão ser amado para amar».
Permaneçamos na contemplação desta cena final, pedindo ao Senhor que nos faça participantes dela.

Ficheiro

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Fundações: Prólogo e capítulos 1-2 *Pistas de leitura


ImageVamos descobrir ao longo do “Livro das Fundações” como Teresa é fundadora do ponto de vista histórico, com a erecção de novos Carmelos e também do ponto de vista teológico: Teresa está dotada de um carisma especial que lhe confere uma missão dentro da Igreja; não funda por iniciativa própria, Teresa é uma enviada (V 32, 10-12)1

Pistas de leitura

Encontramo-nos em Salamanca, onze anos depois da fundação de São José; o
mestre Ripalda, tendo visto o relato da primeira fundação (V 32-36), pede-lhe que
escreva o das fundações seguintes (F Prólogo 2)
Parecendo-lhe a ela impossível semelhante tarefa diz-lhe o Senhor: “Filha, a obediência dá força” (Prólogo 2)
Assim, começa a escrever com uma motivação bem clara: “para que nosso Senhor seja
louvado” (Prólogo 3)

Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar…

1. Teresa está consciente do alcance de uma vida entregada por completo a Deus: muitas vezes me parecia que era para algum grande fim as riquezas que o Senhor punha nelas; ao mesmo tempo vão crescendo nela os grandes desejos: dado que meus desejos… (1,6)
Estamos conscientes que nossa vida em Deus abarca muito além da nossa vida pessoal?
Desejamos que assim seja?
Oremos com Romanos 14, 7-9 “Nenhum de nós vive para si mesmo e nenhum morre para si mesmo. 8Se vivemos, é para o Senhor que vivemos; e se morremos, é para o Senhor que morremos. Ou seja, quer vivamos quer morramos, é ao Senhor que pertencemos. 9Pois foi para isto que Cristo morreu e voltou à vida: para ser Senhor tanto dos mortos como dos vivos”.

2. O encontro com frei Alonso Maldonado faz crescer nela a vocação missionária:
Clamava a nosso Senhor, suplicando-lhe que me desse meios de ganhar uma só alma… (1,7)
Estamos atentos à realidade do sofrimento do nosso mundo? Como oramos perante essa realidade?
Teresa ouve do Senhor: Espera um pouco filha, e verás grandes coisas (1,8)
Sentimo-nos animados pelo Senhor?

3. É no meio das dificuldades que Teresa faz experiência da providência de
Dios; não sabe como pode ser que se cumpram as palavras do Senhor quando ao fim de
algum tempo sucede o seguinte (1,8): Chega o padre geral a Ávila e Teresa diz: “Mas
como quando Deus quer não há impossíveis…” (2,1) e quando lhe pede licença para fundar os frades escreve: “Mas vendo feita a parte principal, tive esperança de que o Senhor faria o resto.” (2,5)
Com esta convicção e muito animada continua: “O ânimo não desfalecia…” (2,6)
Recordemos a acção de Deus nas nossas dificuldades, renovando a
confiança n’Ele e oremos com Teresa: “¡Oh grandeza de Deus!…” (1,7)

4. É precioso ver já no inicio do capítulo 1º o espírito evangélico que se vive na
comunidade: “em nada mais pensavam senão em servir e louvar a nosso Senhor… apoiado no amor de Deus e numa grande confiança n’Ele: “… até que Deus mandava o bastante para todas.” (1, 2)
Vemos o amor pela pobreza –um dos pilares do estilo teresiano- e os frutos da mesma: desprendimento, caridade, abandono em Deus, contentamento.
Parece-nos excessiva para os nossos dias?
Que valor teológico damos à pobreza? Já alguma vez a experimentamos?

5. Outro pilar do espírito teresiano é o amor pela solidão: “a sua consolação era a sua
solidão…” (1, 6) onde se nutre a vida de oração expressa no amor às irmãs e o sentido apostólico da mesma.
É a configuração com Cristo a sós com ele segundo o espírito evangélico que Teresa
quer para as suas comunidades e que dá como exemplo para os que queiram seguir o
ideal vivido em São José.
É a nossa solidão encontro com Jesus?
Experimentamo-la realmente como fonte de vida?
Dedicamos-lhe tempo e espaço ou as ocupações absorvem-nos?
Que dificuldades/medos, nos impedem de viver a solidão?

6. Teresa quer também, nesta nova forma de seguimento de Cristo, ensinar-nos
a obediência; encontramos 36 vezes este termo nas Fundações.
Encontramo-nos sem embargo, com os seguintes exemplos: “Na virtude da
obediência…” (1, 3) e “Ocorria-me encomendar…” (1, 4) que certamente nos
chocarão hoje. Como interpretá-los?2

7. Finalmente, poderíamos sublinhar as frases em que Teresa nos mostra como está
vivendo a sua relação com Deus nestes momentos p. ex. “…mostrando-me muito
amor, como querendo consolar-me…” (1, 8)



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1 100 FICHAS SOBRE TERESA DE JESÚS, Tomás Álvarez, Monte Carmelo 2007, p.74.
Ficha I.- livro DE as FUNDAÇÕES – II

2DICCIONARIO DE SANTA TERESA, Tomás Álvarez, Monte Carmelo, Segunda edición, 2006
p.464; “Certamente a teologia da obediência de Santa T não fica reflectida neste capítulo.
Representa apenas um ponto de partida. Se trata de factos vividos no momento inicial, quando a Santa se
está treinando digamos, no governo e começando além disso um novo estilo de vida. Acontece
numaaltura em que está sob a direcção do P. Baltasar Alvarez, jesuíta……Entrega-lhe um ramalhete
de conselhos espirituais, entre elos, A 25, procedentes dos mestres de noviços da Companhia. Trata-se de avisos pseudo-teresianos, que certamente não reflectem a ascética teresiana…” (cf T. ALVAREZ,
“Semana de Teresianismo”, Burgos 1973, f 115-116).

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

GUIA DOUTRINAL E PASTORAL PARA A LEITURA DO LIVRO FUNDAÇÕES

GUIA DOUTRINAL E PASTORAL PARA A LEITURA DO LIVRO FUNDAÇÕES

DE SANTA TERESA DE JESUS


TRADUÇÃO: FREI ANTONIO PERIM, OCD


Documento recomendado pela Casa Geral postado no site: Para Vós Nasci



ÍNDICE

GUIA DOUTRINAL

1. Fundações, uma aventura sempre nova
2. A obra e o seu gênero
3. Estrutura e planos de leitura
4. Conteúdo
5. Fundações a grande epopéia do familiar


GUIA PASTORAL


GUIA DOUTRINAL

1. Fundações, uma aventura sempre nova.

Fundações apresenta-se como a historia do nascimento e desenvolvimento de um carisma dentro de uma Igreja particular, a espanhola do século XVI. É uma coleção de dados que continuam o empenho começado em Vida com a narração da primeira fundação: São José de Ávila. Isso se faz necessário, como uma família que pega carta de cidadania precisa dar razões de suas origens, mostrando simultaneamente a veracidade da atuação de Deus no mundo através da v ida das pessoas (F pról.2), neste caso de Teresa. Assim considerada, Fundações é continuação de Vida. Se Vida é um caminho de introspecção, Fundações é fonte de extroversão; e nas duas é fundamental Teresa: “eu sei de uma pessoa...”, “...esta pessoa...” “Eu vos digo...” Quando eu vi isto...” “...Eu não o queria...”

Teresa diante da realidade de seu mundo apresenta-se como cronista das mercês que Deus fez nestas fundações (F. Pról.,3). E aqui nos encontramos com a primeira das peculiaridades deste livro. Não se trata de uma história geral, mas sim de uma história doméstica com objetivos doutrinais, didáticos e explicativos. Com sua redação e escopos originais pretende-se dar razão da glória deste Grande Senhor com a vivência de “um estilo de fraternidade e recreação” (F 13,5). É a encarnação da mística na obediência. É a manifestação da plenitude da liberdade na pessoa de Teresa (V 4,10) e, por conseguinte, manifestação da grandeza de Deus. Autêntico fim deste livro (F 2,6). Disso deduzimos que Fundações é um convite a percorrer caminhos que levam à plenitude da liberdade. Liberdade que só se consegue, na transformação da amada no Amado: “disse-me o Senhor: Filha, a obediência dá forças” (F pról. 2).Obediência que se torna palpável na preocupação com os negócios do Amado, na total confiança depositada nEle e na experiência de sua presença.; Cristo é o seu escopo missionário e evangelizador. Com grande realismo e humanismo, Teresa comunicar-nos-á que o logro desta Liberdade não é tarefa fácil. Assim como os cavaleiros andantes devem superar grandes provas e fadigas antes de alcançar o favor da dama, assim como Moisés, Abraão e outras figuras bíblicas tiveram de pôr-se a caminho e superar grandes dificuldades e batalhas antes de chegar à terra prometida, assim também Fundações será o relato de grandes fadigas e trabalhos.

Fundações transforma-se num campo de batalha onde lutam as tropas do maligno com as tropas deste Grão Capitão, que é o Cristo em sua humanidade, que é a presença do Santíssimo Sacramento (F 3,8ss; F 28,37 etc..). A vida que aparece em Fundações situa-se a meio caminho entre a terra e o céu, entre o milagre e a presença maligna que tudo dificulta. Cada fundação, cada novo mosteiro será uma vitória sobre o maligno, cada alma ganha será uma derrota do maligno. Teresa é a cronista, que com linguagem simples e familiar narra as grandes façanhas do Senhor, e narra-as em primeira pessoa com a autoridade da experiência de quem esteve no campo de batalha e delas participou. Faz pátria, constrói Igreja, cria comunidade. Colabora com conselhos para ganhar as batalhas em que esta aventura sempre nova envolverá suas filhas, e seus leitores.

Porém Teresa não podia ficar de fora, textualiza-se, funde-se com o texto. Dá razão de seu modo de proceder e de sua missão diante de seus confessores, dos censores e da Igreja toda. Em Fundações continua o trabalho iniciado em Vida. Embora aqui explicite a necessidade de dar razão de sua obra mística relacionada, ou em consonância, com sua obra doméstica. A crônica transforma-se em “intra-história”, transforma-se em pergunta: Será obra de uma santa ou de uma iluminada? Será obra do seu empenho, ou será obra do próprio Deus? Como dar razão do Carmelo Descalço? Teresa confessa-se com os fatos. Busca discernimento. Busca aprovação quer de suas irmãs como da Igreja e da sociedade em geral. Assim como O Lazarillo (guia) de Tormes procura educar e tem matizes moralizantes, Fundações é retrato de vida cristã exemplar.

Em definitiva, Fundações é a memória das recordações de Teresa. Por isso aparecerão de forma mais viva aquelas que a impressionaram e ficaram fixadas em sua memória. Dá-se, portanto, uma sucessão emocional (F 28,37). Aparece compilado um vasto leque de cores, de perfumes e de sentimentos interiores. Deles vai haurir lições práticas para suas monjas. Como todas as suas obras, é uma comunicação de sua inteligência, de sua personalidade, de sua determinada determinação, de sua sensibilidade e de seu amor por Cristo, por sua humanidade e sua divindade, numa época em que esta parecia ameaçada. Fundações é uma resposta encarnada à leitura dos sinais dos tempos. É nova evangelização. É aventura sempre nova, para quem consiga sentir-se empaticamente envolvido com sua leitura. “Agora começamos e procurem começar sempre de bem para melhor” (F 29,32).

2. A Obra e o seu gênero.


O autógrafo desta obra está conservado na Biblioteca do Escorial (Madri). É um volume de 132 folhas, em formato 303 x 210mm e em suporte papel. A caligrafia é da própria santa, porém como obra escrita ao longo de sua vida apresenta “certa descontinuidade na firmeza dos traços e em sua própria redação, sobretudo no fim, fundação de Burgos, na qual abundam lapsos, erros materiais, como símbolo estremecido por ter empregado todas as energias no empreendimento: o fim é pressentido nestas páginas” . E, continuando a descrição da obra, nos dirá frei Silvério de Santa Teresa:
“Não colocou a Santa neste escrito algum título. Depois do Prólogo, divide o livro em capítulos, seguidos por um sumário de seu conteúdo, todos de próprio punho, exceto o XII que é da mão da mesma religiosa que escreveu os títulos do Caminho de Perfeição do Escorial. Encerrado o ciclo que poderíamos chamar de segundo período das Fundações com a de Caravaca (Cap.27), escreveu mais adiante os quatro remanescentes que redigiu antes de morrer, em cadernos separados, do mesmo tamanho e tipo de papel que os anteriores. Ao invés de capítulos, encabeça as relações com o anagrama Jhs, seguido pelo relativo sumario, exceto o de Villanueva de la Jara em que somente se lê: A fundação de Villanueva de la Jara. Nas costas da página anterior (folio 96) em que encerra a fundação de Caravaca nas seis primeiras linhas, permanecendo o resto da página em branco, foi colocado o um pedaço de papel original contendo os quatro avisos para o bom governo de sua Reforma. Na ultima folha do autógrafo escreve o histórico da mudança de jurisdição do Ordinário para a Ordem, que se tinha verificado em 1577 com o convento de São José de Ávila.

O autógrafo de “As Fundações encontra-se em perfeito estado de conservação. Alguns capítulos, todavia têm a marca de terem sido muito lidos, pelos sinais de manuseio que ficaram em suas margens. Está encadernado conforme o modelo das encadernações escurialenses e forrado com seda amarela bordada por flores em fios de ouro. Ao dourar-se, desapareceram algumas letras e palavras das glosas marginais que o frei Graciano colocou. Embora se leia muito bem o autógrafo, a letra não é uniforme e bem traçada como nos seus outros originais; sobretudo nos últimos capítulos, adverte-se menos firmeza e segurança de pulso: A Santa já estava bem idosa e cheia de achaques quando escrevia. Talvez à sua fraqueza e à urgência do tempo sejam devidos os erros meramente materiais que na redação se lhe escaparam da pena, mais que em outros autógrafos seus...

No que se refere à data de composição do livro, o primeiro que se deve assinalar é que é uma obra escrita a impulsos e em momentos em que os negócios de Deus concediam a Teresa um pouco de tempo. Foi escrito com urgência e, além disso, no último período da vida da Santa. Se nos ativermos às palavras da Santa, inicia a redação deste livro no ano 1573, mais concretamente no dia 25 de agosto, “dia de São Luís, Rei da França” (F pról. 2) e vai concluí-lo definitivamente depois da fundação de Burgos no ano de sua morte 1582.
Entre 25 de agosto de 1573 até fevereiro de 1574, data em que a Santa deixa Salamanca para ir fundar em Segóvia, escreverá os primeiros 9 capítulos. Já em Valladolid, ou depois do regresso a São José de Ávila como priora, escreverá os três seguintes. A partir de 1575 descreverá o capítulo 14 que trata da fundação do convento dos descalços de Almodóvar. Os capítulos de 14 a 20 são de difícil datação, serão escritos depois desses. Deles temos conhecimento por uma alusão presente na carta de 24 de julho de 1576 a Lourenço de Cepeda. Os capítulos 21 a 27 serão redigidos durante seu confinamento em Toledo. São os anos 1576-1577. A própria Teresa informa-nos sobre a conclusão deles no primeiro cólofon do livro (F 27,23). É o 14 de novembro de 1576. Desse modo conclui a primeira redação do livro. Os quatro seguintes capítulos serão compostos à medida que se realizam as fundações: Villanueva de la Jara (1580), Palência e Soria (1581) e Burgos (1582) (nota)

Quanto ao gênero do livro, levando-se em conta que não existem gêneros puros, nos encontramos com uma dificuldade na hora de tentar uma classificação. Não é uma obra que possa ser abraçada com uma leitura unilateral. Diríamos, grosso modo, que é uma crônica em sua finalidade histórica, uma relação em sua percepção psicológica e prosa didática em sua função pedagógica. Caminham de mãos dadas o magistério, a crônica e a presença autoral . O magistério e a crônica encontram sua fonte na experiência de Teresa e na sua necessidade de comunicá-la A crônica e o ensinamento transformam-se em diálogo, num diálogo sincero e coloquial que rapidamente se dirige a Deus em monólogo orante, que se dirige a todos os cristãos, como se transforma em interpelação direta de suas monjas e de todos os seus leitores. Nesta conversa predomina sobre o dado histórico e a fonte livresca a lembrança de Teresa (F pról. 3; 20,15) Isso lhe proporciona maior liberdade na hora de contar os fatos. Assim, diante da rigidez do esquema da crônica onde os eventos devem seguir numa autêntica sucessão objetiva, em Fundações isso acontece de modo genérico; sua sucessão é mais subjetiva se fixa na descrição do pormenor e se apela para o frescor da lembrança. Dá-se importância à intensidade com que ficou gravado na retina da autora o evento acontecido. Dá-se, portanto, uma sucessão mais emocional do que cronológica (F 28,37). Isso não implica no desaparecimento da objetividade e da sucessão cronológica linear. Desapareceria o critério da veracidade. A objetividade e a sucessão cronológica se enriquecem com os pareceres e com as visões concretas da autora. Os eventos narrados são somente os que a ela interessa, deixando de fora de sua relação os de importância para a sociedade civil de sua época, inclusive deixa de fora a paisagem, as pessoas alheias às obras. ´R por isso a relação dos seus acontecimentos; a relação das lembranças e acontecimentos de sua vida. Estamos diante de uma crônica da lembrança. Obra onde Teresa joga com o equilíbrio entre o objetivo e o subjetivo, onde combina a sucessão cronológica linear com sua escala de emoções e valores, de presenças e silêncios.

3. Estrutura e planos de leitura.

Na nossa tentativa de dotar de esqueleto ou de dar uma estrutura a este texto, encontramo-nos com a complexidade própria de um livro redigido de modo descontínuo no tempo e na pluralidade de conteúdos. Dependendo do critério utilizado, obteremos uma estrutura ou outra.
A estrutura mais básica seria a fundamentada na distinção entre conteúdos históricos e doutrinais, porém seria pouco operativa na hora de facilitar a leitura, além de confusa; isso porque em não poucas ocasiões o dado histórico é ocasião para expor a doutrina.

Outra estrutura estaria baseada na descrição de cada capítulo do livro, tomando cada um deles de modo independente. O resultado seria igual ao anterior e inclusive mais problemático, visto que perderíamos a visão geral do livro e a perspectiva da batalha entre Deus e o maligno no meio do mundo e das pessoas. Ademais dificultaria em grau máximo a conexão entre os níveis pedagógico, doutrinal e histórico.

Outra possibilidade esta baseada na estrutura interna do texto, atendendo às distintas datas de composição e aos paralelismos e diferenças que se dão ente os capítulos tomados individualmente e de modo conjunto. Seguindo esses critérios, Víctor Garcia de La Concha e Guido Mancini apresentam-nos uma estrutura muito parecida e de fácil compreensão. O livro divide-se em três partes levando-se em consideração as datas e os lugares de composição. A primeira parte escrita em 1573 compreenderia os capítulos I-XX, que por sua vez se subdividiriam em duas partes. A primeira dessas sub-partes compreenderia as fundações de Medina del Campo, Malagón, Valladolid com as biografias de Beatriz Ordóñez e Cassilda de Padilla e Duruelo (cap. I-XV). A segunda começa com a fundação de Toledo, que parece uma narração independente das anteriores, pela maneira de começar o capítulo e continua através de uma rápida sucessão com as fundações de Pastrana, Salamanca com os conselhos para as prioresas e Alba de Tormes que termina com o seguinte fecho, que nos faz suspeitar de uma primeira etapa narrativa:

“No tocante aos anos de fundação, tenho a suspeita de cometer algum erro, se bem que faço o possível para me lembrar. Como isso não importa muito, porque é possível corrigir depois, digo o que me vem à lembrança; se houver algum engano, a diferença vai ser pouca” (F 20,15).

A segunda parte, que abraça os capítulos XXI-XXVII, trata das fundações de Segóvia, Beas, Sevilha, e contém as biografias de Jerônimo Graciano e Catarina de Godinez. Estes capítulos são compostos em 1576, enquanto se encontra confinada em Toledo e apresentam certo paralelismo com a parte anterior. Isso nos faz pensar que Teresa tenha tido certo plano estabelecido para a hora de organizar o livro e também o tinha fresco na mente na hora de redigir esses capítulos. Acrescente-se que o capítulo XXVII apresenta o primeiro cólofon da obra. Apresenta-se assim como uma obra já concluída. A terceira parte abandona esse plano, distancia-se no tempo e vai ser redigida ao mesmo tempo em que se realiza a fundação. Isso está confirmado pela prolixidade de dados que contém. Agora é mais urgente o tempo e menos possibilidade de para traçar os capítulos. Teresa extrapola sua linguagem com a descrição de grande quantidade de pormenores e a presença da fadiga e do cansaço ocasionado pelas perseguições vividas e as novas dificuldades que continuam aparecendo.

Além dessas estruturas textuais aparece uma estrutura profunda que proporciona coesão e unidade a todos os capítulos e conteúdos. Estrutura que situa Fundações como continuação de Vida e conclusão da primeira parte do Caminho; em concreto da parte ascética, em seu lugar à perfeição na prática da obediência, contemplação perfeita é obediência transformada na plenitude da Liberdade. Oração, desassimento, amor, humildade e obediência convertem-se em fraternidade e recreação sempre nova. A obediência deixa de ser obediência, para ser manifestação da liberdade do sublime.
Tratar-se ia de uma estrutura espiritual que tem sua origem na narração da fundação de São José e que se repete de modo mais ou menos sistemático em todas as outras. Seu ponto de apoio é a obediência, sua plasmação e esta nova vida religiosa que quer encarnar um estilo de irmandade e recreação e sua localização final está em cada nova fundação. Se esse processo em Vida está localizado no interior da alma, em Fundações localiza-se no exterior da pessoa e em Caminho nos conselhos que ministra à comunidade.

Responderia, em definitiva, ao seguinte esquema:
- Exposição: (Obediência a Deus)
- Chamada de Deus a algo
- A vivência pessoal / a relação.
- Os trabalhos: (A ascética da obediência: o discernimento)
- Diálogo consigo mesma
- Diálogo com os outros
- Diálogo com Deus
- Diálogo com os adversários
- Desenlace: a fundação (o triunfo da obediência).
- Procurando ajudas:
a) de Deus;
b) dos homens
- A compra da casa
- O fim da aventura.

Esse esquema permite-nos realizar uma leitura em três níveis diferentes:

1. Nível histórico: Fundações oferece os dados necessários para conhecer como se desenrolou a reforma: economia, caminhos, meios de transporte, pessoas que a ajudam e dificultam a obra, situação geográfica dos conventos, peripécias acontecidas durante as viagens e as fundações, os testemunhos de gratidão, etc.. Estamos diante da crônica das origens da família teresiana. Apoio e complemento desta leitura são as cartas escritas pela Santa

2. Nível parenético: dos dados históricos e dos exemplos haure-se uma explicação doutrinal ou didática.

a) O doutrinal centra-se ao redor da obediência e sua função na vida espiritual: prólogo: a obediência de escrever; cap. II: obediência e fé; cap. III: as misericórdias de Deus encontram sua raiz na obediência; cap. IV: a obediência e a conversão radical a Deus; cap. V: a obediência e sua relação com a oração; cap.s VI-VIII: o sobrenatural e o patológico têm uma chave de discernimento na obediência; cap.s XIV-XIX: a pobreza, a vontade e a obediência; cap.s XXIII-XXV: o perfil biográfico do frei Graciano e a obediência; e os capítulos que narram as últimas fundações: Caravaca, Villanueva, Palência e Burgos como personificação da obediência em si mesma. Auxiliada, isso sim, pela presença e ânimo do protagonista: Sua Majestade: “Que temes? Quando te faltei Eu? O mesmo que tenho sido sou eu agora; não deixes de fazer essas duas fundações?” (F 29,6).

b) O didático se agrupa como continuação de Caminho e preparação para levar com perfeição o estilo de fraternidade e recreação. Alerta sobre os perigos da melancolia (Cap. VII), dá alguns avisos para as prioresas (cap. XVIII), ensina a viver em com unidade com realismo (cap.s I-VII; XIV-XVI, XXII-XXIII,), apresenta perfis biográficos que ajudariam na aceitação de candidatos (cap.s XI, XII, XII-XXV, XXVI-XXVIII). Estamos no âmbito da prosa didática. Teresa, mãe e fundadora deixa-nos seu testamento.

3. Nível mistagógico: é-nos apresentada a luta entre Deus e o maligno. É estrutura profunda que acolhe o objetivo primordial da obra (F pról. 3) e a relação em que Teresa nos dá razão de si e de sua obra, fruto da obediência ao P.e Ripalda e ao frei Graciano. Contempla-se a história como lugar teológico e Teresa como leitora dos sinais dos tempos. É a encarnação da mística na realidade de sua Igreja com a assunção das próprias responsabilidades. As Relações ou Contas de Consciência oferecem-nos chaves para melhor compreendermos essa leitura.

4. Conteúdo

O livro das Fundações pode articular-se ao redor de três núcleos de conteúdo que remetem à obediência, como eixo de toda a vida cristã, ao estilo de fraternidade e recreação como novo modo de viver e entender a vida religiosa e por último, a leitura da história em chave teológica como resposta aos interrogativos que apresentam os sinais do seu tempo.

a) Disse-me o Senhor: filha, a obediência dá forças (F. pról. 2)... “Que temes? Quando te falei Eu? O mesmo que tenho sido sou agora; não deixes de fazer essas duas fundações” (F 29,6).

Este binômio que faz referência a dois conceitos tão teresianos como “presença” e “relação” é o arco dentro do qual se apresenta a obediência teresiana como exercício de liberdade vivida em sua plenitude. Quer em sua dimensão horizontal com os irmãos quer em sua dimensão vertical com Deus. No primeiro dos casos como remédio e no segundo como fim, como alcance de contemplação na ação e manifestação suprema da humildade ao estilo a obediência que teve o Filho para com o Pai no sacrifício da cruz. Permanecendo entre nós como pão e vinho, porque nunca se cansa de humilhar-se por nós (F 3,13). O modelo de obediência para Teresa é Cristo.

E por isso, a obediência é aderir-se à vontade de Deus. A obediência não é um fim, é um meio e o caminho mais rápido para chegar à união com Deus, à “obediência de amor”, de dedicação (F 5,10). A obediência é conversão, é transformação, é realizar a vontade de Deus. A obediência é a realização pessoal de Cristo em nossa vida, fazer experiência de sua presença. Vive-se a obediência como oferenda que produz contentamento em Deus (F 6,22).

Ademais a obediência é também exercício de responsabilidade e liberdade, visto que seu âmbito de atuação é a própria história pessoal. Diríamos simplificando, que a obediência regula a relação do homem com Deus e com os demais. Dirá Teresa: “desejava antes vê-la a obedecer a alguém do que fazer tanta comunhão” (F 6,18). E por isso esta relação necessita de mediações humanas, o que denominaríamos autoridade e obediência humana. Estas mediações são representatividade de Deus. Aqui a obediência se converte em núcleo de discernimento e seu elemento chave (F 6,12). Somente devemos obediência a Deus, inclusive a Igreja é vista como mediação. (F 5,4; CV 3,2-9.12). Teresa escreve alguns conselhos para as prioresas recordando-lhes esta realidade e seguindo três critérios. O primeiro é pedagógico: deve adaptar-se às exigências do súdito, para que a obediência produza os frutos próprios da vida cristã, o desenvolvimento teológico das virtudes (F 5,11; 12,2; 16,3). O segundo é humano: a obediência não é alcançada a muque (humanismo teresiano) (F 5,3; 18,9. 11.13). O terceiro é mistagógico, baseado no amor. Deve ajudar-se a construir uma vida de amizade com Deus e de fraternidade entre todos os membros da comunidade (Carta de 30/05/1581). Recorda-nos o esboço de comunidade exposto no Caminho de Perfeição: “nesta casa não são nem devem ser mais de treze; aqui todas devem ser amigas, todas devem amar-se, todas hão de quererem-se, todas devem ajudar-se” (CV 4,7).

Em definitiva, a obediência para Teresa regula a relação e se fortalece na presença. Na obediência reside o princípio da salvação. A obediência nasce, alimenta-se e se desvanece no Amor. A obediência é manifestação de nossa capacidade de amar. Somente quem é capaz de obedecer torna-se oferenda e manifesta solidariedade com o Cristo (F 18,11).

No fundo a exortação à obediência, é uma tentativa de animar e sustentar viva uma férrea vontade de fidelidade ao espírito originário da reforma. A obediência transformou Teresa e conformou a sua obra.

“Eu bem fico feliz que vos excedais em matéria de obediência, porque tenho particular devoção por esta virtude, razão por que tenho feito tudo quanto posso para que tenhais; mas isso pouco me serviria se o Senhor não tivesse, por sua grandíssima misericórdia, concedido o favor de que todas em geral a isso se inclinassem. Queira Sua Majestade levá-la ainda mais adiante, amém” (F 18,13).

Para auxiliar na leitura, poderíamos apresentar em Fundações a seguinte sistematização: prólogo: a obediência de escrever; cap. II: obediência e fé; cap. III: as Misericórdias de Deus são fruto da obediência; cap. IV: onde a obediência se transforma em conversão radical a Deus; cap. V: obediência e a oração; cap.s VI-VIII: o sobrenatural e o patológico têm uma chave de discernimento na obediência: obediência mais sacrifício produz alegria divina, contentamento de Deus. Obediência sem sacrifício produz o desgosto divino e não vem de Deus; cap.s X-XII: onde aparecem unidas a misericórdia, a dor e a obediência; cap.s XIV-XIX: une a pobreza, a vontade e a obediência; cap.s XXIII-XXV: o perfil biográfico do Frei Graciano e a obediência; e finalmente os capítulos que narram as últimas fundações: Caravaca, Villanueva, Palência e Burgos como personificação da própria obediência. Ajudada, isso sim, pela presença e o ânimo do protagonista: Sua Majestade. Não nos esqueçamos que se a obediência proporciona forças e transforma é porque Cristo está sempre presente e nunca nos falta. Obediência transformada em Liberdade é contemplação perfeita, “porque darmos nossa vontade totalmente ao Senhor para que faça em tudo o que nos cabe conforme ela, nunca deixa de beber dela” (CV 32,9).


 
Poderíamos concluir dizendo que Teresa é a própria obediência, e Fundações sua manifestação, para que a obra começada como modo de manifestar a glória de Deus progrida sempre “de bem a melhor” (F 29,32).

b) Agora estamos começando e procurem ir começando sempre de bem a melhor (F 29,32) este estilo de fraternidade e recreação que temos juntas (F 13,5).

Fundações continua a exposição iniciada em Caminho de Perfeição sobre a comunidade Teresiana e sobre sua concepção da vida religiosa. Teresa concebe a vida religiosa como uma opção aprofunda de fé, que se visibiliza em “um dar-se totalmente ao Todo” (CE 12,19). É encontro com Cristo para pôr-se a seu serviço (F 29,33). Alcança significação como configuração com Cristo; sem por isso deixar de um lado o realismo da vida e a conatural presença da dor e do sacrifício. Identificará vida religiosa e Oração. Identificará vida religiosa e Ascese. É imitação de Cristo na cruz (F 28,43), seguindo o exemplo de sua obediência. E como imitação será sempre projeto novo (F 13,5), caminho de libertação ao serviço da Igreja (F 1,6). Vida religiosa, este estilo de irmandade recreação que levamos juntas, é sinônimo de projeto, de início, de algo inacabado.

A obediência a Deus deve ser vivida cada dia como novidade, sempre em estado de vigilante espera, atentos à escuta da palavra morosa daquele que ocupa o centro da comunidade: Cristo. A vida religiosa converte-se em um estar em Cristo, com Cristo e em viver para Cristo. Cristo é o ponto de partida e a meta. Celebra-se e vive-se de modo especial no sacramento central da jornada teresiana: a Eucaristia. Motor e estímulo de todos e de cada uma de suas fundações e elemento central da comunidade.

Se a isso unimos a identificação que se dá entre Cristo e sua Igreja compreendemos que a vida religiosa e a oração têm uma finalidade concreta. Buscar o bem e a salvação das almas. Trabalho pela propagação da Igreja. Finalidade claramente exposta em Fundações quando nos relata o encontro com frei Alonso Maldonado (F 1, 6-7). A vida religiosa teresiana é uma encarnação da oração missionária e eclesial, vivida na interioridade da pessoa.

Porém este caminho apresenta perigos: seus maiores inimigos são a melancolia e a imaginação (F 7). Com o realismo que a caracteriza Teresa nos indica a necessidade de se fazer um discernimento vocacional, visto que nem todas as pessoas são chamadas a este caminho (F 18), nem todas são capazes de levar a diante a cruz da mortificação interior, coma dignidade com que Cristo carregou a sua (F 22,5). Inclusive, este discernimento é necessário para manter a pureza e o frescor dos inícios e assim manter o projeto em seu estado fundacional (F 4,6-7; 27,11-12). As biografias que apresenta obedecem a esta intenção de descrever-nos candidatos ideais para a vida religiosa teresiana: Catarina de Cardona, Beatriz da Encarnação, Cassilda de Padilla, frei Graciano, etc.. Resumindo e num exercício de concreção poderíamos assinalar as seguintes qualidades como necessárias para viver este estilo de irmandade e recreação:

Humildade, esquecimento de si. “Aborrecimento de si”.
Vida de oração.
Grande desasimento, mortificação, penitência.
Pobreza e confiança na Providência.
Constância e determinação.
Discernimento constante na busca de ser agradável a Deus
Alegria no Senhor (contentamento interior).
Virtudes provadas, especialmente obediência e humildade.
Modéstia e honestidade.
Pureza e transparência de vida.
Serviço aos demais: desejo do bem das almas e desejo de padecer por Deus.
Discrição e suavidade
Amor à Santíssima Virgem
Fortaleza nas dificuldades
Paciência nas enfermidades
Igualdade com todos no trato
De trato agradável (estilo de irmandade e recreação)
Comunicar a experiência de Deus
Bom entendimento
Gratidão
Vivência da fraternidade
Radicalidade no seguimento de Cristo
Grande amor pela vivência eucarística
Viver uma oração apostólica eclesial
Ser capazes de tornar contagiante a experiência de Deus com o testemunho
Percebemos nessas qualidades as virtudes do seguimento:
- radicalidade evangélica
- pobreza pessoal e comunitária
- amor mútuo
- abnegação evangélica
- humildade
- e serviço a Igreja

Os conselhos evangélicos são a base da vida religiosa e se manifestam quer nas virtudes humanas quer nas teologais, possibilitam o conseguimento da liberdade de espírito (F 5,15), por sua vez realiza a inserção do religioso no meio do mundo.

Em Fundações incide muito na importância da pobreza como testemunho no meio do mundo do Reino de Deus (F 14,4-5; 15,14-15), também na obediência que organiza a comunidade e nos põe em disposição de nos configuramos com Cristo (F 5) e colaborar com sua graça na realização do próprio projeto pessoal na vida comunitária. Mas a castidade não aprece citada diretamente: todavia está em todas e em cada uma de suas páginas como atmosfera necessária para que este livro encontre seu sentido (F 4,5; 28,14. 43; 31,46. 47).

A vida religiosa é uma busca da perfeição cristã, dando prova do amor de Deus (F 5,15), da liberdade de espírito que nasce desse amor (F 6,15), sendo exemplo de paciência e humildade para o mundo (F 5,15). Em resumo, poderíamos dizer que para Teresa é uma opção profunda de fé, uma imagem de Cristo crucificado e salvador e um projeto de libertação integral, entendida como serviço à Igreja. Tudo isso vivido num ambiente de recreação, silêncio e equilíbrio pessoal. Com os olhos sempre fixos em não perder a radicalidade da doação e a experiência da novidade:
“Vejo que pus a perder aquilo que eles fizeram e que de modo algum posso queixar-me de Vós. Nem é direito que alguma se queixe; antes, se vir que sua Ordem está decaindo em algum ponto, que procure ser uma pedra apta a fazer o edifício erguer-se outra vez, pois para isso o Senhor dará ajuda” (F 4,7).

c) ...para Deus conceder grandes favores a quem O serve deveras qualquer tempo é tempo. Procurem ver se há algum defeito nisso e o corrijam (F 4,5)

Fundações é um texto privilegiado para observar a presença da Providência Divina na história do homem e a experiência que dela tem a Santa. Já desde o próprio prólogo (3) aparece esta realidade como o objetivo procurado. O Senhor vai solucionando os diversos problemas que surgem em cada fundação. Consegue a casa em Medina del Campo (F 3,32-4), protege as monjas diante dos touros (F 3,7), confirma-lhe que deve fundar em Malagón apesar de ser lugar pequeno e bem isolado (F 9,5), obriga-a a pôr-se a caminho nas últimas fundações.
Por isso constitui um retalho da história pessoal de salvação de Teresa, que se apresenta no estilo das grandes figuras bíblicas como a pessoa que se põe à frente do povo para guiá-lo até a terra que Deus lhe tinha prometido. E do mesmo modo que os livros do Antigo Testamento apresentam uma estrutura que visa realçar a presença de Deus, aqui também nos encontramos com esta estrutura centrada no dramaticismo da batalha que se dá na alma e no mundo entre Deus e o maligno. Assinalemos, como exemplo, a noite passada em Salamanca. Momento em que os temores humanos são sinal de tentação e motivo para mostrar a confiança depositada em Deus (F 19,3-5).

Numa época em que se nega a presença e a humanidade de Cristo, ela vai responder com a vivência de Cristo esposo e com a tomada de posse de todas as suas fundações pelo Santíssimo Sacramento (F 3,9). Diante da tentação de abandonar aquela Igreja pecadora, sente-se indiscutível filha dessa Igreja, nestes tempos em que são necessários amigos fortes de Deus (V 15,5) e há sempre grandes testemunhas sobre as quais dar informação para que sejam luz diante do mundo (F 28,5). São as tropas de Deus, formadas por pessoas simples e humildes, que acrescentaram com sua fraqueza o protagonismo de Deus e atuarão como sinal profético, de denúncia diante dos males de sua época e de busca da Vontade de Deus.
Teresa capitaneará uma forte atividade missionária e uma constante atividade evangelizadora diante do movimento reformador. Vai levá-lo adiante participando vivamente de sua realidade eclesial, tomando partido dos espirituais, porém sem deixar de lado os letrados. Incluindo seu ideal de vida e de oração dentro do movimento da “Devotio Moderna”. Democratizando e universalizando a oração como caminho de santidade.

Inaugura um novo estilo de vida, que quer servir a Igreja, inserindo-se na sociedade, como elemento contestador das tradições aprendidas na Encarnação. Diante dos mosteiros com muitas monjas, prefere mosteiros com poucas, ao estilo do colégio de Cristo. Diante do tema da honra, agita a bandeira da igualdade evangélica; diante dos privilégios das monjas ricas , faz a opção pelas pobres como o mostram a fundação de São José e todos os outros mosteiros (sejam com renda ou sem); diante da degradação que supõe o trabalho manual, opta conscientemente pelo trabalho manual para que suas monjas possam ser livres em suas decisões e permaneçam sempre afastadas das tentações e das escravidões que provinham do querer contentar os benfeitores. Ademais, diante das guerras de religião, ela defenderá a necessidade de uma resposta pacífica: suas fundações (CV 3,1).

A história é para Teresa de Jesus o lugar privilegiado para ler os sinais dos tempos e harmonizar a própria vontade com a de Deus. Em clara projeção escatológica. Disso decorre que a leitura da história e a compreensão da vida têm necessidade do discernimento. É o que vai fazer Teresa após a visão do inferno. Por isso Fundações nada mais é do que uma grande pergunta ou uma relação apresentada perante os que podem reconhecer esta obra como eclesial.

Fundações é uma leitura da vida encaixada entre a percepção do Transcendente e a consciência de ser limitado, característica onipresente na história do homem. Fundações é a experiência do Amor de Deus vivido na tensão escatológica do já mas ainda não.

5. Fundações a grande epopéia do familiar

O livro das Fundações narra as vicissitudes por onde passou sua reforma. Emprega na narração um estilo descritivo, vivo e pormenorizado. Descreve de forma individualizada cada fundação, com excetuando a de São José que aparece no livro da Vida

Tem importância enquanto é a história da reforma vista com os olhos de Teresa. É portanto história subjetiva e documento de primeira mão. É a historia de sua constante conversão. Em cada fundação coloca toda a sua vida e nela vê sintetizado o caminho para a salvação. Uma salvação que fica sempre comprometida pela presença do maligno e pelos obstáculos que coloca por meio do mundo para que não possa brilhas a obra de Deus.

Do que não podemos duvidar, após quanto dito até agora, é da dimensão “limitada” da história narrada em Fundações. Teresa não quer ser cronista social. Silencia a maior parte dos acontecimentos importantes acontecidos durante a sua vida. É uma história doméstica, onde o cotidiano é elevado à epopéia.


GUIA PASTORAL

Em fevereiro de 1567 chegava a Ávila o geral dos carmelitas, frei João Batista Rossi (Rubeo). Teresa procura que ele vá a São José para que possa prestar-lhe contas de sua vida e de sua recente fundação: “Ele alegrou-se por ver como vivíamos e por encontrar uma reprodução, ainda que imperfeita, dos princípios de nossa ordem... E com grandes desejos de a ver progredir nesse princípio, o Geral deu-me amplas patentes para novos mosteiros” (F 2,3). Passado algum tempo, e ao considerar a necessidade de que houvesse frades da mesma Regra, a Madre escreve uma carta ao Geral que “me concedeu licença para fundar dois mosteiros, mostrando assim com que grande vigor desejava o maior fervor da Ordem” (F 2,5).


Assim começa a aventura fundacional: Ávila (V. 32), Madina del Campo (F 3), Malagón (F9), Valladolid (F 10), Duruello (F 13-14), Toledo (F 15), Pastrana (F 17), Salamanca (F.18), Alba de Tormes (F.20), Segóvia (F 21), Beas (F.22), Sevilha (F.23, Caravaca (organizada, não realizada por Teresa, F 27), Villanueva de la Jara (F 28), Palência (F 29), Soria (F 30), Granada (realizada por Ana de Jesus) e Burgos (F 31). É esse o itinerário que vamos percorrer acompanhando a mão de Teresa de Jesus.

No roteiro pastoral deste ano optamos por uma leitura transversal e integradora, privilegiando os grandes temas teresianos: 1) A virtude da obediência, que a leva a escrever Fundações. 2) O desejo e o empenho missionário na salvação das almas, raiz e motor de sua obra. 3) A pobreza das primeiras comunidades. 4) O discernimento da oração e da vocação. 5) A importância da memória de nossas origens e o compromisso de sermos alicerces dos que hão de vir. 6). Algumas biografias modelares para a memória coletiva. 7) A obra providencial de Deus que inicia e acompanha cada fundação e, finalmente, 8) a perspectiva escatológica: o compromisso da esperança em tensão de vida eterna. Embora os textos-títulos sigam a ordem de Fundações, a leitura é transversal, procuram remeter a diversos capítulos em que aprece a mesma temática. O esquema é o seguido nos roteiros anteriores: introdução ao tema, contexto em que aparece o texto escolhido, chaves de leitura e algumas idéias para a celebração comunitária dos textos teresianos.

I) “A experiência mostrou-me... o grande bem que faz à alma não afastar-se da obediência” (Prólogo 1).

A obediência é uma virtude da qual Teresa se confessa “muito devota” (1,3; 18,13) . Cultivou durante toda a sua vida e inculcou-a em suas filhas. A obediência é mediação divina, estímulo e critério de discernimento, fortaleza e segurança, disposição à união e “caminho do céu”.

A. CONTEXTO
Cristo pediu a Teresa “que escrevesse a fundação destas casas” (CC 6,2: 09.02.1570). Vai concretizá-lo três anos mais tarde obedecendo ao mandato do confessor (Pról., 2; Carta 125,5 a Jerônimo Graciano, 05.10.1576). Começa assim a relatar a obra de Deus nas fundações das descalças e descalços a serviço da Igreja, com o propósito de tratar também algumas questões de oração.

B. CHAVES DE LEITURA
1. Raiz: obediência por amor, desejo de contentar (5,4-6.10;6,22).
2. Meta: união com Deus ou suma perfeição (5,10-11.13).
3. Modelo: Cristo na sua encarnação e paixão (5,3.17).
4. O caminho da obediência e suas mediações: confessor, prioresa, superiores (5,12);
5. Frutos: segurança, senhorio, paz, fortaleza, liberdade, humildade, vontade posta na razão, etc. (Pról. 1-2; 4,2; 5,7.11-13).
6. Obediência e oração: 5-8.

C. CELEBRAÇÃO
Catequese partindo da fundamentação bíblica da obediência de Cristo e um elenco de bens que nascem do exercício desta virtude (Pról. 1; c.5).
Debate: como vivemos hoje a obediência? Quais as dificuldades que encontramos para reconhecer e aceitar as mediações da vontade de Deus?


II) “Clamava por nosso Senhor, suplicando-lhe que me desse recursos para poder ganhar alguma alma para o seu serviço” (1,7).

O desejo impetuoso de salvação das almas e o aproveitamento do próximo transformam-se em compromisso real e concreto de Teresa com a história, a sociedade e a Igreja de seu tempo. Deus conduz à plenitude os desejos que inspira; inicia-se o empreendimento fundacional.

A. CONTEXTO
Em São José de Ávila Teresa recebe a visita de frei Alonso Maldonado, missionário nas ‘Índias’. Ao escutar o relato do franciscano avivam-se seus anseios do bem das almas. Deus escuta sua oração: “Espere um pouco, filha, e verás grandes coisas” (1,8).

B. CHAVES DE LEITURA
1. O dinamismo do desejo na vida espiritual ao serviço da Igreja: “Esses não descansam quando percebem poder contribuir um pouco para que uma única alma se beneficie e ame mais a Deus” (5,5;1,6;2,3.4; 28,15; 29,3), coisa “que ele aprecia mais do que todos os serviços que lhe podemos prestar” (1,7; 14,8).
2. Providência divina e confiança nas dificuldades: “Não me faltavam o ânimo nem a esperança, porque, tendo dado alguma coisa, o Senhor também daria outra. Como tudo já me parece possível, comecei a agir” (2,6). “Sua Majestade não deixa de favorecer os verdadeiros desejos para que se realizem” (28,23).

C. CELEBRAÇÃO
Mesa redonda: sinais dos tempos e fidelidade criativa do carisma teresiano. A esperança teologal abraça as esperanças terrenas, compromete-se com realizações concretas, mesmo que a realidade seja adversa ou oponha resistência: “quem mais conhece a Deus, mais fácil tornam-se-lhe suas obras” (3,5) .
Celebração penitencial: a colaboração humana na obra de Deus. Texto guia: “Como, Senhor meu, não é por vossa culpa que não fazemos grandes coisas, nós que Vos amamos, mas pela nossa própria covardia e pusilanimidade!” (2,7; 28,18-19.43; 29,3).


III) “Eu tinha a profunda convicção de que Deus não faltaria a pessoas cujo único desejo era agradá-lo” (1,2).

A pobreza é um dos pilares da reforma teresiana. Incisiva e radical na primeira fundação (V.35,2-6; 36,6.19-30), moderada ao passar do tempo e diante novas circunstâncias: pobreza absoluta em grandes e abastadas povoações e com renda fixa em lugares pequenos e com recursos escassos: “sempre prefiro que os mosteiros sejam u totalmente pobres ou dotados de recursos suficientes para que as monjas não importunem a ninguém para obter o que for necessário” (F 9,3; 24,17).

A. CONTEXTO
Pano de fundo: sua experiência na Encarnação e a pobreza como retorno às origens, testemunho de toda a renovação da Igreja. Teresa evoca o ideal de pobreza vivido em São José de Ávila, a confiança em Deus, a generosidade e solidariedade de cada irmão para com as outras. A exemplaridade das primeiras comunidades é o paradigma que deseja que perdure na memória coletiva.

B. CHAVES DE LEITURA
1. Discernimento e opção de retorno às origens: Vida 35-36. Consignações para as novas comunidades: Caminho 2.
2. Confiança na providência: F 20,13; 27,13-14; 31,50.
3. Ideal vivido pelas primeiras comunidades de frades (F 14,4-5) e monjas descalças (15,13-15).

C. CELEBRAÇÃO
Exame de consciência: partindo das disposições teologais diante da pobreza evangélica e seus frutos: desejo de pobreza, desapego e confiança, senhoria, fartura e tranqüilidade. (cf. 15,15).
Desafio, compromisso e profecia: como viver hoje a pobreza evangélica em nossas famílias, grupos, comunidades, à luz dos textos citados e diante dos desafios da realidade histórica-social-cultural que nos cabe viver (cf. web: Ficha I Caminho, pp.3-4).


IV) “Era para mim um grandíssimo consolo ver mais uma igreja onde esteja o Santíssimo Sacramento” (3,10).

A Santa alegra-se com cada fundação, consciente de ter edificado mais uma igreja centrada na presença eucarística e no ministério da oração (18,5;29,27). Esta comunidade possui um estilo próprio de vida evangélica. Deverá discernir bem cada vocação.

A. CONTEXTO
Fundação de Medina del Campo. Celebrar a primeira missa e instalar o Santíssimo Sacramento como centro da comunidade era para Teresa o ato litúrgico fundamental para a fundação canônica de um mosteiro. Sua devoção e preocupação com o Santíssimo alude aqui expressamente ao conflito luterano.

B. CHAVES DE LEITURA
1. A vocação à oração requer discernimento, porém não se deve temer de “percorrer este caminho” (4,2-4).
2. A imaginação e a melancolia, inimigas da interioridade (c.7).
3. Substância da perfeita oração: “amar muito” (5,2), “decidindo-se a agir e a sofrer e fazê-lo sempre que a ocasião se apresentar” (5,3); “em meio às ocasiões e não nos recantos” (5,15-16).
4. Vocação à solidão e à intimidade com Ele: “este grande consolo em vermo-nos a sós” (31,46).
5. Conselhos às prioresas (18,6; 19,1). Levar as irmãs pelo caminho da Regra e das Constituições com caridade, suavidade na mortificação, louvando e exercitando as virtudes (8,9, “ajudando cada uma, conforme o talento que Deus lhes dá de entendimento e de espírito” (18,8).

C. CELEBRAÇÃO
Oração diante do Santíssimo. Texto motivador: Humildade de Cristo na Eucaristia (3,13); “tão grande bem para a cristandade... estar presente Jesus Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro Homem” (18,5), no centro de nossa comunidade e de nossa vida.
Compartilhar o texto bíblico da samaritana: a água viva e a alegria “de estar com Ele” (31,46).


V) “Devem ter sempre presente que são fundamentos dos que estão por vir” (4,6).

Teresa relata as grandezas que Deus opera nas primeiras vocações de seus Carmelos. Quem as suceder devem recordar estes princípios, imitar seu exemplo e entender que não é somente coisa dada aos antigos. Cada carmelita é pedra e alicerce dos que estão por vir, e que “para Deus conceder grandes favores a quem o serve deveras qualquer tempo é tempo” (4,5).

A. CONTEXTO
Após referir a fundação de Medina, a Santa conclui o relato apresentando a situação ideal da comunidade, do modo dos Atos dos Apóstolos. “As monjas iam adquirindo crédito junto do povo que tomava por elas muita afeição [...] pois cada uma só se dedicava a ver como servir mais e mais nosso Senhor” (3,18; 14,8). Diversos testemunhos sucedem-se nas páginas de Fundações: exemplaridade e reclamo à fidelidade para as gerações futuras.

B. CHAVES DE LEITURA
1. Recordar-se das origens: “fixe sempre o olhar na estirpe de que descendemos” (29,33;4,5-7;9,1;14,4-5).
2. Viver com fidelidade o presente: “agora começamos, e procuremos começar sempre de bem a melhor” (29,32; 16,2; 20,15; 28,50.
3. Edificar o futuro: “cada uma que vier faça de conta que nela recomeça a Regra Primitiva da Ordem da Virgem Nossa Senhora” (27,11).

C. CELEBRAÇÃO
Interpelação, discernimento e debate: como nos vemos (comunidade, grupo) e como nos vêem os de fora à luz destes textos teresianos; quais as virtudes que Teresa considera nos inícios e o que queremos traduzir e transmitir hoje.
Jornada de retiro: textos-guia: “levar adiante tão bons princípios...” (20,15); “Sua majestade gosta de levar adiante Suas obras, desde que não sejamos empecilho” (27,11; 29,33).


VI) “Entraram mais algumas, parecendo que o Senhor escolhia as que convinham para alicerces de semelhante edificação...” (9,1).

Ao longo das crônicas das fundações emergem, amenizando e enriquecendo os dados históricos, alguns perfis biográficos-espirituais com a clara intenção pedagógica e exemplificante. Chamada vocacional, virtudes, padecimentos, fatos edificantes, graça transbordante de Deus com cada alma eleita se colocam à luz “para que se esforcem em imitar as que procedem com certa tibieza, e para que todas nós louvemos o Senhor, que assim faz resplandecer sua grandeza e algumas fracas mulherzinhas” (12,10).

A. CONTEXTO
Na galeria das personagens selecionadas tocamos as fundações de Valladolid, Duruelo, Toledo, Beas, Sevilha, e Villanueva de la Jara. Caberá ao animador do encontro selecionar os dados essenciais que enquadrem a biografia espiritual na fundação correspondente.

B. CHAVES DE LEITURA
Sugerimos à continuação uma perspectiva de leitura de cada relato biográfico, reconhecendo que são muitas as possibilidades de leitura. Tantas quantas são as virtudes, ponderações e lições ou conselhos que haure Teresa de cada uma delas.
1. Cassilda de Padilla: vocação e oposição familiar (10,8-16; 11).
2. Beatriz da Encarnação: virtudes e morte exemplar (F 12).
3. São João da Cruz e Antônio de Jesus: mesmo ‘estilo de proceder’ (F 13); ‘o espírito que o Senhor colocara ali’ (F14).
4. Diversas monjas: pobreza, mortificação e obediência (F 16).
5. Catarina Godínez: conversão, fé e esperança na promessa de Deus (F 22).
6. Graciano e João de Jesus: qualidades humanas, piedade mariana e desejo do bem das almas (F 23).
7. Beatriz da Mãe de Deus: dificuldades familiares e provações interiores (26,3 e ss).
8. Catarina de Cardona: solidão e abnegação evangélica(28,21 e ss; cf. CC 20).

C. CELEBRAÇÃO
Partilha vocacional: “quando Senhor quer para si uma alma, as criaturas têm pouca força para estorvá-Lo” (10,8). Catequese: o chamado de Deus ao Carmelo Teresiano.



VII) “Tudo quanto acontece nessas fundações não se deve a à ação de nós, criaturas, mas foi determinado pelo Senhor... somente sua Majestade poderia levar essa obra às alturas onde ora se encontra” (13,7).

‘Teresa testifica o poderio e a misericórdia de Deus no meio do trabalho e das contradições de cada fundação: “Essas casas não foram fundadas por homens, mas pela mão poderosa de Deus” (27,11). Sua leitura teologal da história está impregnada da presença divina; nada escapa da providência de Deus.

A. CONTEXTO
Estamos no começo de Duruelo. Sem casa e sem licença dos provinciais, Teresa nada mais faz do que encomendar-se a Deus: “Quis Nosso Senhor conceder-me, depois do principal, isto é, frades que começassem tudo o mais... Quantas coisas que me pareciam impossíveis vi nessas coisas e com que facilidade Sua Majestade as sanou” (13,1.7).

B. CHAVES DE LEITURA
1. Etapas que se podem encontrar em cada fundação: a) Teresa recebe o convite para fundar; b) Discerne a oportunidade, o lugar e o sustento da futura comunidade; c) Procura logo as licenças eclesiásticas e civis, uma casa para alugar e um grupo fundador; d) Viagem e chegada (geralmente noturna); e) arrumação do lugar e celebração da missa na primeira hora do dia; f) Procura da casa definitiva e transferência posterior. Inauguração solene com o Santíssimo Sacramento; g) Imposição da clausura e inicio do novo estilo de vida comunitária e da oração litúrgica.
2. A obra de Deus: cada fundação é “coisa dEle” (27,11-12.16; 28,18; 29,5-6.24). Ele coloca os meios, Ele quer cada fundação, se faz presente, aplaina os caminhos, transforma as dificuldades em possibilidades (31,4.11.16.26. 32.50). Nos grandes trabalhos do caminho e doenças proporciona forças (18,4; 24,6; 25,8; 2717-18; 29,3). Deus concede sempre os trabalhos com piedade (24,11); não desampara “quem deseja servi-Lo” (27,20).

C. CELEBRAÇÃO
Exame e debate sobre os textos: como é a nossa leitura da história, dos acontecimentos, das dificuldades que nos cabe viver?


VIII) “Minhas filhas, esforcemo-nos por ser verdadeiras carmelitas, que logo terminará a jornada” (16,5).

Compromisso com a história e esperança de vida eterna se uniram harmoniosamente na vida de Teresa. Tudo o que diz é “para animar-nos a enfrentar com força desfiladeiros tão difíceis quanto os desta vida, mas não para acovardar-nos em seguir. Porque, afinal, marchando com humildade, mediante a misericórdia de Deus haveremos de chegar a Jerusalém, cidade onde tudo aquilo que sofremos vai parecer-nos pouco, e até nada, comparado com o júbilo que nos será propiciado” (4,4).

A. CONTEXTO LITERÁRIO.
Encontramo-nos novamente diante de um conjunto de eventos edificantes acontecidos no mosteiro de Toledo. Um deles é o gozo e a naturalidade que assume a morte de uma irmã da comunidade. A visão que Teresa tem de Cristo amparando, amparando esta irmã moribunda, constitui-se em promessa para todas as gerações de carmelitas. Um estímulo ao compromisso de entrega e fidelidade no breve jornada da vida.

B. CHAVES DE LEITURA
1. Morte, juízo, céu e inferno não se perdem nunca de vista no horizonte teresiano. Tudo é para melhor servir e amar, imitando o Senhor e recordando que não temos aqui nossa morada (14,5): “Eu vos peço, pelo amor de Nosso Senhor, que vos recordeis de quão cedo tudo acaba... Pouca vai durar a batalha, minhas irmãs, e o fim é eterno” (29,33; 12,1; 27,12; 28,36).
2. Os acontecimentos, as mediações, as decisões existenciais, tudo contribui para tecer o nosso destino eterno. Nesta chave podem ler-se os conselhos de Teresa aos pais de família (10,9; 11,2; 20,3); a virtude da obediência (Pról. 1; 5,5); a censura às considerações sobre a linhagem (15,15-16).

C. CELEBRAÇÃO
Debate: Como reler e interpretar hoje teologicamente os acontecimentos relatados em 6,18-21 ou em 10,1-5?
Revisão de vida: Quanto temos presente ou quanto cultivamos o desejo do céu, a necessidade de purificação ou ‘transfiguração’ interior, a ‘naturalidade’ diante da morte? (16,4; 27,12.

CONCLUSÃO

Em Vida, Teresa brindou-nos seu itinerário pessoal de graça e sua resposta ao chamado de Deus com a fundação do primeiro Carmelo. Em Caminho, confiou-nos o ideal do novo grupo dentro da Igreja, todo um manual de vida e oração teresiana. Em Fundações, a crônica de uma aventura e resposta coletiva: mulheres orantes na Igreja nas quais Deus opera suas maravilhas.

Como vimos, a crônica das fundações não é uma crônica comum. Teresa não se ateve simplesmente a ordenar um conjunto de dados objetivos. História, pedagogia, mistagogia, entrelaçam-se harmoniosamente visando transmitir-nos, com o amor, o calor e o frescor da lembrança, a vida nascente de seus Carmelos. Fatos, lugares, nomes proporcionam ao relato realismo histórico. Porém Teresa também aconselha, ora, previne, pondera virtudes e situações, louva a Deus, testifica sua grandeza e misericórdia em umas pobres mulherzinhas sem recursos, porém comprometidas, ‘sem panos quentes’ com o mundo e com a Igreja.

Dizíamos no início que privilegiamos uma leitura transversal. A intenção era recolher essa ‘leitura teológica’ da história que vê acontecer em seus Carmelos e que a Madre oferece como exemplo às futuras gerações. Quisemos “passa pelo coração’ todas as ocasiões, lugares, pessoas e virtudes que assinalou como alicerce sólido e eterno. São nossas ‘raízes’, sempre renascidas e enraizadas na terra do Carmelo pela vida, o amor e a fidelidade ao carisma teresiano dos que hoje lhes sucedemos.

Que possamos testificar e repetir com as mesmas palavras de Teresa de Jesus: no que recebemos de ‘nossos pais antigos’, no que somos hoje e no que hoje fazemos, “olhai a mão de Deus”, que “seja qual for a maneira como queirais ver, tendes de reconhecer que é obra Sua. Não há razão para que a diminuíssemos, mesmo que nos custasse a vida, a honra e o descanso” (27,12).

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Santa Teresa de Jesus, a história continua...



POR TERRAS DE CASTELA

Quase todas as fundações realizadas por Santa Teresa, tanto em Castela como na Andaluzia, onde tinha receio de fundar mosteiros por diversas causas, como ela própria diz, ficaram assinaladas por algum acontecimento notável, digno de registo. Em Medina foi encontrar providencialmente a Santa Madre os dois homens que Deus destinava para pilares do edifício da Reforma da Ordem entre os frades: Frei António de Herédia, Prior do Carmo, e Frei João de S. Matias ou, por outro nome, S. João da Cruz. Foi justamente na vila de Medina que falou com eles pela primeira vez, ficando tudo combinado para o início do grande empreendimento, como se dirá no capítulo seguinte.


Em Malagón, terceira fundação da Madre Teresa, inaugurada no Domingo de Ramos de 1568, a pedido da sua dedicada amiga D. Luísa de Ia Cerda, aquela viúva fidalga que tinha ido consolar, há seis anos, em Toledo, deu-se um caso que não deve passar despercebido. Era, por via de regra, antes ou depois da Sagrada Comunhão que ouvia falas divinas ou tinha êxtases ou arroubamentos. Como ficasse lá uns dias e comungasse na capela do seu mosteiro, foi tão forte em certa ocasião o arroubamento do seu espírito, que ia levando consigo para cima o corpo da Madre... de tal maneira que o sacerdote mal podia chegar-lhe à boca a sagrada partícula. Então, com admiração de todos, esta foi, voando, pousar na língua de Santa Teresa. Escusado é dizer como ficaria embaraçada, pois não queria, na sua humildade, tornar-se reparada.

Na fundação do mosteiro de Valladolid, que ocupa o quarto lugar na ordem cronológica das fundações feitas pela Madre Teresa, foi também contemplada a Santa Reformadora com uma visão. À elevação da primeira Missa que se rezou (15 de Agosto de 1568), Santa Teresa viu subir ao Céu, como lhe tinha prometido Nosso Senhor quando andava a fazer os preparativos para esta fundação, a alma do fundador, D. Bernardino de Mendoza, irmão do Sr. Bispo de Ávila. Disse-lhe então Nosso Senhor que esta alma tinha estado em grande risco de se perder para sempre, mas que tinha tido pena dela por D. Bernardino lhe ter oferecido a sua própria casa para mosteiro da Ordem da Sua Mãe.A fundação em Toledo (1569) proporcionou ocasião a Santa Teresa e às duas companheiras que levou consigo, de praticarem grandes virtudes básicas na vida religiosa: a pobreza e a obediência. Apesar de terem sido hóspedes de D. Luísa de la Cerda, dama rica e fidalga, no seu palácio daquela cidade, a verdade é que foram tomar posse do seu convento e inaugurar a fundação na maior pobreza; só tinham duas enxergas e um cobertor, mais nada..., nem uns gravetos para assar uma sardinha..., no dizer da própria Santa Teresa. Foi Deus Quem assim o ordenou. A Santa Madre não costumava pedir, nem incomodar ninguém; esperava que Nosso Senhor enviasse o necessário para o sustento das Suas esposas.No que respeita à obediência, apenas um exemplo. Perguntando, um dia, a Prioresa a uma das Descalças de Toledo o que é que ela faria se a mandasse lançar-se no poço cheio de água que lá estava, mal tinha acabado de pronunciar estas palavras quando a boa da freira se atirou a ele, sendo necessário, como conta a Santa Reformadora, vestir-se de novo...Foi também nesta casa que a Santa Madre viu um dia Nosso Senhor à cabeceira duma freira moribunda – Petronila de Santo André, 1576 –, de braços abertos, amparando-a com toda a meiguice e ouviu ao mesmo tempo estas palavras: “Prometo-te assistir assim a todas as freiras que morrerem nestes mosteiros. Não tenhas receio de que sejam assaltadas de tentações à hora da morte”.Por ocasião da fundação na vila de Pastrana (1569), realizada a pedido da Princesa de Éboli, D. Ana de Mendoza, esposa do Príncipe Rui Gomes da Silva, oriundo de Portugal, grande favorito do Rei de Espanha, teve ensejo Santa Teresa de mostrar o seu carácter e a sua energia mais que de mulher:O caso passou-se assim: a Princesa, dotada de grande formosura, mas um tanto ou quanto inconstante e voluntariosa, começara a intrometer-se no governo do convento, tirando umas coisas e pondo outras a seu bel-prazer. A Santa Madre opôs-se tenazmente, considerando intangível e da sua exclusiva incumbência a vida das Descalças nos seus mosteiros.Continuando o abuso, teve a Madre Teresa de se impor, ameaçando os fundadores de suprimir a fundação e levar as suas freiras. O Príncipe, homem inteligente e probo, logo concordou com a Madre, pondo-se do seu lado e chegou a insistir muitas vezes, junto de sua mulher, para ela entrar também num acordo. Porém, não houve meio. A soberba Princesa teimava em impor seus caprichos e veleidades e intrometer-se naquilo que lhe não dizia respeito.O Carmelo de Pastrana já não era, nem podia ser, um asilo de paz. Nesta altura, 29 de Julho de 1573, morre o Príncipe Rui Gomes. Na sua grande mágoa só teria um único conforto, dizia a desconsolada Princesa: entrar no Carmelo, tomando ela também o hábito de descalça. Como prometia com lágrimas não tornar mais a preocupar-se com a vida regular do convento, os Superiores da Ordem e a Santa Madre anuíram ainda a esta sua veleidade. Porém, não tendo a inconstante Princesa cumprido o que prometera, Santa Teresa, que se não rendia a títulos nobiliárquicos, nem ao dinheiro nem a fidalguias, resolveu, com licença dos Superiores (nada fazia sem o conselho deles), suprimir o mosteiro de Pastrana e levar as suas freiras para Segóvia.Assim acabou esta fundação, digna de melhor sorte, mas a Santa Madre soube manter com energia inquebrantável os seus direitos e os das suas filhas pobres, muito pobrezinhas, mas fiéis à Regra e ao seu espírito.Foi este, no nosso entender, o primeiro encontro que teve a Madre Teresa com gente portuguesa na pessoa do ilustre Príncipe Rui Gomes da Silva, em Maio de 1569 e parece-nos que não foi de todo desagradável, porque a Santa Madre e Rui Gomes logo se entenderam, quando esta lhe explicou a natureza e finalidade dos Carmelos que fundara. Se o Príncipe tivesse sobrevivido à Princesa, ainda hoje estaria de pé a fundação do mosteiro de Pastrana, como se conservam todas as outras fundações realizadas por Santa Teresa. Haja em vista o rasgado elogio que a Santa Reformadora tece a este ilustre fidalgo português, que soube insinuar-se no ânimo do Monarca Espanhol.Outro contacto com portugueses teve Santa Teresa por este tempo, mais ou menos, ao tratar com D. Leonor Mascarenhas, dama portuguesa favorita da Imperatriz D. Isabel, esposa de Carlos V, residente em Madrid.Chegara ao conhecimento desta piedosa senhora a fama de santidade e prudência que aureolava já a figura da Madre Teresa e, como o convento de freiras Carmelitas chamadas da “Imagem”, fundado com o seu apoio em Alcalá de Henares pela Ven. Maria de Jesus, não progredia, por certos extremos de austeridade e penitência estabelecidos pela fundadora, mulher de grandes virtudes mas nada exímia na arte de governar, pediu a Santa Teresa para ir lá pôr as coisas no seu lugar, estabelecendo a vida religiosa em alicerces sólidos.A Santa Madre, ansiosa da glória de Deus e da perfeição das almas, chegou a ir a Alcalá para se tornar agradável a D. Leonor Mascarenhas. Foi nesta ocasião que a Madre Teresa passou por Madrid (tantas vezes havia de passar lá no decorrer das suas fundações!) onde era esperada com viva curiosidade por senhoras madrilenas da melhor sociedade. Tantas maravilhas tinham ouvido contar!Por fim, um belo dia, lá lhes apareceu a ilustre freira Carmelita. Cumprimentou-as com finas e delicadas maneiras ao descer da carruagem:– Oh! que lindas ruas tem Madrid, disse a Santa.E ficou assim tudo conquistado e rendido a seus pés, tendo-lhe as senhoras feito grande festa, encantadas com o seu porte, trato e conversação lhana e franca. À noite, foi pousar no mosteiro das Franciscanas fundado por esta piedosa dama portuguesa.Não se sabe ao certo quanto tempo se demorou Santa Teresa no convento das Carmelitas de Alcalá, mas o certo é que, com tino e prudência, conseguiu reorganizar a vida conventual a contento de todos.A fundação do convento das Descalças em Salamanca ficou assinalada, não só pela engraçada expulsão dos estudantes universitários do velho casarão dos Gonzaliañez pela Madre Teresa que queria fundar aí o seu convento, ao cair da tarde do dia de Todos os Santos (1 de Novembro de 1510), quando os sinos de todas as igrejas e capelas da cidade dobravam a finados, mas também com três milagres operados pela própria Madre Teresa.Depois de fazer a limpeza naquele velho e desmantelado casarão e de aprontar os preparos para se rezar a primeira Missa, a Reformadora e sua companheira, Maria do Sacramento, deitaram-se sobre palhas e uns sarmentos secos. Esta monja, incapaz de pegar no sono, passeava a vista por toda a parte. Os sinos continuavam a dobrar a finados e ouvia-se o sibilar do vento.– Para onde é que olha? – diz-lhe a Madre. Então não vê as portas e as janelas fechadas? Não vê que ninguém pode entrar?– Madre – acode ela – dominada como estou pelo medo aos mortos, queria saber o que é que faria vossa mercê se eu morresse aqui, neste instante, ficando sozinha, dentro deste casarão em ruínas, onde pode estar ainda escondido algum estudante.A Madre, sempre e a toda a hora senhora de si e dos seus nervos, solta uma risada e responde-lhe assim:– Oh! filha, agora deixe-me dormir sossegada e tranquila; quando isso acontecer, pensarei bem o que hei-de fazer.Esta resposta põe em evidência o que era o espírito superior de Santa Teresa.Reza a tradição que, trabalhando uns operários no telhado deste convento de Salamanca, caíra um tijolo, matando instantaneamente uma criança de poucos anos. Penalizada, a Santa Madre pegou na criança morta, apertou-a fortemente contra o seio, levantou os olhos para o Céu em atitude de quem ora, e a criança voltou à vida. E, assim, entregou-a viva a seus pais.Foi também nesta cidade salmantina que a Reformadora restituiu a saúde a duas moribundas. D. Maria de Arteaga, moradora no palácio dos Condes de Monterrey, estava quase às portas da morte. A pedido dos condes, foi visitá-la a Santa Madre. Movida de compaixão, pôs as mãos sobre a cabeça da enferma que subitamente sarou...Quem é que me toca, perguntou a doente, que já me sinto bem?Santa Teresa recomendou-lhe por amor de Deus que se calasse, mas logo se espalhou o milagre.Passados poucos dias deu-se o mesmo caso com uma filha dos Condes de Monterrey.E não admira que Santa Teresa operasse tais milagres. Nesta altura da sua vida – andava por volta dos seus 55 anos (1570) –, só vivia para Deus, fazendo-Lhe a vontade em todas as coisas e zelando pela Sua honra, designadamente desde que Deus lhe mandou um serafim transverberar o seu coração. É justo e razoável que Deus, por sua vez, lhe faça a vontade a ela, quando a Santa Madre insiste “O meu Amado para mim e eu para o meu Amado”.No ano seguinte, 1571, estando ainda a Santa Madre em Salamanca, o Visitador Apostólico dos Carmelitas Descalços, P. Frei Pedro Fernandes, nomeado por Bula de Pio V em 20 de Agosto de 1569, manda-a, na qualidade de Prioresa, ao mosteiro da Encarnação de Ávila.O mundo com as suas vaidades havia entrado demasiadamente neste mosteiro e as monjas, por sua vez, tratavam de mais com o mundo; daí a sua ruína espiritual e material. Até o pão de cada dia lhes chegou a faltar.Só a Madre Teresa, pensou o Visitador, com o seu tino invulgar e prudência, seria capaz de levantar este célebre mosteiro. Mas havia de se contar com a oposição à Madre Teresa, que não seria pequena. Por isso julgou conveniente o Provincial, P. Alonso González, apresentar ele próprio a nova Superiora à Comunidade.Reunidas as freiras na sala do Capítulo, o Provincial procedeu à leitura da patente em que o Visitador Apostólico nomeava a Madre Teresa de Jesus Superiora daquele convento. As últimas palavras do Superior foram abafadas por murmúrios e vozes de protesto das freiras, cujo número era superior a cem. É que as Carmelitas Calçadas da Encarnação receavam que a Madre Teresa as fosse governar como se elas fossem Descalças. Santa Teresa aguentara todo aquele temporal de insultos, em silêncio, de pé, junto à cadeira do Provincial.Serenada a tormenta, perguntou o Superior às religiosas:– Então V. Rev.as não querem a Madre Teresa?Silêncio absoluto na sala capitular.– Sim, queremo-la, diz em voz alta D. Catarina de Castro, e até somos amigas dela.Estas palavras que Deus pôs na boca daquela religiosa, decidiram a questão a favor da Madre Teresa, que ficou reconhecida como Superiora da comunidade. No dia seguinte, Santa Teresa manda tocar a sineta e chama as freiras a capítulo a fim de tomar posse do cargo.Entre as freiras há grande expectativa. A nova Superiora vai fazer a sua primeira conferência à comunidade. É tudo ouvidos. O silêncio é absoluto no capítulo.
– Minhas senhoras, madres e irmãs – começa por dizer a Madre Teresa com a sua voz melíflua – quis Deus Nosso Senhor, nos Seus altos juízos, que eu fosse escolhida para Superiora deste mosteiro, cargo que venho hoje assumir por obediência. Só venho aqui para vos servir e consolar, tanto quanto eu puder. Filha sou desta casa e irmã de Vossas Rev.as. Não receeis o meu governo, porque, se é verdade que eu tenho vivido e governado entre Descalças, também sei muito bem como devem governar-se as que não o são.
Isto foi o bastante para tudo se render. Triunfara a Madre Teresa na Encarnação. A partir desse dia, as religiosas daquele convento só verão nela uma mãe solícita e meiga, que tudo faz para as conquistar todas para Deus. Volvidos alguns meses, passou a ser aquela comunidade, sob o governo da Madre Teresa e a direcção de S. João da Cruz, carmelita descalço, homem celestial e divino, no dizer da própria Santa, que ela pedira aos Superiores para confessor, modelo de observância regular e espelho de perfeição religiosa.
*
Concluída a fundação do mosteiro de Salamanca, passou a Santa Madre Teresa, a pedido dos Duques de Alba, à vila de Alba de Tormes (1571), que havia de ser seu sepulcro glorioso e relicário do seu coração transverberado. E volvidos mais três anos (1574) que ela viveu a governar o mosteiro das Calçadas da Encarnação em Ávila, meteu ombros à fundação do convento das Descalças de Segóvia.O mesmo rigor de observância regular, a mesma clausura, a mesma austeridade e penitência estabelecidos no mosteiro de S. José de Ávila, foram implantados também por Santa Teresa em Malagón, Valladolid, Toledo, Pastrana, Salamanca, Alba de Tormes e Segóvia, para as suas filhas se entregarem à contemplação das coisas do Céu.Apesar de andar quase sempre doente, com uma contínua dor de cabeça, resíduos da enfermidade de outrora e em frequentes viagens, Santa. Teresa fazia penitência, muita penitência; vivia mesmo, como diz um dos seus biógrafos, “martirizada de penitências”; e não fazia mais porque os confessores lhe atavam as mãos.Nunca se deitava antes da meia-noite, gastando o tempo a orar, a escrever cartas para governar os seus conventos, e a redigir, ao correr da pena, as páginas preciosas dos seus livros.
Superiora dos conventos, valia-se muita vez da sua autoridade para comer os sobejos do jantar. Sempre algoz de si mesma, era, todavia, mãe carinhosa e meiga das suas filhas.

[Jaime Gil Diez, Santa Teresa, Edições Carmelo]