terça-feira, 24 de agosto de 2010

Capítulo 27 a 29


Capítulo 27

Trata do outro modo pelo qual o Senhor ensina a alma e, sem falar, a faz entender Sua vontade de maneira admirável. Fala também de uma visão e da grande graça que recebeu do Senhor. Este capítulo é muito importante.

1. Voltando ao relato da minha vida, eu estava1 com grandes aflições e faziam por mim, como eu disse,2 muitas orações, para que o Senhor me levasse por um caminho mais seguro, visto ser aquele, como diziam, muito suspeito. Verdade é que, embora eu o suplicasse a Deus e por mais que desejasse outro caminho, eu via minha alma tão melhorada, exceto em algum momento em que estava muito cansada das coisas que me diziam e dos receios que me inspiravam, que não estava em minhas mãos desejá-lo, embora eu sempre pedisse.

Eu me via inteiramente transformada; eu não podia,3 mas me punha nas mãos de Deus, porque Ele sabia o que me convinha, para que cumprisse em mim na íntegra a Sua vontade. Eu percebia que por esse caminho rumava para o céu e que antes marchara para o inferno; que tinha de desejar isso sem acreditar que fosse do demônio, mas não me podia forçar, embora fizesse o que estava ao meu alcance para crer nisso e para desejar outro caminho, pois não estava nas minhas mãos. Eu oferecia o que fazia, quando era alguma boa obra, por essa intenção. Recorria a santos devotos para que me livrassem do demônio. Fazia novenas; encomendava-me a Santo Hilarião, ao anjo São Miguel, pelo qual voltei a ter devoção, importunando muitos outros santos para que, com a sua intercessão, o Senhor me esclarecesse.

2. Passados dois anos, durante os quais fiz todas essas orações, ao lado de outras pessoas, para que o Senhor me levasse por outro caminho ou declarasse a verdade — porque eram muito contínuas as vezes que, como eu disse,4 o Senhor falava comigo — aconteceu-me o seguinte. Estando no dia do glorioso São Pedro dedicada à oração, vi perto de mim, ou, melhor dizendo, senti, porque com os olhos do corpo ou da alma nada vi, Cristo ao meu lado. Parecia-me que Ele estava junto de mim, e eu via ser Ele que, na minha opinião, me falava.

Dada a minha grande ignorância sobre a possibilidade de semelhante visão, senti grande temor no início, e a única coisa que fiz foi chorar, embora, ouvindo do Senhor uma só palavra de segurança, ficasse em meu estado habitual, em quietude, consolada e sem nenhum temor. Parecia-me que Jesus Cristo sempre estava ao meu lado; e, como não era visão imaginária,5 não percebia de que forma. Mas sentia com clareza tê-Lo sempre ao meu lado direito, como testemunha de tudo o que eu fazia. Nenhuma vez em que me recolhesse um pouco ou não estivesse muito distraída eu podia ignorar que Ele estava junto de mim.

3. Muito aflita, corri ao meu confessor para lhe contar. Ele me perguntou em que forma eu via Cristo. Eu disse que não O via. Ele me perguntou como eu sabia que era Cristo. Respondi que não sabia como, mas que não podia deixar de perceber que Ele estava junto de mim, pois O via e sentia com clareza. O recolhimento da alma era muito maior na oração de quietude, e muito mais intenso, sendo os efeitos muito diferentes dos que eu costumava ter. Isso era muito evidente.

Para me explicar, eu só podia recorrer a comparações; e é certo que, para esse modo de visão, não me parece haver comparação adequada. Assim como é uma visão das mais sublimes (como depois me disse um santo homem de grande espírito, Frei Pedro de Alcântara, de quem depois farei menção,6 bem como outros grandes eruditos, que me alertaram para o fato de ser ela a visão em que o demônio menos se pode imiscuir), assim também não há termos para descrevê-la, pelo menos por nós, pobres ignorantes, porque os eruditos melhor o explicarão. Porque, se digo que não O vejo com os olhos do corpo nem da alma,7 por não ser visão imaginária, como percebo e afirmo com mais clareza que está perto de mim do que se O visse?

Não ajuda muito dizer que é como uma pessoa que está no escuro e não vê outra que está ao seu lado, ou como uma pessoa cega; isso tem alguma semelhança, mas não muita, porque nesse caso é possível percebê-la com os sentidos, ouvi-la falar ou mexer-se, ou mesmo tocá-la. No caso de que trato, não há nada disso, nem se vê escuridão; a presença é percebida pela alma com mais clareza do que o sol. Não digo que se veja o sol ou a claridade. Vemos uma luz que, sem se mostrar na realidade, ilumina o entendimento para que a alma goze de tão grande bem. Ela traz consigo inúmeros benefícios.

4. Não é como a presença de Deus, que é sentida muitas vezes, em especial pelos que têm oração de união e de quietude. Parece que, quando se começa a ter oração, encontra-se imediatamente com quem falar e, pelo visto, percebemos que nos ouve por meio dos efeitos e sentimentos espirituais de grande amor, grande fé, e outras determinações cheias de ternura. Esse grande favor é de Deus, e quem o receber tenha-o em alta conta, porque é uma oração muito elevada, embora não seja visão, sendo a presença de Deus percebida pelos efeitos que, como eu disse, são produzidos na alma, por ser desse modo que Sua Majestade quer dar-se a sentir. Aqui,8 vê-se com clareza que Jesus Cristo, filho da Virgem, está presente. Na outra oração, manifestam--se somente umas influências da Divindade; nesta, percebemos ao lado disso que a Humanidade Sacratíssima nos acompanha e nos quer conceder graças.

5. O confessor me perguntou: quem disse que era Jesus Cristo? Ele mesmo o disse muitas vezes, respondi; mas, antes que Ele me dissesse, já estava impresso no meu pensamento que era Ele. Antes disso, Ele já me dizia, mas eu não O percebia. Se uma pessoa que eu nunca tivesse visto e só conhecesse pela fama viesse me falar, estando eu cega ou numa grande escuridão, e me dissesse quem era, eu acreditaria nela, mas não com a mesma certeza com que o faria se a visse. Nesta oração, sim, sem que vejamos, imprime-se em nós uma evidência tão clara que não me parece haver como duvidar; quer o Senhor que isso esteja tão gravado em nosso entendimento que não possamos duvidar mais do que duvidaríamos do que vemos — e até teríamos mais dúvidas neste último caso, porque algumas vezes resta a suspeita de que tenhamos imaginado; aqui, embora possa haver tal suspeita, a certeza é tão grande que a dúvida não tem força.

6. Assim é também uma outra maneira pela qual Deus ensina a alma, falando-lhe sem falar, como expliquei.9 É uma linguagem tão sublime que mal se pode dar a entender, por mais que o queiramos, se o Senhor, pela experiência, não o ensinar. O Senhor apresenta o que deseja que a alma compreenda no mais profundo do seu íntimo, agindo ali sem imagens nem palavras, mas à maneira da visão já explicada.

E deve-se dar muita atenção a esse modo de Deus fazer com que a alma en tenda o que Ele quer, e grandes verdades e mistérios, porque muitas vezes, quando me explica alguma visão, Sua Majestade quer dizer qual a Sua vontade com relação a mim. Parece-me que, por estas razões, essa é a oração em que o demônio menos pode se intrometer.10 Se elas não são boas, devo estar enganada.

7. É tão espiritual essa espécie de visão e de linguagem que não há nenhuma manifestação nas faculdades nem nos sentidos, o que, a meu ver, impede que o demônio perceba o que vai na alma.11 Isso acontece raras vezes e por breve tempo, porque, em outras, tenho certeza de que as faculdades não estão suspensas nem os sentidos aquietados, mas muito em si. Ou seja, isso não acontece sempre na contemplação, mas muito poucas vezes; nestas, não somos nós que agimos, nem nada fazemos: tudo parece obra do Senhor. É como se sentíssemos no estômago um alimento que não ingerimos; percebemos que está ali, mas não sabemos o que é nem quem o pôs. Aqui12 sim; mas como foi posto não o sei, pois não se vê nem se entende, jamais se pensou em desejá-lo nem passou pela cabeça a idéia de que isso fosse possível.

8. Nas palavras de que já falei,13 Deus obriga o intelecto, mesmo a contragosto, a prestar atenção, entendendo o que é dito; a alma parece ter outros ouvidos de ouvir, ouvidos que a fazem escutar e impedem que se distraia: é como alguém que ouvisse bem e fosse proibido de tapar os ouvidos. Se pessoas falassem perto dele, ainda que não quisesse, ele haveria de ouvir. De qualquer modo, algo faz, pois está atento para compreender o que é falado.

No caso em questão, nem essa pouca participação permitida no passado, simplesmente escutar, permanece. A alma encontra tudo cozido e comido; só lhe resta aproveitar, como alguém que, sem ter aprendido nem se esforçado para saber ler, e sem estudar nada, encontrasse toda a ciência dentro de si, sem saber como nem de onde ela veio parar ali, visto que jamais fez qualquer coisa mesmo para aprender o alfabeto.

9. Parece-me que esta última comparação explica algo deste dom celestial, porque a alma se vê, num átimo, sábia e tão instruída sobre o mistério da Santíssima Trindade e de outras coisas muito elevadas que não há teólogo com quem ela não se atrevesse a argumentar acerca da verdade dessas grandezas. É tamanho o espanto que basta uma graça dessas para provocar uma reviravolta na alma, levando-a a não amar senão Aquele que ela vê, sem nenhum trabalho seu, torná-la capaz de tão grandes bens, comunicando-lhe segredos e tratando com ela com tanta amizade e amor que não é possível descrever. O Senhor concede alguns favores que, por serem tão admiráveis e dados a quem tão pouco os merece, trazem consigo uma suspeita que, se a fé não for muito viva, impede a alma de acreditar neles.

Por isso, se não me ordenarem outra coisa, pretendo falar de algumas graças que o Senhor me tem concedido; vou me limitar a algumas visões que possam ser de algum proveito ou sirvam para que a pessoa a quem o Senhor as conceder não se espante, julgando-o impossível, como fazia eu. Poderão também servir para explicar o modo como o Senhor me conduziu e o caminho pelo qual me levou, porque é isso que me mandam escrever.

10. Voltando agora a esta maneira de compreender, parece que o Senhor quer de todo modo que a alma saiba algo do que se passa no céu; tenho a impressão de que, assim como lá é possível compreender sem que ninguém fale (o que eu nunca soube com certeza até que o Senhor, pela Sua bondade, quis que eu visse e me mostrou num arroubo), assim também aqui Deus se entende com a alma, bastando que Sua Majestade o deseje; não são usados artifícios para que se compreenda o amor que une esses dois amigos.

É como o que acontece no mundo quando duas pessoas têm um grande amor mútuo e se entendem muito bem, sem nem precisar de sinais, sendo suficiente que olhem uma para a outra. Creio que assim ocorre nesta maneira de entender, porque, sem que percebamos, estes dois amantes se olham, face a face, como diz o Esposo à Esposa noCântico dos Cânticos,14 ou ao menos acho que ouvi dizer que é aí que diz.

11. Ó benignidade admirável de Deus, que assim Vos15 deixais mirar por olhos que se dedicaram a tanto mal como os de minha alma! Que eles, Senhor, diante desta visão, se acostumem a não olhar coisas baixas, nem se contentem senão Convosco! Ó ingratidão dos mortais! A que ponto há de chegar? Sei por experiência que é verdade o que digo, sendo bem pouco o que se pode dizer do que fazeis a uma alma que levais a essa condição. Ó almas que começastes a fazer oração e que tendes verdadeira fé, que bens podeis buscar nesta vida que sejam iguais ao menor dos bens celestiais, sem falar no que se ganha para a eternidade?

12. Deus com certeza se dá a todos os que deixam tudo por Ele. Ele não faz distinção entre as pessoas,16 pois ama a todas; ninguém pode dizer que Ele aja de outra maneira, por pior que seja a pessoa, já que assim foi comigo, tendo me elevado a esse estado. O que digo nada vale diante do que se po deria dizer; só falei do que é imperativo para se explicar esta maneira de visão e de graças que Deus concede à alma. Mas não posso falar do que se sente quando o Senhor revela segredos e grandezas Suas, dos prazeres tão superiores a todos os do mundo, prazeres que com razão nos fazem aborrecer os deleites da vida, que não passam de lixo. O simples fato de evocá-los aqui para fins de comparação já me dá náuseas, mesmo que eu os pudesse aproveitar por toda a eternidade, enquanto estes que o Senhor dá são apenas uma gota do grande rio caudaloso que está preparado para nós.17

13. Isso nos causa vergonha — com certeza causa a mim. Se fosse pos sível haver confusão no céu, eu com razão estaria lá mais confusa do que todos. Por que havemos de querer tantos bens, deleites e glórias por todo o sempre à custa do bom Jesus? Não vamos ao menos chorar com as filhas de Jerusalém,18 já que não O ajudamos a levar a cruz, como o Cireneu? Ha veremos de gozar com prazeres e diversões o que Ele conseguiu para nós vertendo tanto sangue? É impossível. E pensamos remediar com vãs honrarias o desprezo que Ele sofreu para que nós pudéssemos reinar para sempre? Não tem cabimento; agindo assim, errado, erradíssimo, é o caminho; nunca chegaremos lá.

Apregoe vossa mercê19 essas verdades, pois Deus me tirou essa liberdade. Eu gostaria de repeti-las sempre para mim, mas muito demorei a ouvir--me e a entender a Deus, como se verá no que escrevo.20 Por isso, tenho grandes dificuldades para falar delas, razão por que vou me calar, dizendo apenas uma coisa que às vezes considero. Queira o Senhor conceder-me um dia o favor de gozar desse bem.

14. Que glória acidental será, e que contentamento, a dos bem-aventurados que já gozam disso quando virem que, embora tarde, não deixaram de fazer por Deus o que puderam, e nada lhe negaram, dando-Lhe de todas as maneiras que puderam, de acordo com as suas forças e o seu estado. E quem mais tiver feito tanto mais receberá! Quão rico ficará quem deixou todas as riquezas por Cristo. Que honrado será quem não quis honra por amor a Ele, mas se comprazia21 em ver-se muito abatido! Quão sábio quem folgou por ver que o tinham por louco, pois o levaram à própria Sabedoria! Quão poucos assim há agora, devido aos nossos pecados! Sim, parece que se acabaram aqueles que as pessoas tinham por loucos ao vê-los realizar façanhas heróicas de verdadeiros amantes de Cristo. Ó mundo, mundo, como tens ganho honras por haver poucos que te conheçam!

15. E, no entanto, pensamos que se serve mais a Deus se se é considerado sábio e discreto! Sem dúvida assim é, a julgar pela moda da discrição. Desse modo, parece-nos pouco edificante não ter muita compostura e dignidade, cada qual em seu estado. Até o frade, o clérigo e a monja têm a impressão de que usar hábitos velhos e remendados é uma novidade, um escândalo para os fracos, ocorrendo o mesmo com o recolhimento e a oração. O mundo está de tal maneira, e estão tão esquecidas as coisas da perfeição e os grandes fervores que os santos tinham, que não se vê que o pretenso escândalo causado por religiosos que mostrem em obras o que dizem com palavras — a pouca importância que se deve dar ao mundo — não contribui tanto para as desventuras desta época quanto o desejo de ser tido por sábio e discreto.

Desses pretensos escândalos o Senhor obtém grandes proveitos. E, se uns se escandalizam, outros se arrependem. Quem dera houvesse ao menos um esboço do que Cristo e os Seus apóstolos passaram nesta nossa época, que mais do que nunca precisa disso!

16. E que bom modelo Deus nos levou agora no bendito Frei Pedro de Alcántara! O mundo não consegue suportar tanta perfeição. Fala-se que a saúde está mais fraca e que são outros os tempos. Esse santo homem viveu nesta época, mas o seu espírito era vigoroso como nos outros tempos; ele tinha o mundo sob os pés. Mesmo que não andemos descalços nem façamos penitências tão duras quanto ele, há muitas coisas, como eu já disse outras vezes,22 com que se desprezar o mundo; quando vê disposição, o Senhor as ensina. E que grande coragem Sua Majestade deu a esse santo de que falo, que, como todos sabem, fez durante quarenta e sete anos uma áspera penitência! Quero dizer algo sobre isso, pois sei que é pura verdade.

17. Ele me contou, e a outra pessoa,23 para a qual não tinha segredos (quanto a mim, a causa de me dizer foi o amor que me tinha, amor que o Senhor nele inspirou para que cuidasse de mim e para me animar num momento de muita necessidade, como eu disse e direi24): pelo que me lembro, ele disse que por quarenta anos dormiu apenas uma hora e meia por dia. Contou que no início a sua maior penitência foi vencer o sono e que, para isso, ficava sempre de joelhos ou de pé; quando dormia, era sentado, com a cabeça encostada a um pedaço de madeira que tinha pregado na parede. Ainda que quisesse, não podia deitar-se, porque a sua cela, como se sabe, não tinha nem um metro e meio. Em todos esses anos, nunca se cobriu com um capuz, por mais fortes que fossem o sol ou a chuva, nunca cobriu os pés e só vestia o corpo com um hábito de saial sem nada mais sobre a carne. Tratava-se de um hábito bem apertado, por cima do qual ele usava um pequeno manto do mesmo pano.

Ele me contou que tirava o manto quando fazia muito frio e deixava a porta e o postigo da cela abertos, a fim de que, pondo depois o manto e fechando a porta, o corpo fosse contentado e ficasse sossegado com algum abrigo. Ele costumava comer somente de três em três dias, afirmando ainda que isso não era motivo de espanto, por ser muito possível a quem se acostumasse. Um companheiro seu me contou que ele às vezes passava oito dias sem comer. É provável que isso ocorresse quando ele estava em oração, porque tinha grandes arroubos e ímpetos de amor de Deus, como testemunhei certa feita.25

18. Era extrema a sua pobreza; na mocidade, foi tamanha a sua mortificação que, segundo me contou, aconteceu de passar três anos numa casa de sua Ordem sem conhecer nenhum frade a não ser pela fala; porque jamais levantava os olhos. Ele não conhecia os lugares a que por necessidade tinha de ir, pois seguia os outros frades. Fazia o mesmo em todos os caminhos. Nunca olhou uma mulher — e isso por muitos anos. Disse-me que pouca diferença fazia para ele ver ou não ver; mas era muito velho quando o conheci,26 e tão extrema a sua fraqueza que parecia feito de raízes de árvores.

Com toda essa santidade, era muito afável, se bem que de poucas palavras, a não ser quando falavam com ele. Sua conversa era muito agradável, por ser grande a sua compreensão. Quisera dizer muitas outras coisas, mas tenho medo de que vossa mercê pergunte por que me intrometo nisso, e foi temerosa que o escrevi. Concluo, pois, dizendo que o seu fim foi como a sua vida; ele morreu pregando e admoestando seus religiosos. Quando viu que tinha chegado a sua hora, disse o salmo Laetatus sum in his quae dicta sunt mihi (Alegrei-me com o que foi dito)27e, de joelhos, expirou.

19. Depois disso, o Senhor tem permitido que eu tenha mais ajuda dele do que tive em vida; ele me aconselha em muitas coisas. Vi-o muitas vezes com imensa glória. Da primeira vez em que me apareceu, ele me disse que fora feliz a penitência que lhe granjeara tamanha recompensa, e muitas outras coisas. Um ano antes de morrer, ele me apareceu, embora estivesse ausente.28 Assim, eu soube que ele havia de morrer e mandei que o avisassem, estando ele a alguns quilô me tros daqui. Quando expirou, ele me apareceu e disse-me que ia entrar em seu descanso.29 Eu não acreditei e contei a algumas pessoas; oito dias depois, chegou a notícia de que morrera ou, melhor dizendo, começara a viver para sempre.

20. Eis acabada essa vida tão áspera com glória tão imensa. Acho que agora ele me consola mais do que quando estava aqui. O Senhor me disse uma vez que concederia em nome desse Santo tudo o que Lhe pedissem. Muitas coisas que lhe encomendei que pedisse ao Senhor vi ser realizadas. Bendito seja para sempre, amém.

21. Mas para que falar tudo isso? Não é para despertar vossa mercê para que não estime em nada as coisas desta vida! Como se vossa mercê não o soubes se ou não estivesse determinado a tudo deixar, tendo já posto mãos à obra!

Digo-o porque vejo tanta perdição no mundo que, embora dizê-lo não sirva senão para que eu me canse de escrever, falar isso é descanso, ainda que tudo isso seja contra mim. Que o Senhor perdoe as minhas ofensas nesse caso, e que vossa mercê, a quem canso sem motivo, também o faça. Parece que desejo que vossa mercê faça penitência pelos pecados que eu cometi nesta matéria.


Capítulo 28

Narra as grandes graças que o Senhor lhe concedeu e

como Ele lhe apareceu a primeira vez. Explica o que é visão imaginária. Fala dos grandes efeitos e sinais que a visão deixa quando vem de Deus. Este capítulo é muito proveitoso e importante.



1. Voltando ao nosso propósito,1 durante alguns dias a visão permaneceu, sendo-me tão proveitosa que eu não saía da oração e, mesmo quando o fazia, buscava que fosse de modo a não descontentar a quem claramente o tes­temunhava. E, embora eu às vezes temesse, devido às tantas coisas que me diziam,2 pouco durava o medo, porque o Senhor me dava tranqüilidade.

Certo dia em que eu estava em oração, quis o Senhor mostrar-me apenas as Suas mãos; era tamanha a sua formosura que eu não consigo descrevê-las. Isso me deixou muito temerosa, porque qualquer novidade em termos de gra ça sobrenatural que o Senhor me concede muito me assusta no princípio. Há pou cos dias, vi também o rosto divino, que, ao que parece, me deixou in tei ra mente absorta. Eu não podia compreender por que o Senhor se mostra­va assim, pouco a pouco, se haveria de me fazer a graça de vê-Lo por inteiro, mas vim a entender que Sua Majestade me conduzia segundo minha fraqueza natural. Bendito seja para sempre, porque tanta glória junta era insuportável para criatu ra tão baixa e vil, razão por que, sabendo disso, o piedoso Senhor ia me prepa rando.

2. É provável que vossa mercê ache que não era preciso muito esforço para ver mãos e rosto tão formosos. Mas os corpos glorificados são tão belos que a glória que traz consigo a visão de coisa tão sobrenaturalmente formosa nos perturba; e, assim, isso me deixava cheia de temor, confusa e inquieta, se bem que, mais tarde, me viessem uma certeza e uma segurança tais que eu logo perdia o temor.

3. Num dia de São Paulo, durante a missa, essa Humanidade sacratíssima se apresentou a mim por inteiro, tal como é representado ressuscitado; sua formosura e majestade eram como eu já disse a vossa mercê, seguindo ordem vossa. E me custou muito fazê-lo, porque não há como descrevê-las sem as desmerecer; mas expliquei da melhor maneira que pude,3 não havendo por que repeti-lo. Digo somente que, se no céu não houvesse senão a formosura dos corpos glorificados para deleitar a vista, seria imensa a glória especial de ver a Humanidade de Jesus Cristo Nosso Senhor. Se aqui na terra Sua Majestade se mostra na medida do que pode suportar a nossa miséria, como se mostrará Ele ali onde se goza a plenitude desse bem?

4. Embora essa visão seja imaginária, nunca a vi com os olhos corporais, nem a alguma outra, mas com os olhos da alma.

Os que sabem mais do que eu dizem que a visão anterior é mais perfeita do que essa, que é muito maior do que as que se vêem com os olhos do corpo, consideradas as mais baixas,4 aquelas que mais admitem ilusões do demônio. Como eu não podia entender isso, desejava, quando me era concedido esse favor, ver com os olhos corporais, para que o confessor não me dissesse que eu estava enganada. Depois que ela acabava, acontecia-me, imediatamente depois, pensar que tinha de fato me enganado, ficando aflita por tê-lo dito ao confessor, achando que o tinha enganado. Eu caía em prantos, voltava a ele e contava-lhe as minhas dúvidas. Ele me perguntava se eu pensava que lhe dizia a verdade ou se o tinha querido enganar. Eu lhe dizia a verdade, pois a meu ver não tinha mentido nem o pretendera; por nenhuma coisa deste mundo eu usaria de enganos. Ele bem o sabia e, assim, procurava tranqüilizar-me, e eu sentia muito por ir procurá-lo com essas ninharias, que não sei como o demônio conseguia convencer-me de que eram fingimento de minha parte, trazendo-me grande tormento.

Mas o Senhor apressou-Se tanto em me dar essa graça e declarar essa verdade que cedo afastou de mim a dúvida sobre a realidade disso. Mais tarde, vi com muita clareza a minha tolice; porque, mesmo que dedicasse muitos anos a imaginar coisa tão bela, eu não o teria podido nem sabido, já que excede tudo aquilo que se pode pensar aqui, ao menos na brancura e esplendor.

5. Não é um esplendor que deslumbre, mas uma suave brancura e um brilho infuso que dão enorme prazer à vista e não cansam, o mesmo ocorrendo com a claridade que acompanha a visão dessa beleza tão divina. É uma luz tão diferente das do mundo que o clarão do sol que vemos parece sem brilho em comparação com a claridade e a luz que se apresentam à vista. Quase não se quer abrir os olhos depois disso. É como ver uma água muito clara que corre sobre cristal e onde o sol reverbera, comparada a uma água muito turva num dia nublado correndo sobre a terra. Não que se veja o sol ou que a luz se assemelhe à dele; na verdade, parece luz natural, enquanto a solar parece coisa artificial.

É luz que não conhece noite, mas que, como sempre brilha, por nada pode ser ofuscada. Em suma, é de tal maneira que, por maior entendimento que tivesse, ninguém, em todos os dias de sua vida, poderia por si mesmo imaginar como é. E, no entanto, Deus a põe diante de nós num átimo, mal nos dando tempo de abrir os olhos, caso fosse necessário fazê-lo. Pouco importa que estejam abertos ou fechados, porque, quando o Senhor deseja, mesmo que não queiramos, a vemos. Não há distração que a perturbe, nem resistência, nem esforço, nem cuidado. Tenho boa experiência disso, como direi.5

6. Eu desejaria explicar agora o modo como o Senhor se mostra nessas visões; não digo que possa explicar a maneira pela qual essa luz tão forte se imprime nos sentidos interiores, nem como o nosso intelecto percebe imagem tão clara, que verdadeiramente parece estar ali, por ser isso assunto de eruditos. O Senhor não me quis dar a entender de que forma isso acontece; e sou tão ignorante e de entendimento tão grosseiro que, embora me tentassem explicá-lo, ainda não o consegui entender.

É verdade, muito embora vossa mercê tenha a impressão de que há em mim vivacidade de espírito; porque já passei por isso muitas vezes e só o compreendo, como dizem, o que me é dado mastigado. Algumas vezes, o meu confessor se espantava com as minhas ignorâncias, pois jamais entendi, nem desejei entender, como Deus fazia isso ou como isso era possível, nem nunca o perguntei, embora, como eu disse,6 de alguns anos para cá tenha tratado com bons letrados. Eu só perguntava se uma coisa era ou não pecado. Quanto ao mais, bastava-me pensar que Deus tinha feito tudo e logo via que não tinha por que me admirar, mas razões para louvá-Lo. As coisas difíceis até me levam à devoção, e, quanto mais difíceis, tanto mais o fazem.

7. Falarei, pois, do que vi por experiência. Como o Senhor o faz, vossa mercê o explicará melhor, elucidando tudo o que estiver obscuro e eu não souber dizer. Bem me parecia, em algumas coisas, que o que eu via eram imagens; mas, por muitas outras razões, eu achava que era o próprio Cristo, de acordo com a clareza com que era servido mostrar-se a mim. Em algumas ocasiões, a visão era tão confusa que me parecia imagem, mas não semelhante aos quadros da terra, por mais perfeitos que sejam, pois destes vi muitos, e belos;7 pensar que uns e outros são semelhantes é disparate, pois se parecem tanto quanto uma pessoa viva com seu retrato, já que este, por melhor que seja, não pode ser tão natural, sendo perceptível que não passa de coisa morta. Mas deixemos isso de lado, que já está bem explicado e é tal como digo.

8. O que digo não é uma comparação, pois elas nunca são tão cabais, mas a pura verdade: há de fato uma diferença como a existente entre o vivo e o pintado — nem mais nem menos. Porque, se for imagem, é imagem viva, não um homem morto, mas o Cristo vivo. Ele dá a entender que é homem e Deus, mostrando-se não como estava no sepulcro, mas com a aparência com que saiu dele ao ser ressuscitado. Ele vem por vezes com tanta majestade que não há quem possa duvidar de que se trata do próprio Senhor, em especial quando acabamos de comungar, pois já sabemos que está ali, visto que a fé assim nos diz. Ele se apresenta tão senhor daquela pousada que parece que a alma toda desfeita se vê consumir em Cristo.

Ó Jesus meu, quem poderia explicar a majestade com que Vos mostrais? E quão Senhor de todo o mundo, dos céus, de outros mil mundos, e de mundos e céus sem conta que poderíeis criar! A alma compreende que, diante da majestade com que Vos representais, nada é para Vós serdes Senhor do universo.

9. Aqui se vê com clareza, Jesus meu, o pouco poder de todos os demônios diante do Vosso; na verdade, quem Vos contenta pode pisar em todo o inferno. Vê-se a razão que os demônios tiveram de temer quando fostes ao limbo, sendo eles obrigados a desejar mil outros infernos mais inferiores para fugir de tão grande majestade. E percebo que quereis dar a entender à alma quão grande sois e que poder tem essa Sacratíssima Humanidade unida à Divindade. Vemos muito bem como será, no dia do Juízo, ver a majestade desse Rei e o seu ri gor para com os maus. Aqui, a visão deixa na alma a verdadeira humildade, pois esta vê sua miséria e não a pode ignorar. Aqui, ocorrem a confusão e o verdadeiro arrependimento dos pecados; a alma, mesmo vendo tantas mostras de amor, não sabe onde se esconder, e se desfaz toda.

Essa visão tem força tão imensa que, quando o Senhor quer mostrar à alma grande parte de Sua grandeza e majestade, é impossível (se o Senhor, de maneira muito sobrenatural, não quisesse ajudar a alma pondo-a em arroubo e êxtase, onde ela perde de vista, com o prazer que sente, a visão daquela presença divina) que alguém possa suportá-la.

É verdade que se esquece depois? A majestade e a formosura ficam tão impressas que só se pode esquecer quando o Senhor deseja que a alma padeça de uma aridez e de uma imensa solidão de que vou falar,8 porque, nesse caso, ela parece esquecer-se até de Deus. A alma se transforma, sempre embebida; parece-lhe que começa a amar Deus com um novo amor vivo muito elevado. E, embora a visão passada de que falei,9 que representa Deus sem imagem, seja mais elevada, esta última é mais adequada à nossa fraqueza, pois dura mais na memória e traz bem ocupado o pensamento, porque deixa representada e impressa na imaginação presença tão divina.

E quase sempre vêm juntos esses dois tipos de visão. E é bom que venham, porque, com os olhos da alma, vemos a excelência, a formosura e a glória da Santíssima Humanidade, e, da outra maneira aludida, percebemos como é Deus e quão poderoso, vemos que Ele tudo pode, tudo ordena, tudo governa e tudo enche com o Seu amor.

10. É muito boa essa visão e, a meu ver, desprovida de perigo, porque se percebe, nos seus efeitos, que aqui o demônio não tem força. Tenho a impressão de que por três ou quatro vezes o demônio tentou me apresentar o Senhor numa representação falsa em que Este toma a forma de carne, mas, quando é assim, a visão nada tem que se compare com a glória que emana da que vem de Deus. O demônio faz representações para desfazer a verdadeira visão que a alma teve; esta, contudo, resiste, sente-se perturbada, desabrida e inquieta, perdendo a devoção e o gosto que antes tinha, além de ficar sem oração.

Isso me aconteceu, como eu disse,10 três ou quatro vezes no princípio. Trata-se de coisa tão diversa que até pessoas que só tiveram oração de quie tude são capazes de entender a diferença, com base nos efeitos das falas a que já me referi.11 É coisa muito conhecida, e a alma que não quer se deixar enganar e que tem humildade e simplicidade não poderá, a meu ver, ser ilu dida. Quem já experimentou uma verdadeira visão de Deus o perceberá quase imediatamente; porque, embora comece com regalos e satisfação, essa falsa visão logo é rejeitada pela alma. Isso porque, a meu ver, o gosto deve ser diferente, e a visão não tem aparência de amor puro e casto, revelando--se em breve de quem vem. Por isso, creio que onde há experiência o demônio não pode causar prejuízo.

11. É completamente impossível que isso seja imaginação; isso a nada leva, porque só a formosura e a brancura de uma mão superam tudo o que possamos imaginar; é claramente impossível à alma ver presentes, de repente, coisas em que nunca pensou e de que não se lembra, e que mesmo em muito tempo não poderiam ser concebidas pela imaginação, por serem muito mais sublimes — como eu já disse —12 do que se pode compreender no mundo. E, mesmo que o pudéssemos, a sua origem seria claramente perceptível pelo que vou dizer.

Se fosse produzido pelo intelecto, isso não deixaria os grandes efeitos de que falei nem geraria frutos, pois seria a situação de alguém que quisesse dormir, mas permanecesse desperto porque o sono não veio. Essa pessoa, sentindo necessidade de dormir ou a cabeça fraca, e querendo adormecer, esforça-se por consegui-lo; depois de algum tempo, às vezes parece conseguir algum resultado. Contudo, se não for verdadeiro, o sono não se sustenta nem fortalece a cabeça, deixando-a em certas ocasiões mais atordoada. É mais ou menos o que acontece na visão falsa: a alma fica confusa, sem sustento e sem força, cansada e desgostosa. Na visão verdadeira, não posso exagerar a riqueza que fica; o próprio corpo recebe dela saúde e conforto.

12. Eu arrolava essa e outras razões quando me diziam que minhas visões vinham do demônio e que eu me enganava — e o faziam muitas vezes —, explicando-o por meio de comparações de acordo com o que o Senhor me explicava. Mas isso era em vão, porque, como havia pessoas muito santas neste lugar (sendo eu, em comparação, uma pessoa perdida) que não eram levadas por Deus por esse caminho, logo surgia nelas o temor. Ao que parece, os meus pecados eram a causa disso. Estes eram transmitidos de umas para as outras, de modo que todas vinham a saber sem ouvir de mim, visto que eu só os contava ao meu confessor ou a quem ele me mandava que contasse.

13. Eu lhes disse uma vez que, se os que falavam isso me dissessem que uma pessoa com quem eu acabasse de falar, e conhecesse muito, não era ela mesma e que eu me enganava, eu acreditaria mais neles do que naquilo que tinha visto. Mas que, se a pessoa em questão deixasse comigo algumas jóias como prova do seu grande amor por mim, ficando eu — antes pobre e sem nenhuma jóia — rica, eu não poderia acreditar neles, mesmo que quisesse. E eu poderia mostrar a eles essas jóias, porque todos os que me conheciam viam que sem dúvida a minha alma se transformara — e assim o dizia meu confessor. A diferença era muito grande em todas as coisas, nada tendo de dissimulação, mas sim de uma clareza que todos podiam ver. Eu dizia que, tendo sido antes tão ruim, não podia acreditar que o demônio, para me enganar e me levar ao inferno, empregasse um recurso tão contrário como era tirar-me os vícios e imprimir em mim virtudes e forças. E eu percebia claramente que essas coisas me deixavam modificada por inteiro.

14. Meu confessor, que era um padre bem santo da Companhia de Jesus,13 dizia, segundo eu soube, o mesmo que eu. Ele era muito discreto e humilde; e essa humildade tão grande me deu muito trabalho, porque, embora ele fosse homem de muita oração e deveras instruído, não tomava a si mesmo por critério, já que o Senhor não o conduzia por esse caminho.14 Ele sofreu muito, e de muitas maneiras, por minha causa. Eu soube que lhe diziam que se acautelasse de mim e que não deixasse o demônio enganá-lo para fazê-lo acreditar em alguma coisa do que eu lhe dizia. Davam-lhe exemplos de outras pessoas. Tudo isso era muito cansativo para mim, que vivia temendo não ter com quem me confessar, que todos fugissem de mim. A única coisa que eu fazia era chorar.

15. Foi pela providência divina que ele quis continuar a me atender; era um servo de Deus tão virtuoso que tudo faria por Ele. Dizia-me que não ofendesse a Deus, não me desviasse dos seus conselhos e não temesse que ele me abandonasse; sempre me animava e acalmava. Ordenava-me sempre que não lhe escondesse nada, e eu obedecia. Ele me falava que, se eu seguisse isso, mesmo que tudo fosse ação do demônio, eu nenhum dano sofreria, pois antes o Senhor tiraria bem do mal que o demônio quisesse fazer à minha alma; o Senhor sempre procurava aperfeiçoá-la em tudo o que podia.

Como vivia cheia de temor, eu lhe obedecia em tudo, mesmo imperfeitamente; ele muito sofreu comigo durante os três anos e tanto15 em que me confessou, em meio a tantas dificuldades. Porque, nas grandes perseguições que me fizeram, e nas muitas circunstâncias em que o Senhor permitiu que me julgassem mal, na maioria das vezes sem que eu tivesse culpa, as pessoas o procuravam e lhe lançavam a culpa, apesar de ele ser totalmente inocente.

16. Teria sido impossível, se não fosse tão santo, nem fosse animado pelo Senhor, suportar tanto, porque ele tinha de responder aos que pensavam que eu estava perdida e não lhe davam crédito; por outro lado, ele precisava me tranqüilizar e tirar de mim o medo que eu trazia, se bem que infundindo--me um temor ainda maior. Além disso, ele tinha de me acalmar depois de cada visão, porque, como isso era uma coisa nova, Deus permitia que eu tivesse, no final, muito medo. Tudo isso se deve ao fato de eu ter sido tão pecadora, o que ainda sou. Ele me consolava com muita piedade e, se tivesse confiança em si mesmo, eu não teria padecido tanto. Porque Deus lhe fazia entender toda a verdade e, creio eu, lhe dava luz no Sacramento.16

17. Os servos de Deus que não se sentiam seguros relacionavam-se muito comigo.17 Eu falava por simplicidade coisas que eles interpretavam de outra maneira, razão por que o que eu dizia sem maiores considerações lhes parecia falta de humildade. Eu gostava muito de uma dessas pessoas, porque a minha alma tinha para com ela uma dívida infinita e por ser ela muito santa; eu sentia muito ao ver que ela não me entendia, mesmo desejando com grande ardor que eu me beneficiasse e fosse iluminada pelo Senhor. Quando me faziam perguntas, eu respondia com simplicidade e de modo descuidado, e elas logo imaginavam que eu queria ensinar-lhes e me fazer de sábia. Tudo chegava aos ouvidos do meu confessor, porque, é claro, elas desejavam o meu bem; e ele ralhava comigo.

18. Duraram muito tempo esses tormentos, que vinham de todos os lados, mas que passavam com as graças que o Senhor me concedia. Digo isso para que se entenda a grande dor que é não contar com quem tem experiência nesse caminho espiritual, pois se o Senhor não me favorecesse tanto, não sei o que teria sido de mim. Não faltavam coisas para me tirar o juízo, e algumas vezes eu me via em situações em que só me restava elevar os olhos ao Senhor.

Quando se fala, a oposição de pessoas tão boas a uma mulherzinha ruim e fraca como eu, e temerosa, parece não significar nada. Mas posso dizer que, tendo passado na vida por enormes provações, essa foi das maiores para mim. Queira o Senhor que nisso eu tenha servido de alguma maneira a Sua Majestade; porque estou bem certa de que os que me condenavam e interrogavam estavam a Seu serviço, e que era tudo para maior bem meu.



Capítulo 29

Prossegue no assunto começado e narra algumas grandes graças que o Senhor lhe deu, falando das coisas que Sua Majestade lhe dizia para infundir-lhe confiança e para que respondesse aos que a contradiziam.

1. Fugi muito do assunto, porque falava das razões que nos mostram que essas visões não são imaginação.1 Como nos seria possível representar à custa de esforços a Humanidade de Cristo, reproduzindo com a imaginação Sua grande formosura? E não bastaria pouco tempo para que a nossa criação se assemelhasse um pouco ao seu modelo. É claro que se pode representar na imaginação uma figura, contemplando-a por algum tempo, ver seus traços e a sua brancura, e, pouco a pouco, aperfeiçoá-la e gravá-la na memória. Quem o pode impedir, se o intelecto a pode fabricar? Naquilo que tratamos,2 nada disso é possível, visto termos de contemplá-la quando o Senhor a quer apresentar, e da maneira como Ele quer e da perspectiva que deseja. Não é possível pôr nem tirar nada, nem podemos, por mais que nos esforcemos, conseguir uma maneira de ver quando queremos ou de deixar de ver. Quando se quer olhar alguma coisa particular, logo se perde Cristo de vista.

2. Por dois anos e meio, Deus me concedia com freqüência essa graça, e há mais de três já não a tenho assim, pois Ele a substituiu por uma coisa mais elevada — como talvez eu venha a dizer.3 Vendo que o Senhor falava comigo, e olhando aquela grande formosura e a suavidade das palavras que vinham daqueles lábios belíssimos e divinos — ou, às vezes, o rigor —, eu desejava muito perceber a cor dos Seus olhos e saber a Sua altura para dizer depois, mas nunca o mereci, nem havia esforço capaz de me proporcionar isso, ocorrendo antes a perda da visão do todo.

Algumas vezes, eu O via olhar-me com piedade; mas aquele olhar tem tanta força que a alma não consegue suportá-lo, ficando num arroubo tão ele vado que, para mais fluí-lo por inteiro, deixa de ver aqueles formosos olhos. Assim sendo, pouco importa se desejamos ou não a visão; vê-se com cla reza que o Senhor quer apenas que tenhamos humildade e confusão, que to memos o que nos é dado e louvemos quem o dá.

3. Isso acontece em todas as visões. Nada podemos fazer para ver menos ou mais, nossos esforços nada fazem nem deixam de fazer. Quer o Senhor que reconheçamos de uma vez que não se trata de obra nossa, mas de Sua Majestade, para que fiquemos humildes e temerosos vendo que, assim como o Senhor nos tira o poder de ver o que queremos, assim também pode nos tirar esses favores e graças, deixando-nos inteiramente perdidos, razão por que devemos sempre andar com temor enquanto vivemos neste desterro.

4. Quase sempre o Senhor aparecia a mim em Sua forma de ressuscitado, o mesmo ocorrendo na Hóstia. Algumas vezes, para me revigorar, quando eu passava por tribulações, mostrava-se com as chagas; em outras ocasiões, na cruz e no Horto, e, raramente, com a coroa de espinhos. Eu O via também levando a cruz. Tudo isso, como eu disse, ocorria de acordo com as necessidades minhas e de outras pessoas; mas sempre com a carne glorificada.

Muitas afrontas e desgostos passei por contar essas coisas, para não falar dos temores e das perseguições. Algumas pessoas tinham tanta certeza de que isso vinha do demônio que queriam me exorcizar. Isso não me incomodava muito. Eu sentia quando via que os confessores tinham medo de me confessar ou quando sabia que lhes falavam de mim. No entanto, eu não podia me sentir pesarosa por ter tido essas visões celestiais, nem as trocaria uma única vez por todos os bens e prazeres do mundo; eu sempre as considerava uma grande graça do Senhor, um enorme tesouro, o que o próprio Senhor muitas vezes me garantia.

Eu sentia crescer em mim cada vez mais o amor que tinha por Ele; queixa va-me com Ele de todas essas angústias, e sempre saía consolada, e com novas forças, da oração. Eu não me atrevia a contradizê-los, porque via que seria muito pior, já que tomariam por manifestação de pouca humildade. Eu falava com meu confessor, que, quando me via cansada, sempre me consolava muito.

5. Como as visões foram se multiplicando, uma dessas pessoas, que antes me ajudava4 (era a pessoa com quem eu me confessava quando o mi nistro não podia), começou a dizer que sem dúvida era obra do demônio. Disse-me que, como não era possível resistir, eu sempre fizesse o sinal-da-cruz e figas quando tivesse algu ma visão, tendo certeza de que via o demônio e afugentando-o com isso; disse-me ainda que não tivesse medo, pois Deus me protegeria e livraria daquele mal.

Isso era para mim um grande sofrimento, porque, não podendo acreditar senão que era Deus, era terrível fazê-lo. E eu tampouco podia, como disse,5 desejar ser privada disso; porém, fazia o que me mandavam. Sempre suplicava muito a Deus que me livrasse dos enganos, sempre com muitas lágrimas. Recomendava-me a S. Pedro e a S. Paulo, porque o Senhor me falou pela primeira vez em seu dia,6 dizendo-me que eles me guardariam dos logros. Assim, eu muitas vezes os via muito claramente do meu lado esquerdo, embora não numa visão imaginária. Eu tinha muita devoção por esses santos gloriosos.

6. Causava-me muita aflição fazer figas quando tinha essa visão do Senhor; porque, quando sentia a Sua presença, eu podia ser feita em pedaços antes de crer que era demônio. Assim, isso era uma espécie de penitência bem penosa para mim e, para não fazer tanto o sinal-da-cruz, eu andava com uma cruz na mão.7 Isso eu fazia quase sempre, mas não fazia tanto as figas, porque muito me doía. Eu me recordava das injúrias que os judeus tinham feito ao Senhor e suplicava-Lhe que me perdoasse, pois eu o fazia para obedecer aos que ocupavam o Seu lugar, e que não me culpasse, pois eram os ministros que Ele tinha posto em sua Igreja que o pediam. Ele me dizia que não me importasse e que bem fazia em obedecer, mas que Ele os faria compreender a verdade. Quando fui proibida de fazer oração, pareceu-me que o Senhor ficara descontente. Ele me ordenou que lhes dissesse que aquilo já era tirania. Ele me dava mostras de que não se tratava do demônio; mais tarde falarei de algumas.8

7. Certa vez, estando com a cruz na mão, que eu trazia num rosário, o Senhor a tomou em Suas mãos9 e, quando me devolveu, ela estava formada por quatro pedras grandes muito mais preciosas que diamantes, incomparáveis, pois quase não se pode comparar o visível com o sobrenatural; diante das pedras preciosas lá de cima, o diamante parece pedra falsificada e imperfeita. As cinco chagas estavam formosamente cravejadas na cruz. Disse-me Ele que eu sempre veria a cruz dessa maneira, o que aconteceu: eu já não via a madeira de que era feita, e sim essas pedras — mas só eu o via.

Quando me mandaram fazer essas provas e resistir, os favores aumentaram muito; mesmo quando queria me distrair, eu nunca saía da oração. Mesmo dormindo, tinha a impressão de estar nela, porque cresciam o amor e as queixas que eu fazia ao Senhor; eu não podia suportar não pensar nele, nem isso estava ao meu alcance, por maior que fosse o meu desejo e por mais que eu me esforçasse. No entanto, obedecia quando era possível; mas era pouco, ou quase nada, o que eu podia fazer. O Senhor nunca me disse que não obedecesse, mas, ao mesmo tempo que me mandava obedecer, me dava garantias, ensinando-me o que eu haveria de dizer às pessoas, tal como o faz ainda hoje, dando-me razões tão fortes que me deixava plena de confiança.

8. Há pouco tempo, como tinha prometido,10 Sua Majestade começou a me dar mais indicações de que se tratava dele. Cresceu em mim um imenso amor por Deus, que eu não sabia de onde vinha, porque era muito sobrenatural e não era procurado por mim. Eu me via morrer de desejo de ver a Deus, e não sabia onde mais procurar essa vida verdadeira a não ser na morte. Vinham-me uns ímpetos grandes desse amor que, embora não fossem tão insuportáveis quanto os de que já falei,11 nem de tanto valor, me deixavam sem saber o que fazer: nada me satisfazia, eu não cabia em mim, e sentia verdadeiramente que a alma me era arrancada.

Ó artifício soberano do Senhor! Que meios tão delicados usáveis com Vossa escrava miserável! Vós Vos escondíeis de mim e, ao mesmo tempo, me púnheis, com o Vosso amor, numa morte tão saborosa que a alma jamais quisera sair dela.

9. Quem não tiver experimentado esses ímpetos tão grandes não os poderá entender, pois não se trata de um desassossego do coração, nem de devoções muito comuns que parecem sufocar o espírito e inundar o nosso íntimo. Estas são uma oração inferior, devendo-se evitar semelhantes emoções, procurando-se, com suavidade, recolher a alma e fazê-la calar-se, como se faz com as crianças que choram aceleradamente, parecendo perder o fôlego, mas que logo se acalmam quando lhes damos água.

O mesmo devemos fazer; que a razão procure estabelecer o controle, para que a natureza não se intrometa aqui. Deve-se mudar a consideração, introduzindo o temor de que nem tudo seja perfeito, podendo haver uma grande parti cipação da parte sensível. Que ela cale essa criança com um amoroso afago que a faça amar de modo suave, e não, como se diz, açodadamente.

Cumpre recolher o amor no íntimo, não permitindo que ele seja como a pa nela que ferve em demasia porque há lenha demais e se derrama toda. Mo de re--se a causa de todo esse fogo, abrandando as chamas com lágrimas suaves, e não amargas como as que vêm das devoções sensíveis e que causam muito mal. Eu as tive algumas vezes no início, e ficava confusa e com o espírito cansado, levando um ou mais dias para conseguir voltar à oração. Por isso, é necessária muita discrição no começo para que tudo tenha suavidade e para que o espírito aprenda a agir interiormente, procurando evitar a todo custo as coisas exteriores.

10. Os ímpetos de que falo são muito diferentes. Não somos nós a pôr a lenha, parecendo antes que, estando o fogo já aceso, logo somos lançados dentro dele para nos queimar. A alma não procura a dor dessa chaga da ausência do Senhor; em vez disso, fincam-lhe uma seta no mais profundo das entranhas e do coração, deixando-a sem saber o que fazer ou querer. Ela bem entende que quer a Deus, mas a seta parece capaz de levar a alma a perder--se de si por amor a este Senhor e a entregar a própria vida por Ele. Não é possível encarecer nem exprimir o modo como Deus chaga a alma, nem o tormento enorme que isso provoca, deixando-a fora de si. Essa dor é, no entanto, muito deliciosa, não havendo deleite na vida que possa ser comparado com ela. A alma desejaria, como eu disse,12 morrer sempre desse mal.

11. Essa dor e essa glória juntas me deixavam desatinada, sem conseguir entender como era possível. Oh, o que é ver uma alma ferida! A alma entende e se declara ferida por causa tão excelente e vê claramente que nada fez para que surgisse esse amor, mas que caiu sobre ela uma pequena centelha do grande amor que o Senhor lhe tem, fazendo-a arder por inteiro. Quantas vezes me recordo, quando estou assim, do versículo de David: Quemadmodum desiderat cervus ad fontes aquarum!13 Parece-me vê-lo cumprido ao pé da letra em mim!

12. Quando isso não ocorre com muito ímpeto, parece que algo se aplaca ou, ao menos, a alma busca remédio, por não saber o que fazer, em algumas penitências. Mas ela não sente as penitências, e derramar sangue do corpo não dói mais do que se este estivesse morto. Ela busca todos os meios para fazer alguma coisa que sinta por amor de Deus; mas a primeira dor14 é tão grande que não conheço tormento corporal capaz de dissipá-la. Como não está nisso a solução, esses remédios são muito fracos para mal tão elevado; aplacam-se algumas coisas quando se pede a Deus a cura, pois a única que a alma vê é a morte, porque ela espera fluir plenamente do sumo Bem. Outras vezes, o ímpeto é tão veemente que nada se pode fazer, ficando o corpo inteiro despedaçado. Não se podem mover os pés nem os braços e, se se estiver de pé, cai-se sentado como objeto sem vida. O peito mal pode respirar, e a alma dá uns gemidos baixinhos, por lhe faltarem forças, mas bem altos em termos de sentimento.

13. Quis o Senhor que eu tivesse algumas vezes esta visão: eu via um anjo perto de mim, do lado esquerdo, em forma corporal,15 o que só acontece raramente. Muitas vezes me aparecem anjos, mas só os vejo na visão passada de que falei.16 O Senhor quis que eu o visse assim: não era grande, mas pequeno, e muito formoso, com um rosto tão resplandecente que parecia um dos anjos muito elevados que se abrasam. Deve ser dos que chamam querubins,17 já que não me dizem os nomes, mas bem vejo que no céu há tanta diferença entre os anjos que eu não os saberia distinguir.

Vi que trazia nas mãos um comprido dardo de ouro, em cuja ponta de ferro julguei que havia um pouco de fogo. Eu tinha a impressão de que ele me perfurava o coração com o dardo algumas vezes, atingindo-me as entranhas. Quando o tirava, parecia-me que as entranhas eram retiradas, e eu ficava toda abrasada num imenso amor de Deus. A dor era tão grande que eu soltava gemidos, e era tão excessiva a suavidade produzida por essa dor imensa que a alma não desejava que tivesse fim nem se contentava senão com a presença de Deus. Não se trata de dor corporal; é espiritual, se bem que o corpo também participe, às vezes muito. É um contato tão suave entre a alma e Deus que suplico à Sua bondade que dê essa experiência a quem pensar que minto.

14. Nos dias em que isso acontecia, eu ficava como que abobada; não queria ver nem falar com pessoa alguma, mas ficar abraçada ao meu sofrimento, que era para mim uma glória maior do que todas as das coisas criadas.

Isso me acontecia algumas vezes quando o Senhor desejava que me viessem esses arroubos tão grandes, e eu, mesmo estando entre pessoas, não podia resistir a eles. Para meu pesar, isso começou a ser divulgado. Desde que os tenho, não sinto tanto esse tormento, mas apenas a dor de que falei antes, não me lembro onde,18 que é muito diferente em muitas coisas e de maior valor. Quando começa esta dor de que falo agora, parece que o Senhor arrebata a alma e a leva ao êxtase, não havendo como ter mágoa ou padecer, porque o deleite logo vem.

Bendito seja para sempre Aquele que tantas graças concede a quem tão mal corresponde a tão grandes benefícios.

5 comentários:

  1. Capítulo 27
    Completamente transformada, Teresa se coloca nas mãos de Deus, para que nela se cumpra somente a Sua vontade, pois sabe que este caminho a conduzirá para o céu. Oferecia suas boas obras e recorria à intercessão de muitos santos. A amizade com Cristo é para Teresa a única verdade de sua vida e por isso se sente temerosa com as perguntas que seus confessores e outras pessoas lhe faziam a respeito de suas visões. Ela nos descreve sua grande solidão por não ter a quem explicar sua experiência interior. Esta incompreensão a fez sofrer em muitas ocasiões, portanto abre-nos os olhos para que busquemos conselheiros instruídos e cheios de santidade. Compreendia que sua oração nada tinha a ver com seus méritos e sua perfeição de monja exemplar: sabia que Deus era o protagonista e dono desta sua situação. Seu sentir a presença de Cristo não era imaginação: “sentia com clareza tê-Lo sempre ao meu lado”. Podemos sentir a presença de Deus quando temos oração de união e quietude, sobretudo pelos seus efeitos. Mas não era isso o que Teresa sentia: via-se acompanhada pela presença da Humanidade Sacratíssima do Senhor. Explica muito bem: “não somos nós que agimos; tudo é obra do Senhor”. Seria como estudar e sentir a ciência dentro de nós, sem saber de onde veio. Basta esta experiência para que a alma venha a amar somente Àquele que ela sente dentro de si. Como tais favores não suscitam nenhum esforço por parte da alma, esta não acreditará neles se não for portadora de uma fé muito viva.
    Santa Teresa explica o que se passa em sua alma, muitas vezes sem ser compreendida. Faz isto motivada pela intenção de nos levar a perceber que Deus quer que saibamos o que se passa no céu, como diz o Esposo à Esposa do Cântico dos Cânticos.
    “Deus se dá a todos os que deixam tudo por Ele”. Esta frase é o coração destes ensinamentos de Santa Teresa: não podemos tentar conseguir por meio de prazeres e diversões aquilo que o Senhor nos conseguiu com Sua Paixão. Quanta riqueza podemos adquirir através do Amor a Cristo!...
    Como incentivo e exemplo para não nos apegarmos às coisas do mundo, Teresa nos relata a vida de penitência e desapego de seu amigo Frei Pedro de Alcântara, pois ela está consciente de que “é Deus quem nos dá tudo o que temos”.

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  2. Capítulo 28.
    A leitura da autobiografia de Santa Teresa nos introduz no seu caminho de oração, uma vez que nos conduz por uma senda de amor, de verdade e de decisão. Sua mística não tem outra explicação: sua essência está na experiência que ela tem de Cristo, e sua única raiz é somente Deus e “Deus é Amor”.
    Deus demonstra Sua aprovação ao proceder de Teresa na oração com muitas intervenções. Mesmo assim, muitos confessores ou letrados da época não podiam entender o que com ela sucedia nem achavam explicações para tal em seus livros ou tratados de teologia. Teresa se via desconsertada em seu juízo com os conselhos que recebia e que a deixavam sempre em “grande confusão e aflita”. Não podia mais duvidar que todos se puseram contra ela. Os conselheiros e confessores não admitiam os fenômenos que Teresa, a duras penas, tentava explicar: “grande dor é não contar com quem tem experiência nesse caminho espiritual”. Julgava esta uma das maiores provações por quê passou na vida. Todavia, não deixa de reconhecer o grande empenho que demonstrou um de seus confessores, um padre jesuíta muito santo, Baltasar Alvarez, que sendo muito prudente e discreto, sempre a animava a acalmava, recomendando-lhe ser muito discreta e obediente.
    Neste capítulo, Santa Teresa narra suas visões. De início, o Senhor apenas lhe mostrou Suas Mãos. Depois, viu Cristo Ressuscitado, durante a missa, numa festa de São Paulo: “imensa a glória especial de ver a Humanidade de Jesus Cristo...” E faz comparações para explicar suas visões, acrescentado que as mesmas deixam na alma a verdadeira humildade, porque a alma sente a sua miséria diante da majestade do Senhor.
    Chamou-me a atenção esta grande explicação de Teresa: “COM OS OLHOS DA ALMA, VEMOS A EXCELÊNCIA, A FORMOSURA E A GLÓRIA DA SANTÍSSIMA HUMANIDADE E COM OS OLHOS DO CORPO PERCEBEMOS COMO É DEUS E QUÃO PODEROSO; VEMOS QUE ELE TUDO PODE, TUDO ORDENA, TUDO GOVERNA E TUDO ENCHE DE AMOR.” Devemos, assim, procurar manter sempre uma atitude de humildade e simplicidade, para nossa alma acolher tudo que Santa Teresa nos ensina.

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  3. Capítulo 29.
    Santa Teresa se sente entusiasmada com as graças que o Senhor lhe tem proporcionado, com sua experiência mística e com suas visões. Jesus, quase sempre, lhe aparece ressuscitado; mas em algumas vezes ela o contempla na Cruz ou no Horto. O certo é que Ele se apresenta quando quer, da maneira como quer e na perspectiva que deseja. Por dois anos e meio, Deus concedeu, frequentemente a Teresa essa graça. Devemos reconhecer, como ela nos ensina, que tudo o que acontece não depende de nossos esforços, mas é obra do Senhor, para que nos tornemos cada vez mais humildes.
    Por várias vezes, pessoas de seu convívio, como Gonçalo Arantes e outros, a julgaram possuída pelo demônio e pensaram em exorcizá-la.
    Todavia, essas visões, faziam crescer em Teresa o amor que tinha por Cristo. Andava sempre com uma cruz na mão. Descreve, no nº 7, uma das visões mais belas que teve.
    Seu amor a Deus se tornou tão grande e sobrenatural que sua alma fica ferida. Entretanto, sente claramente que nada fez para conseguir esse amor, e sim, que caiu sobre ela uma pequena centelha do grande amor que o Senhor lhe tem e a faz arder por inteiro. Roga ao Senhor que a cure, sabendo que a única cura é a morte, quando poderá fluir plenamente do Sumo Bem.
    Grande sabedoria demonstra Teresa quando nos ensina a recolher intimamente o nosso amor: “que ele não seja como a panela que ferve porque há lenha demais e se derrama toda. Modere-se a causa de todo esse fogo, abrandando as chamas com lágrimas suaves e não amargas...” Tudo deve ser suave para que o espírito aprenda a agir em seu interior.
    No nº 13, Santa Teresa recorda a TRANSVERBERAÇÃO DE SEU CORAÇÃO. Quando tal acontece, ela ficava como que abobada, querendo ficar abraçada ao seu sofrimento, sentindo que o Senhor arrebatava sua alma e a levava ao êxtase, pondo fim ao sofrimento porque logo vem o deleite.

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  4. Capítulo 29.
    Santa Teresa se sente entusiasmada com as graças que o Senhor lhe tem proporcionado, com sua experiência mística e com suas visões. Jesus, quase sempre, lhe aparece ressuscitado; mas em algumas vezes ela o contempla na Cruz ou no Horto. O certo é que Ele se apresenta quando quer, da maneira como quer e na perspectiva que deseja. Por dois anos e meio, Deus concedeu, frequentemente a Teresa essa graça. Devemos reconhecer, como ela nos ensina, que tudo o que acontece não depende de nossos esforços, mas é obra do Senhor, para que nos tornemos cada vez mais humildes.
    Por várias vezes, pessoas de seu convívio, como Gonçalo Arantes e outros, a julgaram possuída pelo demônio e pensaram em exorcizá-la.
    Todavia, essas visões, faziam crescer em Teresa o amor que tinha por Cristo. Andava sempre com uma cruz na mão. Descreve, no nº 7, uma das visões mais belas que teve.
    Seu amor a Deus se tornou tão grande e sobrenatural que sua alma fica ferida. Entretanto, sente claramente que nada fez para conseguir esse amor, e sim, que caiu sobre ela uma pequena centelha do grande amor que o Senhor lhe tem e a faz arder por inteiro. Roga ao Senhor que a cure, sabendo que a única cura é a morte, quando poderá fluir plenamente do Sumo Bem.
    Grande sabedoria demonstra Teresa quando nos ensina a recolher intimamente o nosso amor: “que ele não seja como a panela que ferve porque há lenha demais e se derrama toda. Modere-se a causa de todo esse fogo, abrandando as chamas com lágrimas suaves e não amargas...” Tudo deve ser suave para que o espírito aprenda a agir em seu interior.
    No nº 13, Santa Teresa recorda a TRANSVERBERAÇÃO DE SEU CORAÇÃO. Quando tal acontecia, ela ficava como que abobada, querendo ficar abraçada ao seu sofrimento, sentindo que o Senhor arrebatava sua alma e a levava ao êxtase, pondo fim ao sofrimento porque logo vem o deleite.

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  5. Comentário - Capítulos 27, 28 e 29:-
    Nestes três capítulos, Teresa narra a grandiosidade de suas experiências místicas extraordinárias. É confortante observar esta narração dotada de uma profunda humildade e coerência por parte da Santa Madre. Com efeito, ela partilha suas experiências com objetividade e clareza, atribuindo todos estes acontecimentos "ao grande amor que o Senhor lhe tem".
    Penso que o grande ensinamento destes três capítulos, longe da pretensão de sermos beneficiados com estas graças extraordinárias das visões (intelectual e imaginária) e da transverberação do coração, concentra-se justamente na compreensão do grande amor de Deus. Como diz a Santa Madre, diante de uma experiência do amor de Deus, por meio da oração, a alma verdadeiramente se transforma, e deseja corresponder a esse amor divino.
    Ou seja, é imprenscindível buscar a Deus porque Ele é Deus, e a tudo conduz. O alcance dessas graças não depende de méritos humanos, mas são a expressão da pura misericórdia gratuita do amor de Deus. Se alcançarmos tais graças, glória a Deus! E, se não as alcançarmos, glória a Deus!
    Não é compreensível ao ser humano o agir de Deus. Poderíamos nos perguntar: Como Ele dota de tantas graças místicas alguém como Santa Teresa, e enche de aridez alguém como Santa Teresinha? Não sabemos! E o Livro de Isaías vai dizer: "Pois meus pensamentos não são os vossos, e vosso modo de agir não é o meu, diz o Senhor." O certo é que Seu amor por todas as criaturas é imenso, infinitamente superior a qualquer pensamento do ser humano, por mais sublime que seja este pensamento humano. É este Amor que "feriu" Teresa e Teresinha. E é a este Amor que elas corresponderam, e ao qual nós também somos chamados a corresponder, não por mérito nosso, mas pela misericórdia do Senhor.

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