quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Sobre o "Caminho de Perfeição" de Santa Teresa

Sobre o "Caminho de Perfeição" de Santa Teresa

"Um dos aspectos da originalidade carismática da Santa está precisamente nessa sua disponibilidade pessoal, que a leva a manifestar às demais, com simplicidade e sinceridade, sua própria experiência e que, com seu exemplo as estimula, suscitando nelas o desejo de encaminhar-se por um caminho que leva a tais alturas.

A missão de Teresa em meio às suas filhas consiste em ajudá-las a viver, cada uma de modo personalíssimo e irrepetível, sua própria experiência. É este um elemento básico que nenhuma análise histórica, nem teológica poderá fazer-nos perceber exatamente. Poderemos recolher todas as palavras da Santa que chegaram até nós, poderemos catalogar muitíssimos testemunhos contemporâneos, porém, nunca chegaremos a conhecê-la tão profundamente como uma destas jovens que tiveram a dita de conviver com ela vários anos.

A vida se transmite vivendo e a convivência vai ampliando cada vez mais esse conhecimento pessoal que logo se torna difícil de traduzir em princípios ou transmitir a outras pessoas. Sem dúvida, ainda tendo em conta esta limitação de nosso conhecimento histórico, todo esforço por aproximar-nos o mais possível à realidade de São José de Ávila está justificado.

A Santa, pois, ainda que sempre tenha presente o fim, que para todas é o mesmo, trata de ensiná-lo a cada uma segundo sua capacidade. Cada alma que chega a este mundo tem que viver sua aventura a sós com Deus, combatida pelo demônio e o amor próprio. É um caminho que começa com o batismo e não termina até a morte, sempre em busca de Deus. E, como cada uma tem seu amor próprio e o demônio não coloca para todas os mesmos tropeços, a habilidade da guia consiste em saber indicar a cada uma qual é o seu caminho.

A Santa procura ajudar a suas novas companheiras com todos os meios a seu alcance, fazendo-lhes compreender que o agente principal é Deus, cuja ação misteriosa escapa ao alcance de nosso olhar, mas que necessita também de nosso esforço e nossa colaboração, pois, ainda que possamos ajudar pouco, podemos estorvar muito.

Aquelas jovens logo compreenderam que a experiência e a sabedoria da Madre Teresa eram algo fora do comum e para evitar que o tempo ou a ausência da Madre as privasse desse tesouro, pediram-lhe que pusesse por escrito tudo isso que costumava dizer-lhes. E assim nasceu o Caminho de Perfeição (1566):
“Este livro contém avisos e conselhos que Teresa de Jesus dá às irmãs religiosas e filhas suas”.

Como se dissesse: isto é o que eu costumo dizer-lhes nas reuniões de comunidade, nas conversas particulares com elas, cada vez que se apresenta uma circunstância ou ocasião oportuna. E o livro se converterá rapidamente em um prolongamento da presença da Madre entre suas filhas. Não será mais um livro de teorias, senão uma experiência vivida que se transmitirá com eficácia a quantas almas se aproximarem dessas páginas com ânimo aberto e desejoso de aprender. Enquanto viver a Madre, ela as ensinará; depois que morrer, o livro continuará recordando seus ensinamentos.

E efetivamente, nas comunidades que irão surgindo, ainda depois da morte da Santa, ela será considerada a verdadeira mestra de noviças: à noviça entregarão seus escritos e a mestra titular se sentirá só uma ajudante da Santa, com a missão de esclarecer os pontos mais difíceis que a noviça não conseguir entender por si mesma.

Este aspecto, fundamental para compreender o Caminho de Perfeição em toda sua transcendência para a vida do Carmelo Teresiano, moveu alguns ultimamente a chamá-lo “O Evangelho teresiano”, pondo em relevo que, como o Evangelho leva-nos ao conhecimento da Pessoa de Cristo, o Caminho de Perfeição tem que nos levar ao conhecimento da pessoa da Madre Teresa.

Tendo, pois, em conta, que na eficácia do livro tem tanta ou mais importância a pessoa da Madre Teresa que suas idéias, recordemos quais são as linhas mestras do livro, as idéias básicas sobre as quais gira o magistério teresiano em seus primeiros anos de São José de Ávila, o que – em uma palavra – a Santa quer que suas filhas não esqueçam nunca:

Reuniram-se em uma casa pobre, despojada de luxos supérfluos, poucas em número, como em um colégio apostólico, para corresponder ao amor do Senhor, ir crescendo em sua amizade e poder assim negociar mais eficazmente com Ele em favor de seus irmãos. A Igreja inteira, em especial o sacerdócio, será o objeto de suas conversações com o amigo Deus; suas preocupações e desvelos serão para as necessidades de todas as almas.

Caminho real para crescer na amizade com Deus é a vida de oração, que exige como condições indispensáveis: o amor do próximo, o desprendimento das coisas deste mundo – sobretudo de si mesmo – e a humildade, que é andar na verdade. Princípios, como se vê, claríssimos e que ninguém duvida em admitir. A dificuldade apresenta-se na hora de aplicá-los em circunstâncias concretas. É então, quando o demônio e o amor próprio desempenham seu papel, traindo a alma. É amor do próximo dizer sim, ou dizer não? É desprendimento próprio defender-se, ou calar? É humildade deixar que nossos talentos fiquem esquecidos, ou fazê-los reluzir porque humildade é andar na verdade? Responder a estas perguntas não é tão simples, e assim se explicam as digressões da Santa em seu livro.

Cada vez que se recorda de um detalhe da experiência pessoal ou alheia, escreve-o sem preocupar-se demasiadamente se seu lugar mais indicado é aquele ou outro, com a esperança de que quando suas irmãs se encontrarem em circunstâncias semelhantes, recordem-no e tirem proveito. As idéias fundamentais serão sempre as mesmas, as aplicações práticas são ilimitadas; cada pessoa é diferente das demais e os dias não são todos iguais. Assimilando esse tesouro de experiência, no momento oportuno sentir-se-á sua utilidade.

Levando a sério estas orientações da Madre, muito cedo as filhas de Teresa vêm-se livres de toda preocupação terrena e das exigências do amor próprio. Reconhecendo cada uma o pouco que possui e o muito que lhe falta, ajudando-se mutuamente com delicadeza e sinceridade que sugere o amor verdadeiro, assimilam com alegria o clima de serenidade que irradia da Madre e sentem-se parte integrante do ambiente maravilhoso que se criou em torno dela.

A Santa, dito com outras palavras, sabe criar um ambiente no qual as almas vêm abrir ante seus olhos um horizonte ilimitado para o qual dirigir seus passos. (O noviciado teresiano mais que ensinar a praticar uma porção de coisas, abre uma porta, introduz em um caminho que vai durar a vida toda).

E esse horizonte é o trato de amizade com Deus, Pai que está nos céus; cujo nome se deseja santificar, sobretudo quando se experimentou a vinda de seu reino à alma; cuja vontade deseja-se cumprir, seriamente, não por costume, enquanto durar o breve “hoje” que é esta vida, acompanhadas e sustentadas pela presença de Jesus na Eucaristia, ainda que “tão disfarçado neste acidentes de pão e vinho, que é grande tormento para quem não tem outra coisa que amar nem outro consolo”; cujo perdão se alcança perdoando de verdade aos irmãos, não à força de penitências ou de boas intenções de reconciliação; e cujo auxílio é a única garantia segura contra os enganos do demônio vestido de anjo de luz, e para livrar-se de todo mal.

A segunda parte do livro é simplesmente um comentário do Pai nosso. Quem deseja viver vida de oração não pode buscar melhor caminho que o que Cristo mesmo nos ensinou.

O Caminho de Perfeição contém, como se vê, algumas idéias básicas, fundamentais, claríssimas. O que importa à Santa é que cada noviça que chega à sua casa, as vá assimilando e fazendo suas segundo sua própria capacidade, e empenhe-se em prosseguir avançando sempre por esse caminho com a ajuda de Deus, pois na realidade o noviciado não termina nunca."

Autor: Frei Ildefonso Moriones, OCD.
Livro: O CARMELO TERESIANO - Páginas de sua história - Ediciones El Carmen.
Tradução do original: Monjas do Mosteiro de São José, Jundiaí - SP, Brasil.
Fonte: http://www.ocd.pcn.net/hp_2.htm#3

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