quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Caminho de Perfeição

Caminho de Perfeição

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Seguindo as directrizes do nosso Capítulo Geral, continuamos com a leitura das Obras da Santa Madre Teresa. Este ano de pastoral (2010-2011), como aí foi indicado, dedicamo-lo à leitura reflectida do Caminho de Perfeição. Para facilitar a sua leitura, apresentamos, embora sucintamente, o ambiente espiritual em que ela viveu e que justifica o historial desta obra que não foi pacífico.

O Caminho de Perfeição é a segunda obra composta por Santa Teresa de Jesus. Ela nasce da conjugação de três quereres: dos seus confessores, dela própria e das suas irmãs do convento por ela fundado.

Depois de ter entregado o Livro da Vida aos seus confessores, estes acharam que ela deve continuar a escrever. Este livro era interessante e de muito proveito para as suas irmãs, mas tal como se encontrava, e dadas as circunstâncias da igreja espanhola, não se podia colocar em mãos das suas freiras. Embora não o tivesse escrito para elas, era pena privá-las de tão valiosas orientações espirituais que o livro continha. Além disso, encontrava-se retido nos arquivos da inquisição. Portanto a solução era escrever outro, de estilo diferente, que recolhesse tudo o que fosse de “proveito para aviso de coisas espirituais” e servisse de código de formação para as suas freiras. Assim o manifesta Teresa numa Conta de Consciência escrita em 1567: “Esta relação foi de sorte que todos os letrados, que a têm visto – que eram seus confessores –, diziam que era de grande proveito para aviso de coisas espirituais, e mandaram-lhe que a trasladasse e fizesse outro livrito para as suas filhas – pois era prioresa – onde lhes desse alguns avisos” (Rel. 4,6).

Tendo em conta o mandato dos confessores, Teresa pôs mãos à obra. Aliás, ela também estava convencida da necessidade de pôr por escrito o carisma com que o Senhor a regalou.

E as suas irmãs, que são conhecedoras do mandato que ela tem dos seus confessores, “pedem-lhe”, “mandam-na”, chegaram mesmo a importuná-la: “Sabendo as irmãs deste Mosteiro de S. José que eu tinha licença... para escrever algumas coisas de oração... têm-me importunado tanto para que lhes diga alguma coisa sobre ela, que me determinei a obedecer-lhes” (Pról. 1).

Teresa é consciente das dificuldades que se lhe deparam. Ela continua a pensar que é “coisa desconcertada eu escrever isto”( ib. 2). Em plena redacção da obra confessará abertamente a “confusão” com que escreve: “Que vergonha é para mim eu dizer-vos que façais caso de coisa minha! O Senhor bem sabe a confusão com que escrevo muito daquilo que escrevo!”(C 25, 4).

Mas Teresa acredita na assistência do Espírito do Senhor, que não lhe tem faltado e no amor das irmãs. Ela não tem dificuldade em acreditar na assistência especial do Senhor, pois já tinha deixado escrito no Livro da Vida: “Esclareceu-me Deus o entendimento, umas vezes com palavras e outras pondo-me diante como o havia de dizer... parece que Sua Majestade quer dizer o que eu não posso nem sei. Isto que digo é inteira verdade...” (V 18, 8).

Depois conta com o amor e a oração das irmãs: “Penso que o grande amor que me têm pode fazer-lhes mais aceite o mau estilo e imperfeito daquilo que eu disser... e confio nas suas orações, pois poderá ser que, por elas, o Senhor seja servido que eu acerte em dizer alguma coisa do que convém”( Pról. 1).

A abertura amorosa das suas irmãs vai fazer com que a palavra nascida da sua experiência seja profundamente comunicativa e esclarecedora. Com esta sua atitude a comunidade começa a ser também parte activa e dialogante na obra que Teresa se dispõe a escrever.

A este amor das irmãs junta-se o amor que Teresa nutre por todas elas: “Sei que não me falta amor e desejo de ajudar naquilo que puder, para que as almas das minhas irmãs vão muito adiante no serviço do Senhor. Este amor, junto com os anos e a experiência que tenho de alguns conventos, poderá ser que sirva para eu atinar” (Pról. 3).

Foram todas estas as razões que moveram Teresa a tomar novamente a pluma e escrever esta nova obra que se chamaCaminho de Perfeição.

Este título não é da sua autoria. Encontra-se nas primeiras páginas da obra, mas é de iniciativa alheia. A Santa revela o conteúdo do autógrafo da seguinte maneira: “Este livro trata de avisos e conselhos que Teresa de Jesus dá às Religiosas, irmãs e filhas suas, dos mosteiros que, com o favor de Nosso Senhor e da gloriosa Virgem Mãe de Deus, Senhora Nossa, tem fundado”( Prol. ).

Embora, como ela diz no mesmo prólogo, o tivesse escrito para as irmãs de S. José de Ávila onde ela se encontrava de prioresa, quando o escreveu, está dirigido a todas as suas irmãs de outros conventos, que já tem em vista.

Santa Teresa redigiu por duas vezes este livro. A primeira sem divisões de capítulos que se encontra na Biblioteca do Escorial e a segunda já dividida em capítulos que está nas Carmelitas Descalças de Valladolide.

Estas duas redacções foram feitas no convento de S. José de Ávila, provavelmente no ano de 1566, depois de terminar oLivro da Vida (finais de 1565) e antes da visita do franciscano Afonso Maldonado ao Carmelo de S. José. Teresa tomou a decisão de o redigir por segunda vez, pelos seguintes motivos apontados pelo P. Tomás Alvarez:

1º. Para lhe dar forma de livro, de mais fácil leitura na sua comunidade;

2º. Para cumprir as indicações feitas pelo teólogo amigo que reviu o manuscrito e riscou numerosas passagens, entre elas a famosa apologia das mulheres no capítulo terceiro;

3º. E para diminuir o estilo coloquial e confidencial da primeira redacção, aligeirando o texto de comparações, de alusões polémicas e de referências à própria experiência religiosa.

Depois de o ter redigido por segunda vez, tendo em conta as sugestões dadas pelo teólogo amigo, teve que o submeter aos teólogos censores que lhe rasuraram numerosas passagens e fizeram com que arrancasse diversas folhas onde ela comparava o jogo de xadrez com a humildade (cap. 16). Teresa teve que arrancar cinco folhas e substituí-las por uma.

P. Jeremias Vechina
In: Flor do Carmelo, n.º 37

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