Caminho 28-29: Oração de recolhimento II
Pistas de leitura
Continua o tema, agora desde a perspectiva do orante (cf. primeiro parágrafo da ficha anterior) insistindo sobre tudo em oferecer os meios para aprender a recolher-se (cf. título dos capítulos): um claro indício de que na pedagogia teresiana prevalece a prática sobre a teoria. Para dar instruções, a Madre Teresa deixa a um lado toda a roupagem magistral e entrega-se ao seu estilo coloquial; sobretudo repetindo e enfatizando o que lhe interessa inculcar 1.
Continuamos, portanto, a centrar a atenção nesses meios em que tanto insiste. No entanto, nestes capítulos, define a oração de recolhimento além de explicar as suas vantagens mediante uma série de imagens e comparações; por isso, atenção também a essa definição e a estas imagens.
Para reflectir, rever a vida, interceder, agradecer, contemplar…
O pressuposto de base reduz-se a dois conselhos: “Olhai que vos importa muito compreender esta verdade: que o Senhor está dentro de vós, e que estejamos ali com Ele” 2 ; “pôr-se em recolhimento e olhá-l’O dentro de si mesma e não se estranhar de tão bom hóspede…” (28, 2). – Como? – Reflectindo, revendo, orando… sobre cada um dos seguintes pontos:
1. Evitando uma falsa humildade (28, 3), que, além disso, deveria estar superada a estas alturas (cf. 16,8 ou 12, segundo as edições: “não tenhais medo que falhe por Ele, se não falharmos nós…”).
2. Valendo-se da imaginação, inclusive de maneira muito simples (28, 9-10) 3 , e meditando que temos uma alma (28, 11a), quer dizer, considerando o supradito pressuposto (que o Senhor está dentro de nós) e que estamos capacitados para a relação com Ele e, portanto, actuando em consequência tanto oracional como moralmente: “não O deixara tantas vezes só (…) e mais, procuraria que não estivesse tão suja [a minha alma]” (28, 11; cf. V40, 9).
3. “Pensais, filhas, que vem sozinho? Não vedes o que diz seu Filho: ‘que estais nos Céus’? Pois, a um tal Rei, certamente que não O deixam só os cortesãos; mas estão com Ele rogando-Lhe por todos nós, em proveito nosso, porque estão cheios de caridade”(28, 13). Recordar o trabalho a este respeito na Ficha de V 37, pergunta 7, e voltar a pensar no assunto.
4. “E ainda nas mesmas ocupações, retirarmo-nos em nós mesmos. Ainda que seja só por um momento…” (29, 5) 4 .
5. Que te parece a afirmação e, de certo modo, a recomendação de se recolher com os olhos fechados, sobretudo nos princípios (28, 6)? É habitual para ti e/ou no teu contexto? Preferes outras maneiras de fixar a vista ou servir-se dela?
6. Muito mais importante: o sinal e o fruto principal de que este acostumar-se a recolher-se na oração foi bom é a aquisição, no sucessivo, do hábito, calma e facilidade para o recolhimento (28, 7); portanto, revê, agradece, suplica… Por outro lado, a Santa continua ainda, no final destes capítulos, a insistir na importância deste acostumar-se, empenhar-se… mas acrescenta um importante pormenor cronológico: “em um ano e talvez em meio, saireis com lucro, com o favor de Deus” (29, 8). Uma vez mais, reflecte, ora…
7. A Santa dedica o começo do cap. 29 (1-3) a um tema talvez surpreendente: “Do pouco em que se há-de ter o ser favorecidas pelos prelados” (título). Estes parágrafos, tão parecidos ao que tratou nos caps. 12-15, que função têm aqui? Servem para pôr em evidência um pressuposto absoluto: quem tenha o centro de gravidade da própria vida fora de si, seja no que for (mas muito mais no campo afectivo), frustra de antemão toda a entrada na oração e recolhimento. Não poderá instalar-se dentro de si, no seu espaço interior, pois encontrar-se-ia com uma interioridade fragmentada e descentrada 5 . Portanto, se acha que ali não foi suficientemente considerado (cap. 12-15), voltar a fazê-lo agora.
Além disso, não há dúvida de que estes breves parágrafos acrescentam ainda pormenores originais ao que se trata nos capítulos 12-15, tanto com o que diz em 29, 1 (veja-se), como, por outro lado, quando afirma “quanto menos consolações exteriores, mais mercês vos fará (29,2), visto que:
Choca enormemente tanto falar sobre a pobreza material e espiritual (dada a semelhança que tem com o despojo, o amor kenótico e a cruz de Cristo) com a enorme dificuldade que temos em reconhecer a presença de Deus nos nossos fracassos pessoais, comunitários e apostólicos. A leitura cristã da vida inclui a possibilidade de que o padecer, o negar-se a si mesmo seja lugar de bênção e de encontro com Deus. Na vida dos nossos fundadores, muitas vezes se lhes torceu o caminho e se encontraram com dificuldades, com fracassos e, no entanto, reconheceram que era aquele o caminho pelo qual Deus os conduzia com braço poderoso e mão estendida. No entanto, quando os nossos projectos e planos fracassam, não costuma brotar espontaneamente em nós o reconhecimento de que somos pobres e que, por conseguinte, tudo esperamos de Deus; que o Senhor talvez nos queira levar por outro caminho; que só Ele constrói a casa, não o nosso engenho, a nossa planificação. Muito mudaria o ambiente espiritual das comunidades, congregações e equipas de trabalho apostólico se lêssemos desde esta perspectiva os nossos dissabores; se isto nos levasse a ter um coração mais desprendido, mais confiado em Deus, mais abandonado nas Suas mãos. Se, em lugar de procurar culpáveis, reclamar responsabilidades, submeter a juízos sumaríssimos, quer pública, privada ou interiormente, e, por conseguinte, pôr em perigo a comunhão, os nossos fracassos levar-nos-iam a crescer juntos vocacionalmente, a aprofundar a nossa oração, a purificar as nossas intenções, a fomentar uma permuta espiritual mais profunda 6 .
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1 T. ÁLVAREZ, Paso a paso. Leyendo a Teresa con su Camino de Perfección, p. 190.
2 Ibid. p.184.
3 A propósito deste imaginar, fazer “de conta que dentro de nós há um palácio de enormíssima riqueza…” (28, 9). Não esquecer, face à futura leitura do livro da Moradas, que escreveu este parágrafo (e V40, 5) mais de dez anos antes de afirmar: “estando eu hoje suplicando a Nosso Senhor que falasse por mim… ofereceu-se-me o que agora direi para começar com algum fundamento: que é considerar a nossa alma como um castelo, todo ele de um diamante ou mui claro cristal” (1M 1,1).A seu tempo, haverá que indagar sobre este ‘desfasamento cronológico’.
4 Além do exercício concreto que isto supõe e, portanto, da revisão a que nos convida, o P. Tomás vê nisso uma ajuda fundamental contra ‘o risco de introversão’ (Paso a paso…pp. 194-195); para os que puderem ter acesso a estás páginas, seria muito aconselhável que também as trabalhassem detidamente.
5 Ibid. pp. 191-192.
6 G. URIBARRI BILBAO: Portar las marcas de Jesús. Teología de la espiritualidad da la vida consagrada, DDB, Madrid 2001, p.338.
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