Caminho 38-39: “E não nos deixeis cair, Senhor, em tentação;
mas livrai-nos do mal” (37,5).
Pistas de leitura.
A petição do Pai-nosso é claríssima, e os próprios títulos de ambos os capítulos o confirmam: “declara algumas tentações (…) e propõe remédios para que se possam livrar delas”. Trata-se, portanto, de captar bem aquelas (tentações) e estes (remédios).
No entanto, e como é lógico a estas alturas da obra, a Santa centra-se nos perfeitos ou contemplativos, não nos principiantes. E – o que é mais importante –, embora trate de “algumas tentações”, destaca uma em especial, de modo que é preciso reparar bem nela.
Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar…
1. Começa por recordar o que já destacou em 36,8-13: “os que [têm contemplação] não pedem ao Senhor que os livre de trabalhos, nem das tentações, nem de perseguições e pelejas; mas antes os desejam, pedem e amam […] Nunca temem muito os inimigos declarados” (38,1-2). Se não se trabalhou no capítulo 36, seria conveniente fazê-lo agora; caso se tenha feito, pelo menos recordá-lo.
2. Sendo assim, quando reza esta petição, Teresa não pensa nesses “inimigos declarados”, mas em “uns inimigos traidores, uns demónios que se transfiguram em anjos de luz” (38, 2). A primeira coisa que isto evoca nos contemporâneos da Santa, é a possibilidade de que o mau espírito trate de confundir o orante provocando nele gostos e regalos. – Que te parece a maneira dela tirar importância a esta tentação, considerando-a inclusive como facilitadora de bens para o contem-plativo (38,3)? – E os seus estratagemas para o conseguir: exercício de humildade, recta intenção e, sobretudo, confiança no Senhor 1 (38, 4; cf. Fundações 8,3)?
3. É evidente que onde teme um possível “grande dano” é se chegamos a “crer que temos virtudes não as tendo”: - que achas dos perigos que ela prediz como consequência (38,5) 2
4. O primeiro remédio para evitar este temível dano é como bem indica o Pai-nosso, “oração e suplicar ao Pai Eterno que não permita que andemos em tentação” (38,5) 3: revê, ora…
5. Outro remédio. Neste caso, para uma tentação tão parecida às anteriores que pode assimilá-las, se bem que não sejam idênticas: agora, não se trata de crer que se têm virtudes, que, em realida-de, não se possuem, mas afiançar-se naquelas que de facto se têm. Contra isto, uma vez mais: humildade: consciência de que as virtudes são dons que nos serão retirados com certa frequência, precisamente para nos exercitarmos nela (38, 6-7). – Que te parecem os exemplos que dá nesses parágrafos (cf., além disso, Vida 31,19; Fundações 25,1)? Reflecte, revê, ora…
6. “Notai outro aviso” (38, 8): contra virtudes imaginadas no nosso foro interno: “não façais caso (…) até que vejamos a prova” na vida, nas ocasiões e nas próprias atitudes a esse respeito. E, se essa virtude se confirma, então voltar ao conselho dado anteriormente (38, 6-7).
7. Põe “outra tentação” na mesma linha, embora com a agravante de que não é só uma questão de pensamento, mas com “costume de dizê-lo” (38,9). No entanto, reafirmam-se os mesmos remédios. Mas, ao dar o exemplo correspondente, volta ao tema da pobreza de espírito (cf. Cap. 2; 33, 1) que na primeira redacção analisou com maior detalhe4 . Reflecte, revê…
8. Achas que é adequado traduzir esta tentação (38,5-9) como “a solapada deformação da imagem que o orante tem de si mesmo” 5?
9. Agora bem, importantíssimo: muito cuidado com as falsas “humildades que põe o demónio” (39,1-3; Ficha Caminho 16-18, pergunta 3; Vida 7,11.13;19,11; 38,8-9.16 e suas Fichas). Pensa, ora…
10. E uma última tentação,””bem perigosa” (39,4-5), sobretudo para os principiantes: Em que con-siste? Qual o seu perigo? Remédio: acompanhamento espiritual e “conhecimento próprio”. Revê, agradece, intercede…
11. Além destas tentações, lembras-te de outras provocadas por “demónios que se transfiguram em anjos de luz” (38,2)?
12. A Santa conclui com os seus melhores recursos pedagógicos, tão presentes em toda esta obra: ora apaixonadamente ao próprio Deus, e, por outro lado, ironiza com muita agudeza contra os inimigos deste caminho (39,6 e 7). Repara nisso, pondera-o…
______________
1 “Essa suprema garantia da fidelidade de Deus para os rectos de coração será a saída libertadora do erro. Tirará o orante dos truques da própria psicologia ou das miragens do anjo da mentira”: T. ÁLVAREZ, Paso a paso. Leyendo a Teresa con su Camino de Perfección, pág. 271.
2 Cf. 10, 4: “Estas virtudes [humildade e mortificação] têm tal propriedade, que se escondem de quem as possui, de maneira que nunca as vê nem acaba de crer que tem alguma, embora lho digam; mas tem-nas em tanto, que sempre anda procurando tê-las, e as vai aperfeiçoando em si cada vez mais, ainda que bem se assinalem os que as têm; logo se dão a conhecer aos que com eles tratam, sem mesmo o quererem”.
3 Cf. Salmo 18 B: “A lei do Senhor é perfeita e reconforta a alma; as ordens do Senhor são firmes, dão sabedoria aos simples. Os preceitos do Senhor são rectos, alegram o coração (…) Embora o vosso servo de deixe guiar por eles e os observe com cuidado, quem pode, entretanto, reconhecer os seus erros? Purificai-me dos que me são ocultos. Preservai também do orgulho o vosso servo, que ele não tenha sobre mim poder algum: então serei irrepreensível e imune de culpa grave”.
4 CE 66, 6. O demónio faz-vos entender que sois pobres (e tem alguma razão, porque fizestes voto de pobreza - com a boca, já se vê), e ainda a outras pessoas que têm oração. Digo "com a boca", porque é impossível se com o coração entendêssemos o que prometemos e o prometêssemos, pois aqui o demónio pode meter-nos nesta tentação durante 20 anos ou por toda a nossa vida; sim, veríamos que enganamos o mundo e a nós mesmos. Agora bem, prometida a pobreza, ou dizendo aquele que pensa que é pobre: "eu não quero nada"; " tenho isto porque não posso passar sem ele", enfim, “hei-de viver para servir Deus"; "Ele quer que sustentemos estes corpos…”; são mil coisas diferentes que o demónio ensina como anjo, (porque todo isto é bom), e assim fá-lo compreender que já é pobre e tem esta virtude, que tudo está conseguido. 7. Agora, vamos à prova; isto não se conhecerá de outra maneira a não ser procurando andar-lhe sempre à mão; se houver cuidado, muito depressa dá sinal: tem excessiva renda para o que é preciso (entenda-se o necessário e não que possa passar com um criado que traga três); põe-lhe um pleito por qualquer coisa ou deixa de pagar o pobre lavrador; tanto desassossego lhe causa e tanto põe naquilo, como se sem isso não pudesse viver. - Dirá que "para que não se perca por mau recato", logo aparece uma desculpa. Eu não digo que o deixe; mas que o procure se for bom; e se não, também. Porque o verdadeiro pobre tem em tão pouco estas coisas que, por algumas causas as procura, jamais o inquietará, porque nunca pensa lhe há-de faltar. E se lhe faltar, não se importa muito; considera-o coisa acessória e não principal. Como tem pensamentos más elevados, à força de braços ocupar-se-á destes outros. 67,1. Um religioso ou religiosa (pois já está averiguado que o é, ou pelo menos que o há-de ser) nada possui porque, às vezes não o tem; mas, se houver quem lho dê, será para admirar lhe pareça que sobra. Sempre gosta de guardar alguma coisa, e se puder ter um hábito de tecido mais fino, não pede que seja de má qualidade; alguma coisinha que pode empenhar ou vender, mesmo que sejam livros, porque, se aparece uma doença, precisa habitualmente de mais regalo. Pecadora de mim! É isso o que prometeste? Despreocupar-se de si e abandonar-se a Deus, venha o que vier; porque se andais amealhando para o futuro sem distracção, tereis renda certa. 2. Embora isto se possa fazer sem pecar, é bom atender a estas imperfeições, para ver que muito nos falta para ter esta virtude, e a peçamos a Deus e a procuremos; porque, com pensar que a temos, estamos descuidados e enganados, que é ainda pior.
5 T. ÁLVAREZ, Paso a paso… pág. 271.
Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar…
1. Começa por recordar o que já destacou em 36,8-13: “os que [têm contemplação] não pedem ao Senhor que os livre de trabalhos, nem das tentações, nem de perseguições e pelejas; mas antes os desejam, pedem e amam […] Nunca temem muito os inimigos declarados” (38,1-2). Se não se trabalhou no capítulo 36, seria conveniente fazê-lo agora; caso se tenha feito, pelo menos recordá-lo.
2. Sendo assim, quando reza esta petição, Teresa não pensa nesses “inimigos declarados”, mas em “uns inimigos traidores, uns demónios que se transfiguram em anjos de luz” (38, 2). A primeira coisa que isto evoca nos contemporâneos da Santa, é a possibilidade de que o mau espírito trate de confundir o orante provocando nele gostos e regalos. – Que te parece a maneira dela tirar importância a esta tentação, considerando-a inclusive como facilitadora de bens para o contem-plativo (38,3)? – E os seus estratagemas para o conseguir: exercício de humildade, recta intenção e, sobretudo, confiança no Senhor 1 (38, 4; cf. Fundações 8,3)?
3. É evidente que onde teme um possível “grande dano” é se chegamos a “crer que temos virtudes não as tendo”: - que achas dos perigos que ela prediz como consequência (38,5) 2
4. O primeiro remédio para evitar este temível dano é como bem indica o Pai-nosso, “oração e suplicar ao Pai Eterno que não permita que andemos em tentação” (38,5) 3: revê, ora…
5. Outro remédio. Neste caso, para uma tentação tão parecida às anteriores que pode assimilá-las, se bem que não sejam idênticas: agora, não se trata de crer que se têm virtudes, que, em realida-de, não se possuem, mas afiançar-se naquelas que de facto se têm. Contra isto, uma vez mais: humildade: consciência de que as virtudes são dons que nos serão retirados com certa frequência, precisamente para nos exercitarmos nela (38, 6-7). – Que te parecem os exemplos que dá nesses parágrafos (cf., além disso, Vida 31,19; Fundações 25,1)? Reflecte, revê, ora…
6. “Notai outro aviso” (38, 8): contra virtudes imaginadas no nosso foro interno: “não façais caso (…) até que vejamos a prova” na vida, nas ocasiões e nas próprias atitudes a esse respeito. E, se essa virtude se confirma, então voltar ao conselho dado anteriormente (38, 6-7).
7. Põe “outra tentação” na mesma linha, embora com a agravante de que não é só uma questão de pensamento, mas com “costume de dizê-lo” (38,9). No entanto, reafirmam-se os mesmos remédios. Mas, ao dar o exemplo correspondente, volta ao tema da pobreza de espírito (cf. Cap. 2; 33, 1) que na primeira redacção analisou com maior detalhe4 . Reflecte, revê…
8. Achas que é adequado traduzir esta tentação (38,5-9) como “a solapada deformação da imagem que o orante tem de si mesmo” 5?
9. Agora bem, importantíssimo: muito cuidado com as falsas “humildades que põe o demónio” (39,1-3; Ficha Caminho 16-18, pergunta 3; Vida 7,11.13;19,11; 38,8-9.16 e suas Fichas). Pensa, ora…
10. E uma última tentação,””bem perigosa” (39,4-5), sobretudo para os principiantes: Em que con-siste? Qual o seu perigo? Remédio: acompanhamento espiritual e “conhecimento próprio”. Revê, agradece, intercede…
11. Além destas tentações, lembras-te de outras provocadas por “demónios que se transfiguram em anjos de luz” (38,2)?
12. A Santa conclui com os seus melhores recursos pedagógicos, tão presentes em toda esta obra: ora apaixonadamente ao próprio Deus, e, por outro lado, ironiza com muita agudeza contra os inimigos deste caminho (39,6 e 7). Repara nisso, pondera-o…
______________
1 “Essa suprema garantia da fidelidade de Deus para os rectos de coração será a saída libertadora do erro. Tirará o orante dos truques da própria psicologia ou das miragens do anjo da mentira”: T. ÁLVAREZ, Paso a paso. Leyendo a Teresa con su Camino de Perfección, pág. 271.
2 Cf. 10, 4: “Estas virtudes [humildade e mortificação] têm tal propriedade, que se escondem de quem as possui, de maneira que nunca as vê nem acaba de crer que tem alguma, embora lho digam; mas tem-nas em tanto, que sempre anda procurando tê-las, e as vai aperfeiçoando em si cada vez mais, ainda que bem se assinalem os que as têm; logo se dão a conhecer aos que com eles tratam, sem mesmo o quererem”.
3 Cf. Salmo 18 B: “A lei do Senhor é perfeita e reconforta a alma; as ordens do Senhor são firmes, dão sabedoria aos simples. Os preceitos do Senhor são rectos, alegram o coração (…) Embora o vosso servo de deixe guiar por eles e os observe com cuidado, quem pode, entretanto, reconhecer os seus erros? Purificai-me dos que me são ocultos. Preservai também do orgulho o vosso servo, que ele não tenha sobre mim poder algum: então serei irrepreensível e imune de culpa grave”.
4 CE 66, 6. O demónio faz-vos entender que sois pobres (e tem alguma razão, porque fizestes voto de pobreza - com a boca, já se vê), e ainda a outras pessoas que têm oração. Digo "com a boca", porque é impossível se com o coração entendêssemos o que prometemos e o prometêssemos, pois aqui o demónio pode meter-nos nesta tentação durante 20 anos ou por toda a nossa vida; sim, veríamos que enganamos o mundo e a nós mesmos. Agora bem, prometida a pobreza, ou dizendo aquele que pensa que é pobre: "eu não quero nada"; " tenho isto porque não posso passar sem ele", enfim, “hei-de viver para servir Deus"; "Ele quer que sustentemos estes corpos…”; são mil coisas diferentes que o demónio ensina como anjo, (porque todo isto é bom), e assim fá-lo compreender que já é pobre e tem esta virtude, que tudo está conseguido. 7. Agora, vamos à prova; isto não se conhecerá de outra maneira a não ser procurando andar-lhe sempre à mão; se houver cuidado, muito depressa dá sinal: tem excessiva renda para o que é preciso (entenda-se o necessário e não que possa passar com um criado que traga três); põe-lhe um pleito por qualquer coisa ou deixa de pagar o pobre lavrador; tanto desassossego lhe causa e tanto põe naquilo, como se sem isso não pudesse viver. - Dirá que "para que não se perca por mau recato", logo aparece uma desculpa. Eu não digo que o deixe; mas que o procure se for bom; e se não, também. Porque o verdadeiro pobre tem em tão pouco estas coisas que, por algumas causas as procura, jamais o inquietará, porque nunca pensa lhe há-de faltar. E se lhe faltar, não se importa muito; considera-o coisa acessória e não principal. Como tem pensamentos más elevados, à força de braços ocupar-se-á destes outros. 67,1. Um religioso ou religiosa (pois já está averiguado que o é, ou pelo menos que o há-de ser) nada possui porque, às vezes não o tem; mas, se houver quem lho dê, será para admirar lhe pareça que sobra. Sempre gosta de guardar alguma coisa, e se puder ter um hábito de tecido mais fino, não pede que seja de má qualidade; alguma coisinha que pode empenhar ou vender, mesmo que sejam livros, porque, se aparece uma doença, precisa habitualmente de mais regalo. Pecadora de mim! É isso o que prometeste? Despreocupar-se de si e abandonar-se a Deus, venha o que vier; porque se andais amealhando para o futuro sem distracção, tereis renda certa. 2. Embora isto se possa fazer sem pecar, é bom atender a estas imperfeições, para ver que muito nos falta para ter esta virtude, e a peçamos a Deus e a procuremos; porque, com pensar que a temos, estamos descuidados e enganados, que é ainda pior.
5 T. ÁLVAREZ, Paso a paso… pág. 271.
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