segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

LIVRO DA VIDA - Capítulo 3


Trata de como a boa companhia serviu para reavivar seus desejos e de como o Senhor começou a dar-lhe algum conhecimento sobre o engano pelo qual se deixara atrair

1. Comecei a gostar da boa e santa conversa dessa monja, agradando-me ouvi-la falar tão bem de Deus. Ela era muito discreta e virtuosa. Em nenhum momento, penso eu, perdi o prazer de ouvir essas coisas. Ela me contou que decidira ser monja apenas por ter lido as palavras do Evangelho: Muitos são os chamados e poucos os escolhidos.1Ela me falava da recompensa dada pelo Senhor a quem deixa tudo por Ele. Essa boa companhia foi dissipando os hábitos que a má tinha criado, elevando o meu pensamento no desejo das coisas eternas e reduzindo um pouco a imensa aversão que sentia por ser monja. Eu tinha muita inveja quando via alguma monja chorar ao rezar ou praticar outras virtudes. Nesse período, meu coração era tão duro que a leitura de toda a Paixão não arrancaria de mim uma lágrima, o que me deixava muito pesarosa.

2. Fiquei nesse mosteiro um ano e meio, tendo melhorado muito. Comecei a fazer muitas orações vocais e a pedir a todos que me encomendassem a Deus, para que Ele me indicasse o caminho em que melhor o servisse. Eu queria, no entanto, que não fosse como monja, que Deus não me desse esse desejo, muito embora temesse o casamento.

Ao final do tempo que ali passei, já aceitava mais a condição de monja, mas não naquele lugar, porque havia ali algumas práticas virtuosas que me pareciam exageradas. Algumas das colegas mais novas eram também dessa opinião. Teria sido muito bom se todas pensassem igual. Além disso, eu tinha uma grande amiga2 em outro mosteiro e decidira ser monja, se isso tivesse de acontecer, apenas onde ela estivesse. Eu me entregava mais ao que agrada va à minha sensualidade3 e vaidade do que àquilo que era para o bem da minha alma. Tinha algumas vezes bons pensamentos de dedicar-me a Deus, mas estes logo passavam, e eu não me convencia a fazê-lo.

3. Nessa época, embora não me dedicasse à minha salvação, o Senhor cuidava mais de mim, encaminhando-me para o estado que mais me servia. Ele me deu uma grave doença, que me fez voltar para a companhia de meu pai. Curada, fui levada à casa de minha irmã, que morava numa aldeia,4 para fazer-lhe uma visita. Era muito grande o seu amor por mim e, por sua vontade, eu nunca deixaria a sua companhia. Seu marido compartilhava disso; pelo menos demonstrava-me grande afeição. Uma das grandes graças que devo ao Senhor é ter sido querida em todo lugar em que estive, e eu em troca o servia sendo o que sou.

4. Um irmão de meu pai morava no caminho. Pessoa muito experiente, muito virtuosa, viúvo, ele estava sendo preparado pelo Senhor para o Seu serviço. Tendo deixado tudo o que tinha em idade avançada, abraçou a vida religiosa e morreu em tamanha santidade que deve estar na companhia de Deus.5 A pedido seu, detive-me com ele alguns dias. Ele costumava dedicar--se à leitura de bons livros em castelhano e de modo geral falava sobre Deus e a vaidade do mundo. Meu tio fazia-me lê-los e, embora não me agradassem esses livros, eu mostrava que sim; porque, no tocante a dar prazer aos outros, mesmo que me custasse sacrifícios, eu me esforçava muito. E a tal ponto que em outras pessoas teria sido uma virtude, enquanto em mim era, reconheço, enorme defeito, visto agir muitas vezes sem discrição.

Valha-me Deus! De que maneira Sua Majestade dispunha de mim para a condição em que quis se servir de mim! Sem que eu o quisesse, obrigou--me a me fortalecer! Bendito seja para sempre. Amém.

5. Fiquei poucos dias na casa desse meu tio. A força das palavras de Deus, tanto lidas como ouvidas, e a boa companhia me fizeram compreender as verdades que entendera quando menina: a inutilidade6 de tudo o que há no mundo, a vaidade existente neste, a rapidez com que tudo acaba. Passei a pensar e a temer que talvez fosse para o inferno caso morresse naquele momento. Apesar de a minha vontade de ser monja não ser absoluta, percebi ser essa a condição melhor e mais segura; e, assim, aos poucos, decidi forçar--me a abraçá-la.

6. Passei três meses nessa batalha, lutando comigo mesma com o seguinte raciocínio: os trabalhos e o sacrifício de ser monja não podiam ser maiores do que os do purgatório, e eu bem que merecia os do inferno; por isso, não seria demais viver como no purgatório se depois fosse diretamente para o céu. E assim me decidi.

Nesse esforço para decidir sobre a escolha de estado, acredito que me impelia mais um temor servil do que o amor. O demônio insinuava que eu não ia suportar as exigências da vida religiosa, por gostar tanto de comodidades. Eu replicava com a lembrança dos sofrimentos de Cristo, acreditando que não seria demais passar por alguns por Ele; achava também que Ele me ajudaria — mas não tenho certeza disso. Foram muitas as tentações por que passei.

7. Afligiam-me nessa época constantes desmaios, bem como febres. Minha saúde nunca foi muito boa. O que me ajudou foi já ter me tornado amiga dos bons livros. Lia as Epístolas de São Jerônimo,7 que me animaram a tal ponto que decidi dizê-lo a meu pai. Isso quase equivalia a tomar o hábito, porque, sendo tão briosa, de maneira alguma voltaria atrás, tendo-o declarado. Era tanto o amor que meu pai me dedicava que de forma alguma pude convencê--lo, nem o conseguiram as pessoas a quem pedi que lhe falassem. O máximo que ele disse foi que, depois de sua morte, eu faria o que quisesse. Eu sabia que não podia confiar em mim mesma e temia que a minha fraqueza me fizesse recuar, e por isso achei que devia insistir e fiz esforços que me conduzissem a isso por outro caminho, como vou contar agora.

4 comentários:

  1. Nossa aproximação de Santa Teresa, como mulher, nos proporciona descobrir nela e em sua mensagem uma verdade que nos abre os caminhos iluminados, capazes de nos levar a tomarmos consciência plena de nossos compromissos e ocuparmos nosso lugar na sociedade e, acima de tudo, na comunidade cristã. Santa Teresa teve contato com os livros de oração e iniciação espiritual, em casa de seu tio, homem muito piedoso, cuja companhia e as boas palavras lidas e ouvidas, fizeram-na retornar às verdades de sua infância, quando crescera em um ambiente de muita piedade.Os bons pensamentos de ser monja, não bastaram por si só: as leituras dos livros de orações põem fim às suas dúvidas e Teresa se decide a entrar na “Encarnação”.
    A história de sua vocação nos mostra como Deus espera nossa colaboração, como se serve dos meios naturais e das circunstâncias da vida para dar-nos a entender sua vontade, para forjar nosso próprio destino.

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  2. É realmente muito interessante como Deus fala e age através da leitura de livros espirituais.
    Santa Teresa nos dá seu testemunho mostrando que os bons livros que leu a ajudaram a comprender sua vocação e deram-lhe forças para assumí-la.
    E quantas pessoas não descobriram sua vocação carmelitana lendo os livros de Santa Teresa, de São João da Cruz, de Santa Teresinha e de tantos outros santos?
    Eu mesmo descobri o meu chamado ao Carmelo Secular lendo o trecho do livro "Teresa de Los Andes, uma Jovem Apaixonada por Deus", de Frei Patrício Sciadini, OCD, onde ele falava que a mãe da santa havia entrado para a Ordem dos Carmelitas Descalços Seculares, na época Ordem Terceira.
    Que durante todo esse ano em que a Ordem Carmelita está lendo o Livro da Vida, nós possamos estar atentos às mensagens e sinais que Deus quer nos comunicar através de Santa Teresa.
    Abraços,
    Luciano Dídimo

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  3. Aqui Santa Teresa aborda o assunto sobre oração mental, vocal e a oração sem cessar..aquietar-se em si.
    um breve complemnto nos ajuda muito a rezar como ela nos quer ensinar.
    A Oração de Jesus passa por três fases, a saber:

    1. Repetição vocal do NOME até ter ressonâncias na mente.É como criar o hábito de ouvir a repetição da oração, até que ela ‘passe’ para a mente.

    2. Repetição mental do NOME – muitas vezes, principalmente ao princípio, ter-se-á que recorrer com frequência à repetição vocal, para dar vigor à repetição mental, a fim de esta não decair.

    3. Repetição no íntimo do coração. Um dos sinais que nos mostra essa passagem da oração ‘para o coração’ é pela Paz profunda que invade todo o ser interior, a qualquer hora do dia.

    Quando se chega a este momento e a partir deste momento da evolução da Or. de Jesus, começa a surgir espontãneamente uma etapa muito menos activa, i.e., o NOME agora é “escutado” como uma íntima vibração espiritual que surge do interior da pessoa, de modo cada vez mais contínuo e inefável.

    Isto é já a atitude de oração contínua que estamos buscando !!

    Esta oração, na sua meta final é muito mais do que um simples método repetitivo usado no princípio: é o TESOURO escondido que os padres do deserto procuravam ardentemente, empregando, por vezes para isso, a vida inteira. É um Tesouro que se torna silêncio orante, ‘solidão sonora’ ou ‘musica que enamora’ do nosso pai S.João da Cruz. Isto é o que os padres do deserto chamavam ‘hesychia’ (grego) que significa ‘quietude’, ‘paz espiritual’, e acaba por designar os estados mais elevados da vida Monástica.

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  4. Neste 3ºcapítulo, nota-se que Santa Teresa se esforça por tentar encontrar sua Vocação, tentando entender em que DEUS quer servir-se de sua vida. No fundo Teresa demonstra querer realizar sempre a Vontade de DEUS.
    Vemos também que muitas vezes, Santa Teresa, procurava ser agradável a todos, de um modo especial, a vemos procurando ser agradável a um tio que lhe era muito querido, o que acabava levando-a à sorver, mesmo a contra gosto, boas leituras que lhe acrescentavam muito à sua formação cristã.
    A própria Santa faz uso de um termo muito interessante, que nos chama a atenção, ao dizer que "correspondia sendo ela mesma", às atenções e carinhos com que as pessoas lhe dedicavam. Eis uma grande Virtude, que Teresa nos ensina e que com certeza colaborou muito para que Teresa trilhasse o caminho da Santidade: a "Sinceridade" para com todos que a rodeavam, para com ela mesma própria e principalmente para com DEUS.

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