quarta-feira, 13 de abril de 2011

Ficha de Trabalho: Caminho 22-23

Ficha de Trabalho: Caminho 22-23

ImageCaminho 22-25: “Começa a tratar da oração” II.
Convicção fundamental: a oração é sobretudo relação pessoal.

Pistas de leitura.

Depois de começar a tratar de oração pelas atitudes fundamentais, centra-se agora na convicção básica: a oração é sempre e sobretudo relação pessoal (“tratar de amizade”: V 8, 5); portanto, não é lógico pôr em confronto os diferentes tipos de oração, como faziam os “letrados”, mas sim que os diferente tipos ou métodos hão-de tender a essa mesma relação e podem inclusive complementar-se para isso.

- Que tipos de oração nomeia e define, pelo menos brevemente, nestes capítulos?
- Que relação existe entre eles? Em qual se centra, porquê e quais as suas exigências fundamentais?


Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar…

1. “Não é razão que, por Ele ser bom, sejamos nós descomedidos” (22,4): revê, agradece…

2. “Porque, cá nesta terra, não se têm em conta as pessoas para lhes dar honras, por muito que as mereçam, mas sim suas fazendas…” (22, 4-5): de novo, revê, intercede, agradece…

3.Ao mesmo tempo que a Santa insiste na convicção fundamental , também reitera e concretiza aquela determinação-chave, segundo os capítulos anteriores: além do propósito firme de perseverar no caminho da oração (cap. 23, título), tem de se ser fiel a um tempo concreto e autenticamente dedicado a ela (23, 2). Portanto, revê…sem perder de vista, evidentemente, o parágrafo 23, 3).

4. A propósito dessa necessária determinação, insiste em três razões interessantes a favor:
- Razão de amor (23,1-3): “a quem tanto nos tem dado e continuamente dá”, vamos tirar-lhe esse pouquinho tempo dedicado à oração?
- De estratégia defensiva ascética (23,4): o demónio não se atreve com os determinados, mas sim muito com os inconstantes.
- De eficácia psicológica (23,5-6): como quem sabe que a batalha é de vida ou morte, que luta sem pensar na rendição (5a). E aqui, melhor, pois já foi dito que há sempre prémio (5b), como garante o Evangelho (6).
- Tens ou conheces experiências que te confirmem estas razões, particularmente as duas últimas? …

5.Embora a oração vocal possa parecer a forma menos interiorizada e interiorizante da oração, há pessoas e situações para as quais ela é imprescindível: entendimentos desenfreados (19,2); pessoas atemorizadas pelo ambiente (24,1); situações de bloqueio (24,4-5); e aqueles que Deus quer (por ex., 18,3; 19,2). – Qual a tua opinião? Tens experiência de algum destes casos? Pudeste ajudar alguém de um modo similar? Revê, ora…

6. A esta altura do tema, certamente está mais claro que a oração é, antes de mais, atenção ao Outro, relação com Ele. Portanto, não se pode reduzir a repetir palavras mecanicamente; a isso contribui a soledade que a oração exige sempre (24,4): não só apartamento, mas sobretudo recolhimento, estar concentrados no Amigo: “Este tipo de soledade (.) será possível e exercitável em plena reza de grupo [também e especialmente na liturgia], na medida em que a atenção aos outros não interfira nem obnubile o primado da atenção a Ele”2. Reflecte, revê, ora…

7. Não obstante o anterior, há quem diz não poder rezar senão vocalmente, como desculpa para se poupar ao esforço, ao hábito de se recolher (24,6). Uma vez mais, revê, ora…

8. No cap. 25, a Santa Madre define claramente os três tipos de oração dos que tem vindo a tratar em todo este conjunto, e também a sua relação, a possibilidade de passar de um a outro: tens experiência de alguma coisa assim?…

Ficha de Trabalho: Caminho 19-21

Ficha de Trabalho: Caminho 19-21

ImageI. Atitudes fundamentais: desejo e “muito determinada determinação…”

Pistas de leitura.
“Começa a tratar da oração” (cap. 19 título)1:
- Algo excelente e muito desejável (19): a) excluindo desde o principio um certo tipo de oran-te e de oração e, em vez disso, centrando-se noutro: quais e por quê? b) Destacando três grandes propriedades daquela: reparar bem nelas.
- A ela estamos todos convidados e a todos devemos de arrastar (20): por quê e como.
- Mas, não obstante, requer uma “muito determinada determinação” (21), pois o caminho está cheio de “trabalho e contradição” (19,14): quais são aquela e estes?

Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar…
1. Revê cada uma das três grandes propriedades que a santa atribui à oração: tens experiência de alguma? Recorda, agradece…

2. Para aprofundar: “com que sede deseja ter esta sede!” (19,2); não há oração contemplativa de verdades a secas, mas a entrada na contemplação desperta e desvela o amor, os desejos, o sen-tido de Deus e a pulsação de infinito que late, adormecida, no espírito humano. A contemplação é um derivativo de todo o ser do orante, que se vai sentir convidado à presença de Deus e requerido de amor2.

3. Teresa alude nestas páginas ao muito que ajudaria para a oração “saber as propriedades das coisas” (19,3), ter conhecimentos científicos: que te parece? Aconteceu-te alguma vez?…

4. Há um sério perigo entre tanta riqueza: a indiscrição no desejo e as penitências… ocasiões em que será preciso que interceptar aquele (19,10.12) e “limitar o tempo de oração, por gostosa que seja” (19,13): conheces algo assim. Concordas? Revê, ora…

5.Entende-se bem porque o capítulo 19 não contradiz o 17? Cf. 20,1-3.

6. No cap. 20 a santa insiste reiteradamente no trato e linguagem que hão de ter aqueles que vão a caminho da fonte de água viva da contemplação. Aprender essa língua. Ensiná-la. Não equivocar-se passando a usar a que se fala no mundo3: este é o verdadeiro amor aos outros (4), a sua liberdade (5) e apostolado (6); cf. Ficha cap. 6-9, questões 4 e 7 e, si não se tratou então, faça-se agora.

7. “Há alguns espíritos tão engenhosos que nada os contenta” (21,3), apesar de que o melhor e mais simples é centrar a oração no Evangelho (cf. 21,4): pensa, revê, ora…

8.Achas que são actuais os medos com os quais se ameaçava os orantes (cf. sobre todo, embora não só, cap. 21)? Haverá alguma outra dimensão fundamental da vida cristã, além do exemplo da oração, sujeita a semelhantes pressões no nosso contexto actual?4

9. Sea respeito à oração o a outra dimensão fundamental da vida cristã, conheces experiências do “grande bem” descrito em 21,9? Recorda, agradece…

10. A importância da comunhão com a Igreja, para a santa está fora de questão (cf. 21,10), mas isso não evita que critique as proibições de livros espirituais (21,3; CE 36,4) ou a obrigatoriedade do latim na liturgia, com a ininteligibilidade que supunha para a maior parte dos fiéis (cf. 24,2). Como vivemos esta tensão entre fidelidade e espírito crítico?

11. A santa madre atreve-se a qualificar a opinião dos letrados e inquisidores como “opinião do vulgo” e, mais ainda, as suas vidas como não conformes à de Cristo (21,10): Que te parece? Como justificar afirmações tão atrevidas?


1 “Desta última – da oração – disse-se pouco [ao leitor]. Mas, quase sem se aperce-ber, emaranhou-se uma e outra vez na oração de Teresa. Desde o capítulo primeiro sabe perfei-tamente como ora esta mulher. Orou com ela: ‘Oh, redentor meu, que é isto que se passa agora com os cristãos…’. Assistiu aos seus solilóquios. E, pouco a pouco, apercebeu-se que ela tem um modo de orar distinto. Em exclamações explosivas, em atitudes de assombro perante o mistério de Deus presente nas coisas e na história. Tal como quando pede ou intercede como quando louva, bendiz ou diz galanteios ao Senhor. É assim que ora uma contemplativa. E precisamente dessa maneira de orar vai falar agora”: T. ÁLVAREZ, Paso a paso. Leyendo a Teresa com su Camino de Perfección, Monte Carmelo, 112-113.

2 Ibidem, 114.

3 Ibidem, 119. Aflora assim “outra grande ideia do livro: todos os grupos de oração fazem algum apostolado da oração. Não se fecham sobre si mesmos. Possuem uma ‘linguagem’ comunicante. e sabem que todos estão chamados à fonte”: ib. 125.

4 Trata-se “de uma constante na historia da espiritualidade cristã, da tensão confli-tuosa entre acção e contemplação; ou, melhor, da resistência da acção à contemplação; pugna e incompreensão dos homens de acção contra os orantes contemplativos. Uma tensão que com alternativas pendulares de maior ou menor azedume, se repete desde o episódio evangélico de Marta e Maria até nós e até ao nosso clima de ‘aggiornamento’ pósconciliar (…) [A santa] condena isso tudo com uma sentença terminante que julga toda aquela situação: esses, os que retiram livros e atacam a oração dos contemplativos, “fogem do bem, para se libertarem do mal. Nunca vi invenção tão ruim. Bem parece do demónio!” (21,8). Tal e qual. Cada vez que na Igreja pre-valece o medo ao mal sobre o amor ao bem produz-se essa fuga fatal: fugir do bem para se livrar do mal. Unidade de medida que tem alcance muito maior do que pensou Teresa nesse momento”: ib. 127-128.130.

5Ibidem, 151.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Leitura espiritual do poema "Nada te perturbe"




Em homenagem ao aniversário de nascimento de Santa Madre, publicamos a tradução de um texto de Tomás Alvares.

Fonte: Revista "Teresa de Jesús", n. 109
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Parece quase supérfluo fazer a apresentação do poema da Santa. Quem não o conhece? Nós o lemos de sua própria letra, catamo-lo, sussurrando sua música de seda. Tantas vezes repetimos seus versos em grupos de oração, abrindo espaço ao silêncio de todos. Em momentos difíceis o oferecemos ao amigo: veja que tudo passa! Nada te perturbe, dizia Santa Teresa. Deus está acima de tudo...

É tão breve o poema que apenas ocupa espaço. O reproduzimos uma vez mais, para lê-lo pausadamente e debulhar um a um a espiga de seus versos:

Nada te perturbe,

nada te espante,

tudo passa,

Deus não muda,

a paciência

tudo alcança.

Quem a Deus tem,

nada lhe falta.

Só Deus basta!

Como ler o poema? Como entendê-lo e apropriarmo-nos dele? Será um salmo sapiencial, de corte gnômico, como pretendem os entendidos? Ou um salmo íntimo, como certos poemas do saltério bíblico, que convidam a própria alma a prorromper em determinados sentimentos? Por exemplo, "Louva, minh'alma o Senhor, e todo meu seu ser Santo Nome".
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Se é um breve salmo sapiencial, deve ser lido deixando-o flechar-nos na alma como um dardo de cada verso, carregado de ressonâncias, que a partir de cada sentença, nos devolvem às sendas da própria vida, sendas às vezes tortuosas, às vezes encrespadas ou espinhosas.

Se, ao invés, é um salmo íntimo, nos introduz na alma da autora, que vai dizendo a si mesma: "Teresa, que nada te perturbe"...

São duas leituras possíveis, ou dois ensaios de escuta diante da melodia de cada verso. Pessoalmente, prefiro a segunda.

O "nada te perturbe" é uma fineza em solidão. Teresa escreve seu poema a sós. Como fazem sempre ou quase sempre os poetas líricos e os místicos. É certo de que ela não compõe estes versos como um bilhete de envio para convertê-los em missiva espiritual para alguns de seus amigos. Mas os compõe como uma vivência a mais, ou como um simples balbucio da alma.

Em primeiro lugar, Teresa não costuma dirigir-se a seus amigos com o "tu". Nem sequer à sua irmã Juana ou à sua sobrinha Teresita. Basta ler as cartas que lhes dirige. A Teresita, por exemplo: "... filha minha, muito me alegrei com sua carta e de que lhe dêem contento as minhas." A Teresa, trata-a com o "tu" a voz interior: "Teresa, não tenhas medo"; "não te metas nisso", etc. Porém, nesse diálogo, ela é a destinatária do "tuteio".

Ela, por sua vez, só usa a segunda pessoa falando consigo mesma. Ou melhor, quando ela fala à Teresa profunda: "tu, alma minha, por que estás triste?"

Teresa é capaz desse estranho desdobramento de personalidade que lhe permite falar com o tu de si mesma. Exatamente com seu tu interior. Ela tem densa interioridade. Falando do "castelo de sua alma", não diz ela que se parecia com um castelo cheio de moradas? Está convencida de que, nessa densidade da alma, é-lhe possível enviar mensagens (ou clamores) a partir das moradas superficiais até a morada central do castelo. Porque o tu mais identificado com ela reside aí, no centro do castelo. Pois bem, aí, no fundo, nasce seu poema: "Teresa, que nada te perturbe".

À parte essa chave literária ou estilística, há também outra razão puramente espiritual, para propor a leitura do poema como um murmúrio da intimidade. Teresa já tinha vivido muitas coisas na vida. Em seu drama interior, porém, aconteceu-lhe algo tremendo, que a tomou de sobressalto. Foi o encontro repentino com uma Presença interior que a transpassa e a desborda. Essa Presença novidadeira a desconcerta de tal sorte, que prontamente surge, em seu interior, uma voz capaz de sedar toda a onda. A voz interior lhe diz: "Não tenhas medo, Teresa". Referendado pelo tremendo "Eu sou" da Bíblia. Exatamente estas três palavras: "Não tenhas medo, filha, que Eu sou, e não te desampararei" (Vida 25,18).

Esse "não tenhas medo, filha" não seria o ponto de arranque de sua inspiração poética e mística? No Livro da Vida, Teresa o comenta assim: "Parece-me que, segundo estava, eram mister muitas horas para persuadir-me a que me sossegasse, e que não bastaria ninguém. Hei-me aqui sossegada só com estas palavras, com fortaleza, com ânimo, com segurança, com uma quietude e luz, que em um segundo vi minha alma transformada... Oh, que bom Deus!" (ib).
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Pois bem. Sabemos que os autênticos poemas líricos, uma vez criados, tornam-se autônomos, têm vida própria, independentes da vontade do autor que os compôs. E que por isso, são polivalentes ou polissêmicos. Cada leitor pode escutá-los livremente: ou como uma voz em que Teresa excepcionalmente o chama de tu: "a ti, leitor, que nada te perturbe"... ou pode sentir-se convocado a esse misterioso ambiente em que sucedem muitas coisas à autora, e ele a escutará dizendo-se a si mesma: "Teresa, que nada te perturbe! 'Eu sou' está contigo!"

Não esqueçamos. Teresa é uma contemplativa. Nutre-se de palavra bíblica. Através de suas meditações, tantas palavras bíblicas ficaram presas às cordas da harpa interior.

Em nosso poema, o certo é que cada verso resulta ser um anel enfeitado de palavras bíblicas que ela passou tantas vezes do livro aos olhos, dos olhos à alma.

Nós, leitores de seu poema, podemos rastrear o eco dessas vibrações. Sem pretensões de erudita busca literária. Senão como prolongações de onda na vivência espiritual de Teresa orante ou de Teresa poeta.

O primeiro verso - nada te perturbe - é claro eco da palavra de Jesus ao amedrontados discípulos, momentos antes da Paixão: "Que o vosso coração não se perturbe" (Jo. 14,1).

O segundo verso - "nada te espante": não fala de susto, senão de assombro. Basta recordar qualquer outra passagem teresiana: comovia-se-lhe de gozo a alma, "espantada da grande bondade e magnificência e misericórdia de Deus" (V. 4,10). Também é ressonância do assombro dos discípulos diante dos gestos taumatúrgicos de Jesus: "Isto vos amedronta? Como estareis admirados quando vereis o Filho do Homem subir para onde antes residia!" (Jo. 6,63).

O verso "tudo passa", que materialmente remete á consigna do filósofo grego, também é eco da palavra de Paulo: "passa este mundo" (1Cor. 7,31), ou as palavras de Jesus: "céu e terra passarão" (Mt. 34,25), seguidas da eterna vigência da palavra de Jesus - "minhas palavras não passarão" -, que dá passo à sentença do verso seguinte.

"Deus não muda". Sim, o Senhor e sua verdade permanecem para sempre (Sl. 116,2). Para Teresa, a fidelidade de Deus na amizade ("ele é amigo verdadeiro") contrasta com a versatilidade das amizades humanas: "Vós sois o amigo verdadeiro. Todas as coisas faltam. Vós, Senhor de todas elas, nunca faltais..., que já tenho experiência da ganância com que atraís a quem só em Vós confia" (V. 25,17). Trata-se de uma antecipação do último verso do poema.

"A paciência tudo alcança"... Jesus dizia aos discípulos anunciando-lhes as perseguições: "com vossa paciência possuireis vossa vida" (Lc. 21,19). O versículo final - "só Deus basta" - é a palavra lema dos contemplativos. Trata-se do "só Deus" de São Bernardo ou do irmão Rafael. "A sós com O só" será o lema teresiano para as jovens pioneiras do Carmelo de São José.

Os três absolutos do poema são estes:

nada, nada, nada

tudo, tudo

só Deus!

Três nadas, dois tudos, um único só Deus.

É possível que a dose balsâmica e sedante que do poema impregna o leitor, deva-se à cadência dos dois versos finais, com sua assonância em a-a: "nada lhe falta / só Deus basta". Assonância suavemente introduzida nos versos anteriores: "tudo passa - tudo alcança".

Porém, sem dúvida, mais forte que essa cadência musical, é o medular e absoluto da mensagem que nos chega através do poema, com sua alternância de tudos - nadas - só Deus. Três vezes nada. Duas vezes tudo. E uma só vez, porém fechando o poema, no verso final: "Só Deus!" e ponto O "só Deus" e basta. Se o poema era um sedante psicológico, acima da psicologia prevalece a teologia da contemplativa e mística que é Teresa.