segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Capítulo 6




Capítulo 6
Trata do muito que ficou devendo ao Senhor por este lhe ter dado conformidade em tão grandes sofrimentos e de como tomou por mediador e advogado o glorioso S. José, e do grande proveito que disso obteve.
1. Fiquei, depois desses quatro dias de paroxismo, num estado tal que só o Senhor pode saber os insuportáveis tormentos que sentia em mim. De tão mordida, a língua estava dilacerada; a garganta, devido a eu nada ter ingerido e à minha grande fraqueza, me deixava quase sem respirar, pois nem água eu podia engolir; eu parecia estar inteiramente desconjuntada, com a cabeça em grande desatino. Aquele tormento me fez ficar encolhida, como se fosse um novelo, incapaz de mover os braços, os pés, as mãos e a cabeça, como se estivesse morta, sem ajuda; creio que só movia um dedo da mão direita. Era difícil me tocarem, pois eu sentia tantas dores que não podia suportá-lo. Usavam um lençol, que duas pessoas seguravam, uma de cada lado, para me mudarem de posição.
Isso durou até a Páscoa Florida. Eu só sentia alívio quando não se aproximavam de mim; as dores então muitas vezes cessavam, e eu, por descansar um pouco, me considerava curada, o que traía o temor de que me viesse a faltar paciência. Fiquei muito contente quando deixei de sentir dores tão con tínuas e agudas, embora ainda fossem insuportáveis quando me acometiam os calafrios intensos das violentas febres interminentes que ainda me afligiam; todo alimento me repugnava.
2. Eu tinha tanta pressa de voltar ao meu mosteiro que fiz com que me levassem para lá nesse estado. Receberam viva quem esperavam morta; o corpo, no entanto, estava pior do que morto, dando pena vê-lo. Era tamanha a minha fraqueza que posso dizer: tinha apenas ossos. Fiquei nessa condição por mais de oito meses. Mesmo tendo melhorado, fiquei paralítica por quase três anos. Quando comecei a andar de gatinhas, louvei a Deus. Padeci com grande conformidade e, exceto no começo da doença, até com alegria. Em comparação com as dores e tormentos do princípio, tudo o mais pouco representava. Eu estava conformada com a vontade de Deus, mesmo que Ele me deixasse para sempre naquele estado.
Eu ansiava pela cura, unicamente para voltar a ter solidão e orar, o que, na enfermaria, não era possível. Confessava-me com freqüência e sempre falava de Deus, de maneira que todas as companheiras se sentiam edificadas, admirando-se da paciência que o Senhor me concedia; porque, sem a intervenção de Sua Majestade, parecia impossível alguém sofrer tanto mal com tanta alegria.
3. Muito me beneficiaram as dádivas recebidas do Senhor na oração; esta me levava a compreender o que era amá-lo. Naquele pouco tempo, vi surgirem em mim novas virtudes, embora não de todo fortes, visto não me terem sus­tentado no caminho da justiça: não tratar mal a ninguém, por menos que fosse. Em geral, eu evitava todos os murmúrios, pois tinha bem presente não querer dizer de outra pessoa o que não queria dissessem de mim. Eu levava isso ao extremo nas diversas ocasiões; a perfeição não era tanta, pois havia ocasiões, e não eram raras, em que eu fracassava; e em geral era assim. Isso convenceu a tal ponto as pessoas que me cercavam e que se relacionavam comigo que elas passaram a praticá-lo. Todas vieram a entender que, onde eu estava, não tinham o que temer quando se fossem; nesse aspecto, seguiam aquelas com quem eu tinha amizade e parentesco, e a quem ensinava; embora, em outras coisas, eu tenha boas contas a prestar a Deus pelo mau exemplo que lhes dava.
Que Sua Majestade me perdoe, pois causei muitos males, embora a minha intenção não fosse tão má quanto depois o foram os atos.
4. Passei a desejar a solidão, amiga de tratar e falar de Deus; se encontrasse alguém com quem fazê-lo, eu obtinha disso mais alegria e satisfação do que em todos os requintes — melhor dizendo, em toda a grosseria — da conversação do mundo; comungava e confessava-me com muito mais freqüência, sempre desejando fazê-lo. Amiga de ler bons livros. Quando ofendia a Deus, eu muito me arrependia, a ponto de, muitas vezes, não ousar fazer oração por temer o profundo pesar que ia sentir por tê-Lo ofendido, o que era um grande castigo para mim. Essa atitude cresceu a tal ponto que não sei a que comparar esse tormento. E não era por temor, pouco ou muito, jamais! Afligia-me a lembrança dos dons que o Senhor me fazia na oração e do muito que lhe devia, e de quão insignificante era a minha retribuição. Essa idéia me perturbava ao extremo, e foram muitas as lágrimas que derramei por minhas culpas, pois via que eu pouco me corrigia; pois não bastavam mi­nhas decisões nem a dor que me vinha para que eu não fraquejasse. Pareciam-me lágrimas enganosas, aumentando a minha culpa, porque eu via a grande graça que o Senhor me dava ao conceder-lhes por companhia um tão grande arrependimento. Eu procurava me confessar logo e tudo fazia para voltar à graça.

O mal estava todo em não cortar pela raiz as ocasiões e no fato de eu ter confessores que pouco me ajudavam; se eles me dissessem que eu corria perigo e que tinha a obrigação de evitar aqueles tratos, tudo sem dúvida se remediaria; porque, se disso tivesse consciência, eu de forma alguma passaria um só dia em pecado mortal.
Todos esses sinais de temor a Deus vieram-me com a oração; e, melhor que tudo, o amor substituiu o temor, sem que eu me lembrasse do castigo. No período em que a minha saúde ia tão mal, a minha consciência sempre foi despertada para os pecados mortais. Oh! Valha-me Deus! Eu desejava a saúde para melhor servi-Lo, e isso causou todo o meu mal!
5. Vendo-me tão tolhida com tão pouca idade, e por não me valerem os médicos da terra, resolvi recorrer aos do céu para que me curassem; embora suportasse os sofrimentos com muita alegria, eu ainda desejava a saúde, imaginando que, com ela, serviria muito mais a Deus, embora pensasse que, se ficar curada servisse para me condenar, seria melhor continuar doente. Um dos nossos enganos é não nos submeter por inteiro ao que o Senhor faz, pois Ele sabe melhor do que nós o que nos convém.
6. Comecei a mandar celebrar missas e a fazer orações aprovadas, pois nunca fui amiga de outras devoções praticadas por certas pessoas, mulheres em especial, com cerimônias que, parecendo-me insuportáveis, lhes causavam devoção; depois entendi que não convinham, que eram supersticiosas. Assim, tomei por advogado e senhor o glorioso São José, encomendando-me muito a ele. Vi com clareza que esse pai e senhor meu me salvou, fazendo mais do que eu podia pedir, tanto dessa necessidade como de outras maiores, referentes à honra e à perda da alma. Não me lembro até hoje de ter-lhe suplicado algo que ele não tenha feito. Espantam-me muito os grandes favores que Deus me concedeu através desse bem-aventurado Santo, e os perigos, tanto do corpo como da alma, de que me livrou. Se a outros santos o Senhor parece ter concedido a graça de socorrer numa dada necessidade, a esse Santo glorioso, a minha experiência mostra que Deus permite socorrer em todas, querendo dar a entender, que São José, por ter-Lhe sido submisso na terra, na qualidade de pai adotivo, tem no céu todos os seus pedidos atendidos.
O mesmo viram, por experiência própria, outras pessoas a quem aconselhei que se encomendassem a ele, também por experiência; e há hoje muitas que lhe são devotas de novo, experimentando essa verdade.1
7. Eu procurava festejá-lo com toda a solenidade, movida mais pela vaidade do que pelo espírito, querendo que tudo fosse perfeito e primoroso, embora com boa intenção. Mas havia algo de mau: se o Senhor me dava a graça de fazer um bem, eu o fazia com imperfeições e muitas faltas. Para o mal, para os exageros e para a vaidade, era grande a minha esperteza e diligência. Que o Senhor me perdoe!
Eu queria persuadir todos a serem devotos desse glorioso Santo, pela minha grande experiência de quantos bens ele alcança de Deus. Não conheço nenhuma pessoa que realmente lhe seja devota e a ele se dedique particularmente, que não progrida na virtude; porque ele ajuda muito as almas que a ele se encomendam. Há alguns anos, sempre lhe peço, em seu dia, alguma coisa, nunca deixando de ser atendida. Se a petição vai algo torcida, ele a endireita para maior bem meu.
8. Se eu fosse pessoa cujos escritos tivessem autoridade, de bom grado descreveria longamente as graças que esse glorioso Santo tem feito a mim e a outras pessoas; mas, para não fazer mais do que me mandaram, em muitas coisas serei mais breve do que gostaria e, em outras, me alargarei mais do que devo, como quem em tudo o que é bom tem pouca discrição. Só peço, pelo amor de Deus, que quem não me crê o experimente, vendo por experiência o grande bem que é encomendar-se a esse glorioso patriarca e ter-lhe devoção. As pessoas de oração, em especial, deveriam ser-lhe afeiçoadas; não sei como se pode pensar na Rainha dos Anjos, no tempo em que tanta angústia passou com o Menino Jesus, sem se dar graças a São José pela ajuda que lhes prestou. Quem não encontrar mestre que ensine a rezar tome por mestre esse glorioso Santo, e não errará no caminho. Queira o Senhor que eu não tenha cometido erro por me atrever a falar dele; pois, embora apregoando que lhe sou devota, em servi-lo e imitá-lo sempre falhei.
Pois ele mostrou quem é ao fazer que eu me levantasse, andasse, e não mais ficasse paralítica. Também eu mostrei quem sou, usando tão mal esse favor.
9. Quem diria que eu cairia tão depressa depois de receber tantas bênçãos de Deus, depois de haver sua majestade começado a dar-me virtudes que me estimulavam a servi-lo, depois de, quase morta, correndo o risco da condenação, ter tido a alma e o corpo ressuscitados, provocando a admiração de todos? Que é isso, Senhor meu? Teremos de viver vida tão perigosa? Enquanto escrevo isto, parece-me que, com o Vosso favor e a Vossa misericórdia, eu poderia dizer, com São Paulo, embora sem tanta perfeição, que: Não sou eu quem vive; é Cristo,Criador meu, que vive em mim.2 Pelo que sei, Vossa mão me sustenta há vários anos; percebo-o agora pelos meus desejos e determinação de nada fazer, por mais insignificante, contra a Vossa vontade. E, de algum modo, eu o tenho provado por experiência, nesses anos, em muitas coisas, por pequenas que sejam, não obstante muito tenha ofendido a Vossa Majestade sem o saber. E também me parece que não há tarefa que eu deixe de executar, com grande empenho, por amor a Vós. Na verdade, em muitas ocasiões tenho tido, para realizá-la, ajuda Vossa. Nada quero com o mundo nem com as suas coisas, nem me traz alegria o que não vem de Vós; tudo o mais me parece uma pesada cruz.
É bem possível que eu me engane, não tendo o que digo; mas Vós sabeis, meu Senhor, que, pelo que me é dado saber, não minto, e temo, com muita razão, que volteis a me abandonar. Conheço bem o ponto a que chegam minha força e minha pouca virtude quando não me confortais nem me ajudais para que eu não me afaste de Vós. Queira Vossa Majestade que, agora mesmo, eu não esteja afastada de Vós por sentir como meu o que acabo de dizer.
Não sei como queremos viver, já que tudo é tão incerto. Parece-me, Senhor meu, que já me é impossível deixar-Vos tão inteiramente como já Vos deixei tantas vezes; não posso evitar temer que, se Vos apartardes um pouco de mim, tudo venha abaixo. Bendito sejais para sempre, porque, mesmo quando Vos deixei, Vós não vos afastastes de mim por inteiro, dando-me sempre a mão para que eu voltasse a me levantar; muitas vezes, Senhor, eu não a queria, nem procurava ouvir quando me chamáveis de novo, como agora direi.

3 comentários:

  1. Santa Teresa foi levada para o Mosteiro, antes mesmo de recuperar a saúde, louvando ao Senhor porque ali poderia estar em solidão e orar, agradecendo ao Senhor por ter lhe dado a paciência necessária para suportar os sofrimentos, por Ele enviados, com conformidade e até com alegria.
    Após três anos, recuperou a saúde e o equilíbrio existencial, para viver em plenitude e intensidade seu encontro com Deus, abraçando uma vida de oração, em todos os níveis de sua existência, porque a oração a fez conhecer o que era amá-lO e conquistar novas virtudes. Santa Teresa nos dá o bom exemplo, narrando que confessava e comungava com freqüência e também era amiga de bons livros. Com essas práticas procurava tornar possível cortar todos os males pela raiz. Seguindo seu exemplo, concluímos que esssas práticas nos levem a bons confessores, coisa que nem sempre foi possível à Teresa de Jesus. Era tal o seu amor por Deus, que a afligia apenas a lembrança dos muitos dons que obteve do Senhor através de suas contínuas orações e do pouco com que conseguia retribuir a Ele. Foi a maior mestra da oração, em todos os tempos e, como carmelitas, devemos seguir os seus passos.
    Para conseguir sua cura, pois sua doença a fazia sofrer muito por não poder servir melhor ao Senhor, Santa Teresa passou a recorrer ao médico divino para que a curasse, mandando celebrar muitas missas, fazendo muitas orações e também tomando São José como seu protetor e advogado. E ele sempre a atendia em todas as suas súplicas; por isso aconselhou a outras pessoas que se encomendassem a ele, para sentirem o grande bem que esse santo patriarca proporciona a quem lhe tem devoção. O que seria de Nossa Santa Mãe Maria e do Menino Jesus se não tivessem tido a sua proteção, se pergunta Santa Teresa. Ela nos orienta a tomá-lo como nosso mestre de oração e intercessor. Após sua recuperação, Santa Teresa dizia consigo, como São Paulo: “Não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim” ( Gl 2,20 ). Santa Teresa sabia muito bem que não era por suas forças ou virtudes que tudo fazia e sim pela graça de Deus. Para tanto, suplicava a Ele que não a deixasse um só instante para que tudo não viesse a ruir. Como Teresa de Jesus, roguemos ao Senhor que sempre nos dê a mão, quando vacilarmos pelo caminho do bem.

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  2. Nos Capítulos 5 e 6, a Santa Madre faz referência a três assuntos:

    1) A enfermidade e a paciência que teve em suportá-la por longos três anos.

    2) A importância do bom preparo dos sacerdotes.

    3) A grande e poderosa intercessão de São José, na cura de sua enfermidade e como bom mestre no caminho da oração.

    Penso que é importante salientar a humanidade de Santa Teresa, quando ela confessa que, no início, não aceitou a doença. Com o sofrimento e o tempo, ela passou a se resignar à doença, não como masoquismo ou fatalismo, mas como um acontecimento permitido por Deus. Valia-se ela, então, do ensinamento de Jó: se recebemos os bens de Deus, não haveríamos de receber também os males?
    A partir do momento em que ela aceitou a sua enfermidade, cultivou a virtude da paciência, o que edificou as demais monjas. Suas palavras tornam mais claro este meu pensamento: "Um dos nossos enganos é não nos submeter por inteiro ao que o Senhor faz, pois Ele sabe melhor do que nós o que nos convém." O ensinamento da Santa Madre é no sentido de que vivamos o sofrimento como dom também, o que não é fácil...
    Não quero dizer com isso que devamos nos entregar ao sofrimento. Não estou fazendo apologia ao sofrimento, nem ao masoquismo. Devemos lutar contra as doenças, como ela fez, mas diante de certos acontecimentos, o melhor a fazer é abandonar-se nas mãos do Pai e pedir que Ele cuide de tudo, e nos dê a paciência para suportar o sofrimento. A própria Santa diz que no período de sua doença, passou a cultivar muitas virtudes: "Não tratar mal a ninguém, por menos que fosse; em geral, eu evitava todos os murmúrios, pois tinha bem presente não querer dizer de outra pessoa o que não queria dissessem de mim."
    Teresa queria sarar! E ela tinha um motivo
    nobre: "apenas para poder ter solidão e orar." Seu desejo era estar na Presença do Senhor, e para isto, enquanto enferma, confessava-se com frequência e comungava.
    Adverte a Santa Madre a importância de os sacerdotes confessores estarem bem preparados para a direção das almas. E nós sabemos como isto é fundamental na nossa caminhada espiritual, pois uma palavra bem dita pode edificar, enquanto outra, infeliz, pode manchar muito a fé.
    E entra aqui, então, a poderosa intercessão de São José! Foi São José quem curou a Santa Madre! Santa Teresa fala de São José não com teorias, mas como quem o conhece e experimentou a Sua ajuda.
    Finalmente, ressalta também no Capítulo 6, a dor que a Santa sentia ao ofender a Deus com o pecado. Com a oração, ela foi aprendendo a evitar o pecado por amor a Deus, em gratidão às graças que recebia, e não mais por medo de castigos - o amor substituiu o temor servil.

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  3. Neste capítulo 6, o que mais me chama a atenção é a entrega total de Santa Teresa à vontade de Deus, suportando com paciência todo o sofrimento de sua doença. Apesar de desejar ficar curada para melhor servir ao Senhor, só deseja a cura se esta não for causa de sua condenação.
    Santa Teresa recorre então a São José e obtém a cura por sua intercessão, recomendando a todos a devoção a esse glorioso santo.
    Nós, carmelitas descalços seculares, devemos seguir tão importante recomendação de nossa mestra e termos especial devoção a São José. É isso o que procuro fazer na minha vida, como esposo e pai de família, ainda que de forma bastante imperfeita, tento tomar o exemplo de São José de fidelidade e obediência a Deus e de dedicação ao trabalho e proteção à família. Por isso, escolhi como nome de Ordem: Luciano de São José, na esperança de poder subir o Monte e atravessar as noites escuras da vida com a ajuda do nosso querido São José, Patrono do Carmelo!

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