quinta-feira, 7 de abril de 2011

Leitura espiritual do poema "Nada te perturbe"




Em homenagem ao aniversário de nascimento de Santa Madre, publicamos a tradução de um texto de Tomás Alvares.

Fonte: Revista "Teresa de Jesús", n. 109
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Parece quase supérfluo fazer a apresentação do poema da Santa. Quem não o conhece? Nós o lemos de sua própria letra, catamo-lo, sussurrando sua música de seda. Tantas vezes repetimos seus versos em grupos de oração, abrindo espaço ao silêncio de todos. Em momentos difíceis o oferecemos ao amigo: veja que tudo passa! Nada te perturbe, dizia Santa Teresa. Deus está acima de tudo...

É tão breve o poema que apenas ocupa espaço. O reproduzimos uma vez mais, para lê-lo pausadamente e debulhar um a um a espiga de seus versos:

Nada te perturbe,

nada te espante,

tudo passa,

Deus não muda,

a paciência

tudo alcança.

Quem a Deus tem,

nada lhe falta.

Só Deus basta!

Como ler o poema? Como entendê-lo e apropriarmo-nos dele? Será um salmo sapiencial, de corte gnômico, como pretendem os entendidos? Ou um salmo íntimo, como certos poemas do saltério bíblico, que convidam a própria alma a prorromper em determinados sentimentos? Por exemplo, "Louva, minh'alma o Senhor, e todo meu seu ser Santo Nome".
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Se é um breve salmo sapiencial, deve ser lido deixando-o flechar-nos na alma como um dardo de cada verso, carregado de ressonâncias, que a partir de cada sentença, nos devolvem às sendas da própria vida, sendas às vezes tortuosas, às vezes encrespadas ou espinhosas.

Se, ao invés, é um salmo íntimo, nos introduz na alma da autora, que vai dizendo a si mesma: "Teresa, que nada te perturbe"...

São duas leituras possíveis, ou dois ensaios de escuta diante da melodia de cada verso. Pessoalmente, prefiro a segunda.

O "nada te perturbe" é uma fineza em solidão. Teresa escreve seu poema a sós. Como fazem sempre ou quase sempre os poetas líricos e os místicos. É certo de que ela não compõe estes versos como um bilhete de envio para convertê-los em missiva espiritual para alguns de seus amigos. Mas os compõe como uma vivência a mais, ou como um simples balbucio da alma.

Em primeiro lugar, Teresa não costuma dirigir-se a seus amigos com o "tu". Nem sequer à sua irmã Juana ou à sua sobrinha Teresita. Basta ler as cartas que lhes dirige. A Teresita, por exemplo: "... filha minha, muito me alegrei com sua carta e de que lhe dêem contento as minhas." A Teresa, trata-a com o "tu" a voz interior: "Teresa, não tenhas medo"; "não te metas nisso", etc. Porém, nesse diálogo, ela é a destinatária do "tuteio".

Ela, por sua vez, só usa a segunda pessoa falando consigo mesma. Ou melhor, quando ela fala à Teresa profunda: "tu, alma minha, por que estás triste?"

Teresa é capaz desse estranho desdobramento de personalidade que lhe permite falar com o tu de si mesma. Exatamente com seu tu interior. Ela tem densa interioridade. Falando do "castelo de sua alma", não diz ela que se parecia com um castelo cheio de moradas? Está convencida de que, nessa densidade da alma, é-lhe possível enviar mensagens (ou clamores) a partir das moradas superficiais até a morada central do castelo. Porque o tu mais identificado com ela reside aí, no centro do castelo. Pois bem, aí, no fundo, nasce seu poema: "Teresa, que nada te perturbe".

À parte essa chave literária ou estilística, há também outra razão puramente espiritual, para propor a leitura do poema como um murmúrio da intimidade. Teresa já tinha vivido muitas coisas na vida. Em seu drama interior, porém, aconteceu-lhe algo tremendo, que a tomou de sobressalto. Foi o encontro repentino com uma Presença interior que a transpassa e a desborda. Essa Presença novidadeira a desconcerta de tal sorte, que prontamente surge, em seu interior, uma voz capaz de sedar toda a onda. A voz interior lhe diz: "Não tenhas medo, Teresa". Referendado pelo tremendo "Eu sou" da Bíblia. Exatamente estas três palavras: "Não tenhas medo, filha, que Eu sou, e não te desampararei" (Vida 25,18).

Esse "não tenhas medo, filha" não seria o ponto de arranque de sua inspiração poética e mística? No Livro da Vida, Teresa o comenta assim: "Parece-me que, segundo estava, eram mister muitas horas para persuadir-me a que me sossegasse, e que não bastaria ninguém. Hei-me aqui sossegada só com estas palavras, com fortaleza, com ânimo, com segurança, com uma quietude e luz, que em um segundo vi minha alma transformada... Oh, que bom Deus!" (ib).
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Pois bem. Sabemos que os autênticos poemas líricos, uma vez criados, tornam-se autônomos, têm vida própria, independentes da vontade do autor que os compôs. E que por isso, são polivalentes ou polissêmicos. Cada leitor pode escutá-los livremente: ou como uma voz em que Teresa excepcionalmente o chama de tu: "a ti, leitor, que nada te perturbe"... ou pode sentir-se convocado a esse misterioso ambiente em que sucedem muitas coisas à autora, e ele a escutará dizendo-se a si mesma: "Teresa, que nada te perturbe! 'Eu sou' está contigo!"

Não esqueçamos. Teresa é uma contemplativa. Nutre-se de palavra bíblica. Através de suas meditações, tantas palavras bíblicas ficaram presas às cordas da harpa interior.

Em nosso poema, o certo é que cada verso resulta ser um anel enfeitado de palavras bíblicas que ela passou tantas vezes do livro aos olhos, dos olhos à alma.

Nós, leitores de seu poema, podemos rastrear o eco dessas vibrações. Sem pretensões de erudita busca literária. Senão como prolongações de onda na vivência espiritual de Teresa orante ou de Teresa poeta.

O primeiro verso - nada te perturbe - é claro eco da palavra de Jesus ao amedrontados discípulos, momentos antes da Paixão: "Que o vosso coração não se perturbe" (Jo. 14,1).

O segundo verso - "nada te espante": não fala de susto, senão de assombro. Basta recordar qualquer outra passagem teresiana: comovia-se-lhe de gozo a alma, "espantada da grande bondade e magnificência e misericórdia de Deus" (V. 4,10). Também é ressonância do assombro dos discípulos diante dos gestos taumatúrgicos de Jesus: "Isto vos amedronta? Como estareis admirados quando vereis o Filho do Homem subir para onde antes residia!" (Jo. 6,63).

O verso "tudo passa", que materialmente remete á consigna do filósofo grego, também é eco da palavra de Paulo: "passa este mundo" (1Cor. 7,31), ou as palavras de Jesus: "céu e terra passarão" (Mt. 34,25), seguidas da eterna vigência da palavra de Jesus - "minhas palavras não passarão" -, que dá passo à sentença do verso seguinte.

"Deus não muda". Sim, o Senhor e sua verdade permanecem para sempre (Sl. 116,2). Para Teresa, a fidelidade de Deus na amizade ("ele é amigo verdadeiro") contrasta com a versatilidade das amizades humanas: "Vós sois o amigo verdadeiro. Todas as coisas faltam. Vós, Senhor de todas elas, nunca faltais..., que já tenho experiência da ganância com que atraís a quem só em Vós confia" (V. 25,17). Trata-se de uma antecipação do último verso do poema.

"A paciência tudo alcança"... Jesus dizia aos discípulos anunciando-lhes as perseguições: "com vossa paciência possuireis vossa vida" (Lc. 21,19). O versículo final - "só Deus basta" - é a palavra lema dos contemplativos. Trata-se do "só Deus" de São Bernardo ou do irmão Rafael. "A sós com O só" será o lema teresiano para as jovens pioneiras do Carmelo de São José.

Os três absolutos do poema são estes:

nada, nada, nada

tudo, tudo

só Deus!

Três nadas, dois tudos, um único só Deus.

É possível que a dose balsâmica e sedante que do poema impregna o leitor, deva-se à cadência dos dois versos finais, com sua assonância em a-a: "nada lhe falta / só Deus basta". Assonância suavemente introduzida nos versos anteriores: "tudo passa - tudo alcança".

Porém, sem dúvida, mais forte que essa cadência musical, é o medular e absoluto da mensagem que nos chega através do poema, com sua alternância de tudos - nadas - só Deus. Três vezes nada. Duas vezes tudo. E uma só vez, porém fechando o poema, no verso final: "Só Deus!" e ponto O "só Deus" e basta. Se o poema era um sedante psicológico, acima da psicologia prevalece a teologia da contemplativa e mística que é Teresa.

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