Ficha XII.- LIVRO DAS
FUNDAÇÕES –I
Nos capítulos
seguintes, assistimos ao relato da inauguração do Carmelo de Sevilha, com a
ajuda inestimável dos novos amigos e benfeitores de Teresa: o seu irmão
Lourenço, o sacerdote sevilhano Gaciálvarez, e o Prior da Cartuxa, Hernando de
Pantoja (F 25). Instala-se o Santíssimo Sacramento após uma solene procissão e
a bênção do Arcebispo Cristóvão de Rojas (27.05.1576), e no dia seguinte a
Madre põe-se novamente a caminho de Castela (F 26,1-2). Como epílogo, a
narração encerra com a memória edificante da primeira vocação andaluza; Beatriz
da Madre de Deus (F 26,3-16).
Pistas de
leitura
Há três aspectos a
destacar no momento de abordar a leitura destes capítulos: a pobreza e as
dificuldades que Teresa encontra em Sevilha, contra o que era de supor; o novo
grupo de amigos que ajudam a Madre em tudo o que respeita à compra da nova
casa; e os conflitos institucionais e graves acusações que afectam nessa altura
os Descalços e Teresa dentro da Ordem.
1. Pobreza e
dificuldades: “Ninguém podia prever que numa cidade tão importante e de gente
tão rica como Sevilha, haveria menos ajudas para fundar do que em qualquer das
outras partes onde estivera” (F 25, 1). “Exceptuando a primeira fundação de
Ávila […] nenhuma outra me custou tanto como esta, por serem os trabalhos, na
sua maioria, interiores” (26,2). No mês de Dezembro de 1575, uma noviça acusa
as descalças de Sevilha perante a Inquisição. Nos princípios do ano seguinte,
uma comissão, em nome da Inquisição, examina o espírito da Madre. Duas Contas
de Consciência, em que Teresa expõe o seu caminho espiritual, os confessores
que a acompanham e a sua oração1, são fruto do processo inquisitorial a que foi
submetida, a sua resposta às informações pedidas pelo tribunal.
2. Novos
colaboradores: Garciálvarez, “pessoa muito de bem e conhecida na cidade pelas
suas boas obras” (25,2). Oferece-se para celebrar a missa diária à nova
comunidade e impede a compra de um edifício nada conveniente para mosteiro.
Além disso, encarregar-se-á de ornamentar a clausura e a igreja para a
inauguração (25,12). Lourenço de Cepeda, recentemente chegado da América:
“ajudou-nos muito, sobretudo em conseguir que ficássemos na [casa] em que agora
estamos” (25,3). E Hernando Pantoja, “um santo velho, prior da Cartuxa de las
Cuevas, grandíssimo servo de Deus” (25,9), que ajudou com as suas esmolas,
fazendo-lhes bem “por todos os meios”. Ele e Garciálvarez combinarão com o
arcebispo toda a solenidade da procissão, com a presença de clérigos e
confrarias da cidade. Por uma carta de Teresa, conhecemos um pormenor que
humildemente cala no relato desta fundação: o arcebispo D. Cristóvão de Rojas e
Sandoval ajoelha-se diante da Madre, pedindo-lhe a sua bênção. Assim o contará
a Ana de Jesus: “Imagine o que sentiria ao ver um tão grande prelado ajoelhado
na frente desta pobre mulherzinha, sem se querer levantar até que lhe desse a
bênção, na presença de todas as religiões e confrarias de Sevilha”2.
3. Conflitos
institucionais: Imediatamente após a inauguração, Teresa parte para Castela.
Incompreendida e desprestigiada, chegou-lhe uma ordem do Definitório geral,
reunido em Piacenza, de acabar com as fundações e recolher-se num dos seus
conventos. A ordem foi adiada temporariamente por Graciano, mas agora chegara o
momento e escolhe Toledo. Escreve ali o 26 capítulo, o último dedicado à
Fundação de Sevilha. É o pano de fundo vivido e velado no relato que virá à luz
no capítulo seguinte. Alguns dos ‘trabalhos interiores’ que Teresa padece
nessas datas3.
Para reflectir, rever
a vida, interceder, agradecer, contemplar…
1. Todas as gestões
por conseguir uma casa em condições resultam inúteis. Passam-se noves meses de
longa espera (F 25,1-2) numa incómoda casa alugada. Tudo resulta inconveniente
e apertado numa cidade onde paradoxalmente abundam os recursos.
Tendo como horizonte
que a verdadeira esperança teologal sabe confiar-se totalmente a Deus na
adversidade e na prosperidade, receber tudo como Seu, mas sem renunciar ao
esforço, ao caminho e à meta… - Como reagimos perante as nossas fragilidades e
temores, ou perante o êxito de um projecto alcançado?
2. Teresa sofre com a
ideia de ter de regressar a Castela deixando as suas filhas sem casa
definitiva. Para encontrá-la, serve-se de todas as mediações: a oração, a ajuda
do seu irmão Lourenço e Garciálvarez, e as suas próprias diligências embora
infrutíferas: “Estando um dia em oração, pedindo a Deus que lhes desse casa,
pois eram esposas Suas, tão unicamente desejosas de agradar-Lhe, recebi como
resposta: Já vos ouvi. Deixa isso a meu cuidado” (25,4).
Às vezes, nas
dificuldades, é fácil perder o equilíbrio e cair nos extremos: esperar tudo de
Deus, descarregar a responsabilidade nos outros, ou esperar tudo de nós mesmos.
– Sabemos unir a oração e a confiança na ajuda de Deus e dos irmãos com uma
atitude responsável e diligente da nossa parte?
3. Encontram
finalmente uma casa conveniente para a comunidade e mudam-se para lá. Levarão
um mês a adaptar-se ao lugar e a fazer a igreja. Teresa conta-nos: “ Era meu
desejo colocar o Santíssimo Sacramento sem aparato, depois de estar tudo
concluído, porque sou inimiga de me tornar pesada quando o posso evitar. E
assim, dirigi-me ao Padre Garciálvarez que, por sua vez, tratou com o prior de
Las Cuevas” (25,11)
Conhecemos o
desenlace: estes bons homens, juntamente com o arcebispo, decidiram inaugurar o
mosteiro com a maior solenidade possível. Levada a empresa a feliz termo,
Teresa pode descansar. No dia seguinte, regressa a Castela. Mas não se queixa;
alegra-se de ter compartilhado com as suas irmãs as penúrias e conflitos
daqueles meses: “sobretudo, dava-me alegria ter gozado dos trabalhos e ir-me
quando podia ter algum descanso” (26,1).
A atitude da Madre
revela uma grande delicadeza: simplicidade e sentido prático, e sobretudo
caridade para não sobrecarregar ninguém com trabalhos que se podem evitar. Esta
maneira de ser teresiana pode ajudar-nos a examinar pessoal e comunitariamente
as nossas atitudes, particularmente a nossa caridade: não “se tornar pesada
quando se pode evitar”
Teresa descobre, a
cada passo, a intimidade da sua alma, os seus estados de ânimo ou as suas lutas
interiores, e ao mesmo tempo ensina-nos a viver a fraternidade, a vida em
comunidade. - Como vivemos e manifestamos a alegria de compartilhar com os
nossos irmãos penas e trabalhos? – Sem queixas, sem censuras, sem lhes sermos
pesados, ajudando-nos mutuamente a levar os nossos fardos?
4. A Santa termina a
crónica de Sevilha com um relato vocacional. A história de Beatriz da Madre de
Deus é uma das narrativas e biografias exemplares que amenizam o livro das
Fundações4. Pela insistência, pela própria selecção de dados (trata-se do que
se considera digno de ser contado), descobre-se o ideal destacado por Teresa
como modelo para as futuras gerações. Uma coisa merece particular destaque: a
firmeza de Beatriz nas contradições e a fidelidade ao ideal do Carmelo. No
Caminho de Perfeição já a madre nos tinha aconselhado que, para a grande
empresa da oração, é necessária “uma grande e determinada determinação” (C
21,2) de não abandonar o ideal, mesmo que se morra no caminho: “ a morrer sim,
mas não a ficar vencidos” (C 3,1).
Procurar outros
paralelos com textos teresiano já trabalhados em fichas e capítulos anteriores,
e reler o relato procurando descobrir substancialmente o ideal vocacional
pintado por Teresa. Compará-lo com o nosso tempo, experiência e circunstâncias
pessoais ou comunitárias.
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1 Cf. Contas de
Consciência, 53 e 54 (EDE e BAC); Relações 4 e 5 (Ed. Monte Carmelo).
2 Carta dirigida
à Madre Ana de Jesus, a 15 de Julho de 1576. Perdido o autógrafo e sem contar
com manuscritos, conhecemos a sua existência e parte do seu conteúdo graças aos
testemunhos da própria Madre Ana de Jesus no processo de Salamanca para a
canonização de Teresa.
3Cf. A carta que la
Madre dirige nos fins de Janeiro de 1576 ao P. João Baptista Rubeo, Geral da
Ordem.
4 Veja-se, por
exemplo, o relato de F 12.
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